Sem deixar a saúde de ninguém para trás - por Nísia Trindade Lima

Sem deixar a saúde de ninguém para trás - por Nísia Trindade Lima

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O artigo a seguir, da presidente da Fiocruz, Nisia Trindade Lima, foi publicado no jornal O Globo, por ocasião do Dia Internacional da Cobertura Universal de Saúde (UHC Day), instituído pelas Nações Unidas, em 2012. Mais do que uma celebração, aponta Nisia, trata-se de um chamado à ação. No texto, ela destaca: "Muitas preocupações surgiram quanto aos limites da cobertura universal de saúde, que se interpretou como a garantia da cobertura de seguros de saúde, diferente da aspiração histórica de garantir o direito à saúde através do acesso a sistemas de saúde equitativos". Leia o artigo completo abaixo. Acesse também os artigos de pesquisadores da Fiocruz publicados pelo blog do CEE, em referência ao UHC Day.

O lema do Dia da Cobertura Universal da Saúde, comemorado em 12 de dezembro, ganha mais relevância à medida que emergências sanitárias evidenciam a saúde como um eixo transversal do desenvolvimento sustentável. Em pouco mais de uma década, três epidemias aceleraram as discussões acerca do acesso a bens e serviços de saúde. A H1N1 lançou um dos primeiros alertas sobre os riscos sanitários a que estávamos expostos. Poucos anos depois, no dia 12 de dezembro de 2012, hoje celebrado, a Organização das Nações Unidas aprovou resolução sobre a cobertura universal em saúde.

O tema retornaria em 2015 na Agenda 2030 e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em meio ao surto de Ebola na África Ocidental. Nessas discussões, muitas preocupações surgiram quanto aos limites da cobertura universal de saúde, que se interpretou como a garantia da cobertura de seguros de saúde, diferente da aspiração histórica de garantir o direito à saúde através do acesso a sistemas de saúde equitativos. Em muitos países de baixa e média renda, a cobertura se restringe à oferta dos diferentes serviços de saúde, incluindo modalidades privadas. Ela não é suficiente para lidar com o grande déficit na atenção primária, o fortalecimento do sistema de vigilância em saúde, a redução das desigualdades em ciência, tecnologia e inovação, entre outras questões. A experiência brasileira com o SUS pode ser de grande valia para esse debate e se reflete nos dados de vacinação no atual contexto da pandemia da Covid-19.

Referência no mundo, ele vem permitindo um processo de imunização acelerado e contou inicialmente com a capacidade de produção de dois laboratórios públicos: o Instituto Butantan e Bio-Manguinhos/Fiocruz. A grande adesão da população é digna de nota, pela confiança construída ao longo de décadas de campanhas de vacinação. Por outro lado, problemas como o subfinanciamento e a dependência de insumos de saúde, dos mais simples aos de tecnologia mais complexa, fragilizam o SUS e a sociedade brasileira. Enfrentar esses problemas torna-se imperativo para uma efetiva recuperação pós-pandemia e na preparação para eventuais novas emergências sanitárias.

A Declaração Política da ONU sobre a cobertura universal de saúde de 2019 buscou integrar cobertura e acesso em um compromisso que prioriza os temas da equidade, inclusive em questões de gênero, desigualdades étnico-raciais e sustentabilidade. Apesar de seus limites, ela tem ajudado a comunidade global a seguir na luta pelo direito à saúde como um dos direitos humanos fundamentais. Diante de emergências sanitárias cada vez mais frequentes e agravadas pelas desigualdades, pelas mudanças climáticas e por um modelo de desenvolvimento que prioriza o lucro à vida, o Dia da Cobertura Universal em Saúde deve ser visto mais do que como uma celebração. Ele é um chamado à ação, a exemplo da mobilização de sanitaristas, pesquisadores e ativistas do mundo todo, em defesa da vida e de sistemas de saúde universais e equitativos. *Presidente da Fiocruz.

Artigo publicado em O Globo em 12/12/2021, Dia Internacional da Cobertura Universal de Saúde.

Clique nos links para acessar os artigos de Carlos Gadelha, Ligia Giovanella e Luiz Augusto Galvão e Paulo Buss
 

• CEIS: caminho para enfrentar os desafios do acesso universal à saúde – por Carlos Gadelha

• Atenção primária à saúde integral em sistemas públicos universais para a garantia do direito à saúde – por Ligia Giovanella

• Uma oportunidade para o diálogo em saúde global – por Luiz Augusto Galvão e Paulo Buss