“As análises epidemiológicas não incorporam a perspectiva racial como condição para o processo de adoecimento e morte” – Márcia Alves no CEE Podcast
A pesquisadora Márcia Pereira Alves pós-graduada em Escrita, Comunicação e Saúde pela Universidade de Harvard, membro do GT de Racismo e Saúde da Abrasco e do Observatório Ibero-Americano de Políticas Públicas para saúde bucal da Universidade de São Paulo, analisa, em entrevista para o CEE Podcast do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho, as iniquidades nos cuidados à saúde, a partir do Sistema Único De Saúde (SUS), e como os marcadores de raça/cor, classe social e gênero são capazes de interferir no processo de saúde e doença da população.
De acordo com a pesquisadora, a pandemia nos deixou muito conhecimento acumulado, mas, infelizmente, não conseguimos incorporar todo esse aprendizado quando nos vimos diante, por exemplo, de outra emergência sanitária, a monkeypox. “Não incorporamos nas análises epidemiológicas desde a sua concepção, a perspectiva racial, como uma condição importante para o processo de adoecimento e morte”, explica a Márcia, destacando que “já sabíamos, de antemão, quais os grupos em situação de vulnerabilidade, mas não consideramos esse conhecimento na inclusão de estratégias e abordagens a grupos populacionais específicos”, avalia.
Marcia lembra que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – instituída na Portaria Nº 992, de 13 de maio de 2009 – tem por objetivo primeiro combater o racismo, por reconhece-lo como violador dos direitos humanos. “É interessante perceber que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra aponta doenças com maior prevalência na população negra, como as cardiovasculares, a doença falciforme, hipertensão, diabetes, e, mesmo assim, essas perspectivas destacadas não entram em qualquer estratégia”, aponta.
Para a professora, todo arsenal de produção científica precisa considerar a perspectiva de raça, gênero e classe como componente estratégico para mensurar efetivamente os impactos em relação ao adoecimento. “É pensar estratégias de como podemos mudar nossas métricas de avaliação para equidade”, destaca Marcia.
De acordo com a pesquisadora, os princípios da universalidade, integralidade e equidade que compõem o SUS referem-se exatamente à redução dessas diferenças injustas e evitáveis e, portanto, por si só já representam um combate à iniquidade.
Ela lembra que a constituição traz um artigo [196] que prevê que a saúde é direito de todos e obrigação do Estado. “Como ferramental o Sistema Único de Saúde na sua existência já é uma estratégia para combater essas iniquidades”, conclui.
Referências:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Trabalho, população negra e pandemia : notas sobre os primeiros resultados da PNAD Covid-19. Nota Técnica n. 46 (Diest) : Trabalho, população negra e pandemia: notas sobre os primeiros resultados da PNAD Covid-19. 14 p. : il.Disponível em: http://www.ipea.gov.br
JONES, C P; JONES, C Y; PERRY, G. S; BARCLAY, G.; JONES, C. A. Addressing the Social Determinants of Children’s Health: A Cliff Analogy Journal of Health Care for the Poor and Underserved, Volume 20, Number 4, November 2009 Supplement, pp. 1-12 (Article) Published by Johns Hopkins University Press.
Ilustrado no You Tube: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=to7Yrl50iHI
Acessado em: 02/09/2022.
SÍNTESE DE INDICADORES SOCIAIS: UMA ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA: 2020 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 148 p.: il. (Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica, ISSN 1516-3296; n. 43).
WERNECK, J. (2016). Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, 25, 535-549.
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