CEIS: caminho para enfrentar os desafios do acesso universal à saúde

CEIS: caminho para enfrentar os desafios do acesso universal à saúde

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Este artiigo de Carlos Gadellha é dedicado ao UHC Day (Dia Internacional da Cobertura Universal de Saúde), celebrado em 12/12/2021. Leia também os artigos de Ligia Giovanella Luiz Augusto Galvão e Paulo Buss.

Cartaz de fundo azul claro com a imagem de um guarda-chuva na lateral, com dizeres em inglês Universal Health Coverage Day e o título da campanha do lado direito Sem deixar ninguém para trás

As políticas públicas voltadas ao bem-estar social podem se constituir verdadeiro motor do desenvolvimento econômico no Brasil. Para isso, o Estado brasileiro deve colocar a Constituição e os direitos sociais no centro do orçamento. Trata-se, aqui, de articular a universalização dos direitos sociais, aí compreendido o acesso universal à saúde, e o desenvolvimento econômico em uma visão integrada da dimensão econômica e social, que supera o debate ortodoxo da economia apenas como alocação recursos escassos.

É nessa articulação que se fortalecem as condições para enfrentarmos em nível planetário, de forma plena, o desafio do acesso universal à saúde, por meio de sistemas universais de saúde fortes e bem estruturados. No caso do Brasil, trata-se do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), em seus princípios de universalidade, integralidade e equidade, e de garantir proteção social e o direito à saúde com base na condição de cidadania, independentemente de capacidade de pagamento. Ao redor do mundo, trata-se de se alcançar a universalização sem qualquer tipo de estratificação ou segmentação, isto é, do direito à saúde concretizado integralmente, abrangendo ações de proteção e promoção da saúde, sem amarras de pacotes de serviço condicionados ao poder aquisitivo de cada pessoa.

Se as políticas públicas são um conjunto de ações e decisões tomadas pelo Estado visando assegurar direitos de cidadania garantidos na Constituição, o papel da economia nas políticas públicas é buscar justiça e bem-estar social de alcance universal.

O desenvolvimento, conforme definia o maior economista brasileiro do século XX, Celso Furtado, é o processo de transformação social pelo qual as necessidades humanas são atendidas plenamente, contando-se para isso com a sustentação de um intenso processo de introdução de inovações tecnológicas no sistema econômico nacional. Nesse contexto, a economia brasileira deve começar a servir a população brasileira. Essa visão incorpora para além das políticas assistenciais, a relação virtuosa entre desenvolvimento econômico e políticas públicas voltadas para o bem-estar social.

Se as políticas públicas são um conjunto de ações e decisões tomadas pelo Estado visando assegurar direitos de cidadania garantidos na Constituição, o papel da economia nas políticas públicas é buscar justiça e bem-estar social de alcance universal.

A pandemia atual acentuou a importância da perspectiva que articula os direitos sociais (e ambientais) com a base científica, tecnológica e produtiva nacional, na trilha da universalização das políticas públicas, em especial da política de saúde e da garantia da saúde como direito. Essa é a abordagem do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis), desenvolvida no início dos anos 2000. O compromisso de acesso universal em um país de dimensões continentais gera uma demanda proporcional ao desafio de garantir promoção, prevenção e atenção à saúde em escala nacional, que mobiliza um sistema econômico, produtivo e tecnológico, envolvendo setores industriais de base química e biotecnológica (fármacos, medicamentos, imunobiológicos, vacinas, hemoderivados e reagentes) e de base mecânica, eletrônica e de materiais (equipamentos mecânicos, eletrônicos, próteses, órteses e materiais).

A análise integrada das dimensões econômicas e sociais permite afirmar, de modo consistente, que Saúde é desenvolvimento no sentido mais nobre do termo, pois alia a garantia de um direito com criação de demanda econômica variada

Esses setores industriais estão sendo revolucionados no contexto de emergência de novas tecnologias de informação e conectividade e relacionam-se com os serviços de saúde (hospitais, serviços de saúde e de diagnóstico) em dinâmica permanente de interdependência e de interação com a sociedade e o Estado na busca de oferta de serviços e produtos em saúde. No caso da produção de vacinas para o novo coronavírus, a articulação do mundo social, tecnológico, produtivo e da inovação como elementos embutidos em uma estratégia onde o conhecimento em saúde resulta em bens e serviços concretos permitiu apreender a mútua determinação econômica e social (e ambiental) do desenvolvimento e a urgência de uma visão integrada de políticas públicas que articule estas dimensões de forma endógena no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento.

A análise integrada das dimensões econômicas e sociais permite afirmar, de modo analiticamente consistente, que Saúde é desenvolvimento no sentido mais nobre do termo, pois alia a garantia de um direito com criação de demanda econômica variada. É por isso que o SUS – a principal política pública do Estado brasileiro – é um imenso patrimônio nacional. Sobretudo porque é a expressão prática de um direito humano e constitucional, capilarizado por todo território nacional, mas também porque se trata de uma potência econômica, que no Brasil responde por 9% do PIB, por pelo menos 15 milhões de empregos diretos e indiretos e por 30% da pesquisa brasileira.

A armadilha de insular políticas econômicas, de um lado, e as políticas sociais e de bem-estar, de outro, tem levado ao baixo crescimento econômico e trancado a sociedade brasileira na reprodução de uma estrutura produtiva insustentável e pouco dinâmica, que perpetua desigualdades sociais e limita direitos de cidadania a grande maioria da população. Ao contrário das políticas públicas com a marca setorial e muitas vezes capturadas por interesses particulares, temos que aprender um novo padrão de política pública que, ao mesmo tempo, seja sistêmico e comprometido com as demandas de nossa sociedade para garantir o bem-estar. Sistêmico, uma vez que o foco nas necessidades, como na saúde, envolve a articulação entre diferentes indústrias e serviços de saúde. Comprometidos com as demandas da sociedade porque, contrariamente a um desenvolvimentismo vulgar, não cabe apenas apoiar setores produtivos se esses não estiverem vinculados às necessidades sociais. Não apenas as políticas setoriais, mas também as ditas orientadas por missões precisam se inserir em realidades histórico-concretas das necessidades das pessoas que, afinal, financiam o Estado, o fomento e o poder de compra público.

Os direitos sociais e o direito à vida não apenas cabem no PIB, como são parte essencial da solução, constituindo uma alavanca para a superação estrutural da crise

Com isso, tem-se a visão integrada do desenvolvimento, aliando o social e o econômico e orientando o debate político sobre o padrão de desenvolvimento desejado para nosso país. É para a sociedade real brasileira que as políticas econômicas, de desenvolvimento produtivo e de inovação devem estar direcionadas. A perspectiva do Ceis propõe uma abordagem passível de ser generalizada para viabilizar um padrão de desenvolvimento norteado pela equidade e sustentabilidade, pelo dinamismo econômico e tecnológico de um dos sistemas produtivos mais importantes e estratégicos do mundo e pela soberania para implementar políticas sociais para que possamos atender às necessidades de nossa sociedade e não deixar as pessoas vulneráveis pela irracionalidade de uma visão de desenvolvimento míope que opõe os direitos sociais à economia. Os direitos sociais e o direito à vida não apenas cabem no PIB, mas são parte essencial da solução, constituindo uma alavanca para a superação estrutural da crise.

A pandemia de Covid-19 mostrou que não há sistema universal de saúde que garanta acesso universal sem base produtiva e tecnológica local e regional. A perspectiva do Ceis fortalece o vínculo entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, que devem caminhar de modo articulado, sem o que o acesso universal não tem condições materiais concretas para se realizar.

* Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho. Adaptado do artigo publicado na 4ª edição 2021 da revista Fadesp, publicação da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa.

Acesse o site da campanha das Nações Unidas (em inglês)

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