Sobre o projeto de pesquisa ‘Novo Federalismo no Brasil? Tensões e Inovações em Tempos de Pandemia de Covid-19’
‘Novo Federalismo no Brasil? Tensões e Inovações em Tempos de Pandemia de Covid-19’
Coordenação
Assis Mafort (CEE e Ensp/Fiocruz) e Sonia Fleury (CEE-Fiocruz)
Contexto e questões
A emergência da pandemia produzida pela Covid-19 no Brasil resultou em demandas crescentes para a capacidade do país de construir políticas públicas integradas e em tempo oportuno, levando a pressões sobre a administração pública, os diversos atores sociais e as instituições nacionais.
A construção de respostas adequadas passou, necessariamente, pelo trabalho articulado no plano das relações intergovernamentais e envolveu a atuação constante das principais instituições responsáveis pela mediação federativa no país, como as comissões intergestores, o Superior Tribunal Federal e o Congresso Nacional.
Assim, no campo institucional, a agenda de combate à Covid-19 produziu dois tipos de pressão sobre o arcabouço federativo brasileiro: 1) impulsionou a demanda pela formulação de políticas e a implantação de novos mecanismos regulatórios das relações intergovernamentais; e 2) intensificou a demanda por mediação institucional na defesa das prerrogativas constitucionais e dos recursos fiscais e financeiros das esferas da federação, em especial, no que tange às competências comuns.
Ao longo das últimas três décadas, demandas dessa natureza, no setor saúde, eram conduzidas a partir da dinâmica de federalismo integrado e cooperativo estabelecida na Constituição de 1988 e nas Leis Orgânicas da Saúde. Dessa vez, a formulação das políticas nacionais prioritárias, desde então, contava com a atuação expressiva do Ministério da Saúde, como coordenador nacional do SUS, em parceria com as entidades de representação dos gestores estaduais e municipais – Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
Essa dinâmica conjunta, entretanto, foi esvaziada já nos primeiros meses da pandemia, em virtude da ausência de coordenação federativa do Ministério da Saúde, criando um vácuo federativo deliberado que resultou em duplo deslocamento nas funções de coordenação de políticas no Brasil: de um lado, os governadores e prefeitos assumiram o protagonismo na condução das ações de combate à pandemia em seus territórios; de outro, o Congresso e o STF ampliaram seu papel na formulação de políticas, na garantia dos recursos para estados e municípios e na mediação de conflitos.
Nesse contexto, duas questões são centrais: (1) Que tipo de mudanças essas pressões podem ter gerado na dinâmica das relações intergovernamentais construída nas últimas três décadas, em especial no modelo de gestão de políticas, na regulação das relações de poder e na distribuição de recursos entre as esferas? (2) Quais tendências federativas foram intensificadas ou esvaziadas na implementação das ações governamentais nesse contexto de pandemia, considerando as condições de governabilidade, governança e as relações com a sociedade civil?
Hipótese e Objetivos
A pesquisa parte do pressuposto de que as fases de emergência da pandemia, ao ampliar a pressão sobre as instituições, disparou uma conjuntura crítica, ampliando os espaços para novos posicionamentos e estratégias dos atores e alterando a dinâmica federativa prévia.
Assume-se como hipótese que o modelo federativo da Constituição de 1988 se tornou a base para a emergência de um arranjo inovador de coordenação, durante a pandemia, permitindo a especialização dos atores e instituições federativas.
Diante da ausência da coordenação federal, os governos estaduais e municipais assumiram o protagonismo na definição das regras sanitárias e na organização da rede de serviços, a Câmara Federal e Senado foram os responsáveis pela formulação de políticas nacionais (emprego e renda, finanças públicas, apoio a estados e municípios etc.) e o Superior Tribunal Federal atuou na resolução de conflitos e na preservação das prerrogativas dos entes subnacionais.
Esse novo arranjo, mais horizontalizado, pode produzir mudanças expressivas no futuro do relacionamento entre as três esferas, nas modalidades de estratégias e instrumentos de coordenação federativa e na distribuição de responsabilidades e recursos.
A pesquisa busca, portanto, analisar a dinâmica das instituições federativas no Brasil, no contexto da pandemia de Covid-19, e suas possíveis tendências, no que refere às relações de poder intergovenamentais e ao modelo de gestão de políticas no campo da saúde.
Modelo Analítico
Trata-se de um estudo de caso voltado às relações federativas no contexto da pandemia de Covid-19, a partir do olhar teórico e conceitual do Neoinstitucionalismo Histórico, com base nos conceitos de conjuntura crítica e trajetória dependente. Foram observadas quatro dimensões temáticas das políticas: (1) Regulação Social e Gestão Territorial; (2) Políticas e Serviços de Saúde; (3) Emprego, Renda, Gestão e Finanças Públicas; e (4) Relações Políticas.
A partir desses conceitos, foi formulado um esquema analítico específico para a pesquisa que destaca os principais atores e instituições federativas, sua dinâmica de atuação, as relações intergovernamentais estabelecidas em cada tema relevante no combate à pandemia e os resultados federativos, em uma perspectiva temporal de análise, com ênfase nos posicionamentos, estratégias, disputas e consensos, instâncias utilizadas, instrumentos, dispositivos e normas editadas, sempre cotejando-os com a trajetória de evolução da própria pandemia ao longo do período estudado.
Assume-se que as fases de emergência, expansão e auge da pandemia, ao ampliar a pressão sobre os atores, podem ter disparado uma conjuntura crítica, ampliando os espaços para novos posicionamentos dos atores e alterando significativamente a dinâmica federativa prévia.
Relevância e Impactos Esperados
A pesquisa busca contribuir para o esforço nacional recente de identificar e compreender a natureza, a extensão e a profundidade dos possíveis impactos da pandemia de Covid-19 nas instituições políticas e na organização e funcionamento da administração pública no Brasil, em especial, no âmbito da política de saúde.
Nesse sentido, possui relevância teórica, em especial no âmbito da literatura institucionalista, para aprofundar o conhecimento sobre as diversas formas pelas quais as federações, como instituições políticas, reagem a eventos críticos, permitindo compreender quais os impactos possíveis em suas trajetórias pretéritas e que legados deixam para o futuro.
De forma mais específica, a literatura sobre variedades de federalismo, mostra que, mesmo países que assumem modelos específicos de federalismo desde sua origem, e os sustentam ao longo de suas trajetórias de formação, incorporam em suas estratégias de coordenação elementos de natureza distinta, em virtude de fatores como o legado de arranjos anteriores, o próprio desafio de manter o equilíbrio entre autonomia e interdependência na relação entre as esferas, a necessidade de acomodar as pressões por mudança por parte de atores políticos relevantes ou questões conjunturais como guerras, pandemias e reformas econômicas e sociais.
Assim, um estudo abrangente da dinâmica federativa setorial, como o proposto nesta pesquisa, pode revelar como federações de caráter essencialmente cooperativo, com expressiva coordenação nacional, reagem e conformam configurações alternativas diante da ausência dessa coordenação, num contexto político expressivamente conflituoso.
Além da contribuição teórica para a compreensão da trajetória e da dinâmica das federações, esta pesquisa possui implicações práticas diretas, tendo em vista seu amplo potencial para produzir subsídios voltados para orientar reformas institucionais e processos de aperfeiçoamento da gestão pública no campo da coordenação federativa de políticas.
O levantamento detalhado das estratégias e dispositivos de coordenação federativa empregados durante a pandemia permite gerar subsídios para avaliar a qualidade da atuação esferas da federação no enfrentamento à Covid-19, assim como mapear suas potencialidades, limites e os possíveis desafios futuros. Tais subsídios podem também fundamentar processos de reforma institucional que visem aperfeiçoar o funcionamento das instituições federativas nacionais, visando ampliar a capacidade de cooperação nos processos de implementação e gestão de políticas e programas.
Os resultados da pesquisa podem ser uteis para orientar governos, nas três esferas da federação, sobre o desenho de estratégias de coordenação federativas no âmbito do SUS, em diversos aspectos como a formulação conjunta de políticas, a governança regional, o uso de transferências financeiras intergovernamentais, o compartilhamento de responsabilidades, entre outras.
Finalmente, espera-se que as análises sistematizadas neste projeto se tornem subsídios para o debate relativo aos efeitos da pandemia de Civid-19 no futuro do país para institutos de pesquisa, entidades da Sociedade Civil, mídia e outros fóruns de discussão, e para a formação de quadros técnicos e gerenciais em cursos de pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado etc.) em universidades, escolas de saúde pública, escolas governamentais no campo da gestão pública. Além disso, espera-se contribuir para o desenvolvimento de uma metodologia para a análise e a avaliação das estratégias de combate da pandemia de Covid-19, levadas pelos órgãos do governo federal, estadual e municipal. Por fim, espera-se oferecer recomendações para o aprimoramento de políticas públicas voltadas à definição de estratégias de coordenação federativa a serem desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Secretarias Municipais de Saúde.
Linhas de Estudo
A pesquisa compreende nove linhas regulares de estudo, com foco não só nos atores, instituições e dispositivos federativos, como nos Poderes da União e na sociedade civil organizada no setor saúde.
Trata-se de pesquisa interinstitucional, desenvolvida sob a coordenação do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), em interação com pesquisadores de diferentes instituições acadêmicas do país, em um esforço de produção coletiva, dentro de uma proposta comum. Cada linha de pesquisa utiliza metodologia própria, adequada ao objeto de estudo, empregando técnicas quantitativas e quantitativas.
Foram construídos bancos de dados com o material coletado e sistematizado nas diferentes linhas, que poderão ser de grande valor para a comunidade acadêmica. Assumindo a perspectiva da ciência aberta, tais informações serão progressivamente disponibilizadas.
Clique nos links abaixo para mais informações sobre cada linha de pesquisa e para acessar os respectivos materiais disponíveis
Novo Protagonismo dos Estados na Pandemia de Covid-19
Legislativo e Executivo na Pandemia de Covid-19
O Ministério da Saúde no enfrentamento da pandemia da Covid-19
Consórcios Interestaduais na Pandemia de Covid-19
Frente pela Vida – A sociedade em movimento em defesa da democracia, da saúde e do SUS
As estratégias dos gestores municipais no combate à pandemia de Covid-19
O papel do Conass na pandemia de Covid-19