Transformações tecnológicas na Saúde e no CEIS

Transformações tecnológicas na Saúde e no CEIS

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Homem fala ao microfone ao lado de um telão com gráficos, assistido por colegas em oficina

As transformações tecnológicas e o ambiente digital, em que os dados assumem valor inestimável e são alvo de disputas, foram alvo de dois estudos na oficina CEIS 4.0. Os pesquisadores Marco Vargas e Rafael Macharete, da Universidade Federal Fluminense (UFF), apresentaram dados de um trabalho “em processo”, conforme destacaram, sobre redes de conhecimento em âmbito global para a Saúde 4.0. Já Maria Lúcia Falcón, professora do Instituto de Economia da UFRJ e visitante na Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, abordou os desafios para o fortalecimento do subsistema de informação e conectividade do CEIS – um dos quatro subsistemas que compõem o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, ao lado dos subsistemas de base química e biotecnológica, de base mecânica eletrônica e de materiais e serviços.

Com o objetivo de conhecer como estão organizadas as redes de cooperação internacional no campo da saúde 4.0, Marco e Rafael realizaram levantamento de publicações acadêmicas, mapeando as grandes comunidades científicas e áreas estratégicas, para comparar “o estado da arte no mundo e no Brasil”, no que diz respeito à produção de conhecimento nessa área. Os pesquisadores buscaram entender “a dinâmica das redes de conhecimento”, avaliar a inserção brasileira e de outros países, levando em conta “um cenário assimétrico de domínio das plataformas”, bem como identificar essas redes de cooperação por diferentes recortes, temático e territorial. Para o levantamento, foi usada a base de dados Web of Science.

“Descobrimos que Neurociências e certas áreas ligadas a clínica médica, diagnóstico, são estratégicas. Mas temos que aprofundar o recorte para identificar ainda tópicos que podem virar objeto de programas de financiamento e inovação para o Complexo da Saúde”, destacou Marco. “A partir desses recortes, será possível detalhar para o Brasil os principais hubs, instituições, pesquisadores, dessas áreas”.

O estudo deverá se encaminhar também para a forma como o conhecimento produzido é apropriado em termos tecnológicos. “Vamos olhar para patentes, por exemplo, e verificar como, no nível empresarial, esse conhecimento está sendo incorporado, como esses fluxos de conhecimento operam. Isso também é importante em termos de financiamento da base produtiva”.

A análise abrangeu o período de 1970 a 2022 e, conforme relatou Marco Vargas, é a partir de 2016 que “explode” a produção científica sobre o tema da saúde 4.0, principalmente com a inserção das áreas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs) e Conectividade, hoje, no centro da rede. “Vemos áreas convergindo para uma nova visão de como as redes de conhecimento se conformam”, observou, apontando que, no estudo, buscam identificar onde se concentra a coordenação do processo de produção 4.0, bem como os hubs e comunidades científicas relacionados a esse universo.  

Os autores apresentaram levantamento inicial observando que Estados Unidos da América (35%) e China (13%) dominam a produção científica em saúde 4.0. O Brasil ocupa a 15ª posição nesse ranking – a Índia em 12º. “Não estamos mal posicionados”, avaliou Marco. Neurociências, Ciência da Computação e Bioquímica Molecular representam juntas 30% das publicações, com domínio do centro, não da periferia. Ao buscarem conexões, fazendo buscas inserindo a saúde no contexto saúde 4.0, chegaram a áreas novas, como Informática Médica, Biologia e Matemática Computacional.

O Brasil foi identificado como um dos hubs da rede regional em que se situa e lidera nas temáticas de doenças tropicais e saúde pública. “Fizemos também exercício de juntar as dimensões territorial e de temas. O Brasil está presente em uma rede forte na comunidade de Imunologia e doenças infecciosas e em Saúde Pública”, destacou Marco.

Ao pesquisarem nuvens de palavras em algumas subcomunidades científicas, verificaram que a temática 4.0 se evidencia em expressões como machine learning (aprendizado de máquinas), telemedicina e realidade virtual, que aparecem ao lado de termos como Covid-19 e alzheimer, entre outras do campo específico da Saúde. “Temos que aprofundar o recorte para identificar temas e tópicos que podem virar objeto de programas de financiamento e inovação para o Complexo da Saúde”, observou Marco. “Estamos no estágio de farejar bastante os dados e, a partir desses recortes, detalhar para o Brasil quais são os principais hubs de geração de conhecimento nas áreas estratégicas, instituições, pesquisadores, e compreender como essas redes de produção de conhecimento estão formadas. Esse é um começo importante para formulação de políticas públicas”.

 

Por uma regulação do SUS à altura do mercado de dados

Em seu estudo, Maria Lucia Falcón utiliza como referencial teórico o conceito de economia de dados, para onde convergem as transformações a que estamos assistindo no século XXI. “As tecnologias voltadas à saúde digital – big data, inteligência artificial, internet das coisas [IoT], telemedicina – são definidoras tanto de uma trajetória tecnológica, quanto de um novo regime de acumulação de capital”, enfatizou em sua exposição, referindo-se a uma forma produzir e distribuir riqueza, com novos atores entrando em cena no Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Hoje, observou a pesquisadora, atuam no ambiente e no mercado da saúde não só as empresas tradicionais, como as seguradoras, como as grandes plataformas tecnológicas e as health techs, empresas digitais que passam a prestar serviços de saúde.

“Todos os setores da saúde passam a ser dependentes de dados. É o ativo mais importante, depois das pessoas, dos profissionais de saúde”, apontou Maria Lúcia. “E o Brasil, o SUS, é detentor de um dos maiores ativos no mundo, em termos de dados. Isso exige regulação moderna e adequada”.

Como observou a pesquisadora, não se trata mais de linha de produção, mas de nuvem de produção, tendo em vista que os dados, entendidos como matéria-prima, percorrem um ciclo no qual são produzidos por todos nós – empresas, governo, indivíduos etc. –, capturados e processados, gerando conhecimento, sendo consumidos e, assim, gerando novos dados. “Uma característica do produto digital é a ubiquidade. Milhões de pessoas podem usar dados em plataformas ao mesmo tempo sem problemas”, enfatizou.

Maria Lucia considera que essas tecnologias “são benignas para o SUS”; o risco, explicou, advém de não se fazer a regulação adequada, não se compreender o valor desses grandes bancos de dados da saúde e não se saber lidar ao mesmo tempo com a dimensão econômica e a dimensão humana. “Imagine um diagnóstico feito por inteligência artificial sem o parecer final do médico. Essa é a dimensão humana. Quanto à dimensão econômica, refere-se ao valor estratégico dos dados no mercado. As grandes plataformas estão acumulando muita riqueza usando os dados que produzimos. O SUS precisa ser remunerado por esse banco de dados. E, com essa remuneração, continuar investindo em capacidade de processamento – que hoje é pequena – e na formação profissional dos que atuam no sistema”, recomendou, afirmando que “precisamos que os órgãos reguladores do SUS estejam à altura desse novo mercado”.

A partir do estudo que desenvolveu, Maria Luúcia apresentou cinco passos necessários para se lidar com o novo cenário: estabelecer normas claras e atores bem definidos responsáveis pela governança dos dados, um órgão gestor com capacidade plena, com infraestrutura digital, supercomputadores para manter no nossos dados em território nacional os dados, como ocorre na Europa; formação adequada de profissionais; campanha de conscientização quanto à importância e o valor dos dados; formação de capital fixo, entendendo-se que, para que tudo funcione, é preciso investimento em grandes computadores, com alta capacidade de processamento, e de forma sustentável ambientalmente 0 “a economia de dados é uma grande consumidora de energia; e estruturar com urgência uma grande rede, envolvendo universidades e outros atores, com capacidade de articular e pactuar. “O problema não é a tecnologia, mas a forma como nos relacionamos com ela, como a sociedade decide seu futuro, usando a tecnologia e não sendo subordinada a ela e ao grande capital financeiro”.

 

Acesse as exposições dos pesquisadores na oficina
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