China: articulação bem-sucedida entre acesso à saúde e desenvolvimento produtivo

China: articulação bem-sucedida entre acesso à saúde e desenvolvimento produtivo

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Telão com texto sobre a China e imagem do pesquisador que faz a apresentação

A evolução das políticas de saúde na China, as políticas industriais e de inovação voltadas ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde chinês, com ênfase na aceleração desse processo a partir de 2015, foram alguns aspectos abordados pelo professor Celio Hiratuka, do Instituto de Economia da Unicamp, em sua exposição na oficina CEIS 4.0. O trabalho foi realizado em conjunto com os pesquisadores Fernando Sarti e Mariana Reis Maria, todos do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit/Unicamp).

O ponto de partida da análise de Hiratuka foi o ano de 1949, “quando a China retoma sua soberania”. Ele traça um histórico da atenção à saúde no país, relatando que, a partir daquele ano, houve um esforço para “recuperar um conjunto de fatores relacionados ao processo de industrialização, assim como avanços sociais permitidos pela estrutura centralizada e pela organização das comunas”.  Os resultados na saúde, segundo observou, expressaram-se em grande redução da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e redução de doenças infecciosas, entre outros aspectos. “Um conjunto de avanços muito significativo para um país com o nível de renda que a China tinha, foi obtido na primeira etapa, digamos assim, da Revolução Chinesa”.

Em 1978, quando começam as reformas no país, a economia da China passa a crescer em ritmo mais acelerado em direção à industrialização e à inserção das exportações. Esse processo, no entanto, é acompanhado de grande elevação das desigualdades sociais e de renda, refletindo-se no acesso aos serviços de saúde, que diminui. Na área rural, houve desestruturação das comunas e do sistema médico cooperativo, com impacto na atenção à saúde que, apesar das deficiências, era praticamente universal. A cobertura, que era de 90% no final dos anos 1970, foi reduzida para 5%, na década seguinte. Na área urbana, a cobertura no final dos anos 1990 era de apenas 45%.

A situação agravou-se, ainda, com a transferência pelo governo central de um conjunto de responsabilidades de financiamento da saúde para o nível provincial e municipal, fazendo com que “as províncias mais ricas tivessem algum sistema local de apoio, mas as mais afastadas do litoral e as mais pobres ficassem com dificuldade muito maior”, destacou Hiratuka.  

O cenário, ao longo dos anos 1980 e, em especial na primeira metade dos anos 1990, era de crescimento econômico forte, com aumento da renda geral da população e da renda per capita, e pior situação do acesso à saúde. O contexto da urbanização e o aumento do índice de doenças crônicas contribuíram para elevar os custos de saúde, exacerbando a disparidade regional já mencionada, entre a população rural e urbana, e entre a população mais rica e mais pobre.

De modo a buscar organizar o sistema de saúde provendo cobertura maior, o governo chinês implementa no final da década de 90 um plano de seguro médico para os trabalhadores urbanos formais, passando a atacar, na década seguinte, “com mais veemência” os efeitos negativos do crescimento econômico anterior na produção de desigualdades. Em 2003, a China lança um novo esquema cooperativo médico rural e, em 2007. um seguro médico para os residentes urbanos que não estavam ligados a trabalho formal. Em 2010, é promulgada a lei de seguro social da República da China.

A partir de 2016, relata Hiratuka, o governo chinês, ao mesmo tempo em que direciona mais recursos para a saúde, para reduzir o gasto direto da população, unifica os vários programas de seguro de saúde em vigor. As políticas de saúde começam, também, a ser mais articuladas com as políticas voltadas ao desenvolvimento produtivo e tecnológico do CEIS. “A estratégia de colocar a saúde como elemento fundamental da política de desenvolvimento chinês começa a ganhar espaço na segunda década do século 21, tornando-se, em 2015-2016, elemento central no planejamento governamental”, destacou, citando a elaboração do documento Health China 2030, que sinaliza a importância da saúde nesse encaminhamento de longo prazo, com destaque para a inovação. Hiratuka ressaltou que, a partir daí, consolida-se a articulação entre a política de saúde e a política voltada ao desenvolvimento da base produtiva do CEIS no país. A inovação vai ganhando peso e a área da saúde vai assumindo lugar central e estratégico na política industrial.

“A partir de 2015-2016, há a  percepção de que o país já havia avançado muito, mas basicamente, em produtos pouco sofisticados dentro da cadeia de fármacos e de equipamentos médicos, sendo necessário dar um novo salto”, destacou o pesquisador. Para viabilizar esse salto, explicou, a China busca uma “rearticulação das políticas de saúde com a política industrial e tecnológica com a mobilização de um conjunto de instrumentos e uma maior coordenação entre eles”.

Entre os instrumentos para viabilizar essas políticas Hiratuka destacou os programas de incentivo a empresas de alta tecnologia, com aumento da dedução dos gastos relacionados a P&D, combinado com incentivos regionais oferecidos pelas províncias, além daqueles do nível governamental.

Entre as ações, o pesquisador assinalou as mudanças na regulação, a partir de 2015-2016, em consonância com a adoção de padrões globais para ensaios clínicos e registro de medicamentos, e as mudanças no sistema de compras governamentais, para compor a lista nacional de medicamentos que fazem parte dos seguros médicos de saúde, de modo a dar escala à incorporação de produtos inovadores, o que é uma imortante sinalização para as empresas chinesas,

Hiratuka citou, ainda, a criação de “um conjunto amplo e diversificado” de fontes de financiamento para empresas inovadoras, com aporte de recursos governamentais, provinciais ou municipais, combinados com captação de recursos de outros investidores. O pesquisador enfatizou também a iniciativa de formação e qualificação de recursos humanos. “A China investe muito na formação, tem um número de graduados na área de Ciência da Vida muito maior do que os Estados Unidos e um programa de repatriação de estudantes, doutorandos e pós-doutorandos, bem como de cientistas, para atuar no sistema de ciência e tecnologia no país”.

Como resultados dessas políticas, o país vem aumentando fortemente o investimento em P&D. “De 2010 para 2020, a China sai de 1,8 bilhão de dólares para 11 bilhões. Ainda atrás da Europa, mas se aproximando do Japão. Em 2023, já havia se tornado o segundo país em termos de gastos em P&D”.

Os dados mais recentes, indicou o pesquisador, mostram que, em comparação ao domínio das multinacionais no registro de novas entidades moleculares submetidas a testes clínicos de 2016 a 2020, as empresas chinesas já começam a ser a grande maioria a aumentar esse desenvolvimento desses medicamentos inovadores.

“É notável o avanço das empresas chinesas nesses últimos dez anos. De país líder em produção de genéricos – e continua sendo – começa, agora, de fato, a avançar para os setores mais intensivos em conhecimento e para as etapas de liderança nas cadeias produtivas, ainda que bastante atrás das congêneres europeias e americanas”.

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