Cida Moysés no Enloucast: um alerta contra a patologização da vida em adultos e crianças
O último episódio de 2024 do Enloucast traz como convidada a médica pediatra Maria Aparecida Moysés, professora titular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, com atuação no ensino e na pesquisa na área de atenção à saúde. Em entrevista às apresentadoras Camila Motta e Jéssica Marques, do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Ensp/Fiocruz), Cida é considerada uma importante militante do movimento Despatologiza, que articula discussões em prol da despatologização da vida, com foco tanto em questões do cotidiano quanto do ambiente educacional.
Conforme observa a professora, embora sua experiência profissional esteja voltada para a área infantil, é urgente uma discussão abrangente sobre o processo crescente de patologização social, uma vez que “estamos vivendo um momento em que tudo é alvo de patologização, sejam as emoções, o cansaço, a tristeza, a alegria ou até mesmo o processo de envelhecimento. Simplesmente, patologizam tudo”, observa.
Para a professora, essa falta de critério cria um processo de exclusão que submete o indivíduo a tratamentos muitas vezes torturantes, tanto para a pessoa, quanto para seus cuidadores e familiares. Ao se fazer o diagnóstico de algum tipo de transtorno, explica, as sociedades tendem a rotular para justificar uma segregação. “Numa sociedade em que se busca que sejamos cada vez mais produtivos, submissos e disciplinados, ousar ser diferente, questionar e ter outros modos de aprender e de levar a vida, incomoda muito”, considera.
Cida afirma ainda, que, ao se criar um ideário de sociedade em que os problemas da vida precisam ter um diagnóstico – e, consequentemente, um tratamento –, todos aqueles que se afastam de um padrão de normalidade socialmente construído tendem a ser rotulados. “As famílias são capturadas por um discurso cientificista, vendedor de diagnóstico e tratamentos, com substâncias psicoativas, com reações adversas sérias, ou induzidas a tratamentos psicológicos, como a terapia cognitiva comportamental para o autismo, que embora seja muito indicado, é um método muito criticado”, pontua.
Os perigos da Ritalina na prescrição infantil
“Nunca usei e nunca usarei essa substância em meus pacientes”, defende Cida ao explicar os mecanismos da ritalina, droga comumente utilizada no tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), com uso desenfreado no Brasil, apontado como o segundo país no mundo que mais consome essa substância. A ritalina, define, é um derivado da anfetamina, contém metilfenidato, estimulante do sistema nervoso central, com ação semelhante à da cocaína. Aumenta a concentração de dopaminas (neurotransmissor associado ao prazer).
De acordo com Cida, a ritalina vem sendo prescrita para adultos e crianças identificadas com TDAH, inclusive, crianças com menos de dois anos de idade. “Não há limites para a gana de poder e de dinheiro. Há um uso exagerado e injustificável no Brasil”, aponta a pediatra, chamando a atenção para a quantidade assustadora de prescrição e de venda dessa substância no país. “Isso não é remédio!”, exclama.
Ao concluir Cida chama atenção para a necessidade de enfrentarmos o problema da patologização de forma crítica, fazendo consultas e avaliações de verdade, acessando o sofrimento psíquico a partir da escuta e do olhar atento as singularidades, de modo que se acesse o sujeito e não a doença. “Se focar no diagnóstico e no rótulo, você perde, precisamos reaprender a ouvir e enxergar cada um individualmente, na sua singularidade”.
Sobre a série Enloucast
Enloucast, o podcast fora da caixinha, é uma iniciativa do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Ensp/Fiocruz), do site Mad in Brasil e do CEE Podcast do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, e teve seu lançamento em 9/11/2023, no 7º Seminário Internacional Epidemia das Drogas Psiquiátricas, com o objetivo de ampliar o debate sobre Saúde Mental para além dos muros da Academia.
O perfil dos entrevistados inclui usuários, ex-usuários, sobreviventes (expressão utilizada para identificar pessoas que conseguiram superar o modelo psiquiátrico de tratamento) e profissionais e pesquisadores de saúde mental, que desenvolvem práticas inovadoras. A ideia é trazer para a pauta a visão de uma saúde mental mais ampla, humanizada, para além da ausência de doença, da ideia de transtorno e que ultrapasse o caminho da medicalização.
As entrevistas do Enloucast podem ser acessadas na plataforma Spotify, no canal do Laps no Youtube e no blog do CEE-Fiocruz.
Assista aos episódios da série Enloucast
2ª Temporada
1ª Temporada
Casa Tuxi, a pousada da inclusão e do acolhimento, em pauta no terceiro episódio do Enloucast
Arte como terapia, em mais um Enloucast, o podcast ‘fora da caixinha’ do CEE-Fiocruz
Equipe Eloucast
Coordenador: Paulo Amarante
Produção: Camila Motta, Jéssica Marques e Matheus Folly
Pesquisa e apresentação: Camila Motta e Jéssica Marques
Gravação e edição: Lincoln Xavier
Apoio e divulgação: Comunicação CEE-Fiocruz (Eliane Bardanachvili, Andréa Vilhena e Daiane Batista)