O jovem cientista brasileiro e os desafios para o país: incentivo à pesquisa, aumento de oportunidades e melhor remuneração
Os desafios e perspectivas de jovens cientistas brasileiros foi tema de uma das mesas da 74ª Reunião Anual da SBPC, realizada em 29/7/22. A mesa reuniu as pesquisadoras Jaqueline Mesquita, professora da Universidade de Brasília (UnB), moderadora, e Raquel Minardi, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ambas membras da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e integrantes de um grupo de trabalho da academia que vem mapeando o perfil do jovem pesquisador brasileiro. Também participou da mesa o pesquisador Alessandro Freire, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), que colaborou na elaboração da survey utilizada no mapeamento. Completaram o debate o ex-presidente da SBPC Ildeu Moreira; a pesquisadora do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) Sofia Daher Aranha; e o presidente-eleito da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinicius Soares.
Na abertura, a pesquisadora Sofia Aranha apresentou um histórico da trajetória dos pós-graduados brasileiros, com dados de uma pesquisa que está em sua quarta edição e associa a dinâmica de formação e o emprego de mestres e doutores no Brasil. Conforme mostrou, antes da pandemia, o país registrou aumento importante na formação de mestres e doutores, mas, em 2020, houve um represamento das titulações desse grupo. “Esperamos que seja por conta das interrupções das aulas, mas sabemos que há outras dificuldades, como bolsa, financiamento e investimento, que também podem vir a afetar a formação”, pontuou.
Temos um caminho grande a seguir, na comparação com países como Rússia, França, Portugal, na relação de número de doutores para cada 100 mil habitantes (Sofia Daher Aranha)
A pesquisadora trouxe, ainda, um comparativo entre o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e o emprego formal de mestres e doutores, entre 2010 e 2017. Segundo ela, esse grupo sofreu menos demissões que a média nacional durante a crise, entretanto, há uma “tendência de queda” nas remunerações e nas contratações, “sobretudo, de doutores recém-formados”.
Ainda em relação à empregabilidade desse grupo, a pesquisadora observou ser importante distinguir a falta de emprego formal do desemprego. "Não ter emprego formal não significa estar desempregado. Há os bolsistas, profissionais liberais e empresários atuando, mesmo que longe do emprego formal”.
Para Daher, ainda assim, não formamos gente suficiente para as necessidades do país. “Temos um caminho grande a seguir, na comparação com países como Rússia, França, Portugal, na relação de número de doutores para cada 100 mil habitantes”, destacou, apontando como saída o apoio à formação, “bolsas com valores compatíveis com as necessidades, apoio ao recém-doutor e apoio à pesquisa de jovens cientistas”, e “ações rápidas, no sentido de reter e apoiar os jovens que estão se formando agora e serão cientistas em breve”.
Corroborando, Vinicius Soares apontou os desafios dos jovens cientistas no Brasil, que para ele, estão ainda, vivendo “um período histórico da janela demográfica”, no qual a maioria da população economicamente ativa é majoritariamente jovem. “Os países que se desenvolveram aproveitaram esse momento para investir em sua juventude, na sua capacidade produtiva, justamente, para induzir o desenvolvimento. Enquanto o Brasil tem passado por esse momento na contramão do mundo”, avaliou.
Diversos países estão recrutando nossa juventude, que passa a contribuir com o desenvolvimento de outras nações (Vinicius Soares)
Para Vinícius, precisamos investir cada vez mais em ciência, tecnologia e educação, de modo a produzir criar oportunidades para a juventude. Ele apontou, ainda, alguns fatores que têm deixado o ambiente científico no Brasil inóspito, inclusive, para atrair novos talentos, como a desvalorização do pesquisador e das bolsas, “com uma defasagem de quase dez anos” e a falta de uma política de valorização dos pós-graduandos. Vinicius defendeu a contagem dos anos de pós-graduação para o tempo previdenciário. “Ao ver o valor da bolsa de mestrado, por exemplo, um recém-formado prefere o mercado de trabalho em busca de uma remuneração melhor”, avaliou.
O pesquisador lembrou também que os pós-graduandos têm perfil “híbrido”, atuando como estudantes e trabalhadores ao mesmo tempo. “Em meio à desvalorização por que passa a ciência, tecnologia e educação, o Brasil conseguiu atingir as metas do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG); já na metade da vigência do plano, conseguimos chegar à titulação de quase 25 mil doutores e quase 60 mestres, por ano. Está aquém dos desafios brasileiros, mas conseguimos avançar”, quantificou.
Para Vinicius, outro problema a ser enfrentado é o da evasão dos pós-graduandos, observando-se o fechamento de cursos ou mesmo de programas de pós-graduação, em consequência de vagas ociosas. “Não estamos conseguindo atrair o jovem brasileiro para pós-graduação”, alertou, parafraseando o escritor Euclides da Cunha, em Os sertões: “O jovem pesquisador brasileiro é, antes de tudo, um forte”.
A falta de investimento nacional tem resultado também, alertou, no aumento da fuga de cérebros. “Diversos países estão recrutando nossa juventude, que passa a contribuir com o desenvolvimento de outras nações. Há uma perda geracional que impacta nossa capacidade produtiva. Se queremos a retomada do desenvolvimento nacional, precisamos valorizar nosso jovem pesquisador. Só se consegue reconstruir o país a partir da ciência, da tecnologia e da educação”, afirmou, lembrando que o pós-graduando brasileiro está diretamente ligado a 90% da produção científica no Brasil.
Temos indicativos de que a confiança das pessoas nos cientistas aumentou na pandemia, parte pela exposição alcançada na mídia (Ildeu Moreira)
Ildeu Moreira trouxe ao debate uma pesquisa realizada em 2019 pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), que revelou que dois terços dos jovens entre 15 e 24 anos têm interesse por ciência, mas a ampla maioria não sabe citar o nome de um pesquisador ou instituição científica brasileira.
O pesquisador alertou para os “preocupantes problemas” de desinformação e de desigualdade no acesso ao conhecimento, ao lado da relevância conferida à C&T pelos jovens. “Essa é uma demanda muito importante, a busca por informação qualificada”, considerou.
De acordo com os dados trazidos por Ildeu, os jovens que participaram do estudo manifestaram confiança na ciência, defenderam que se deve investir no setor e mostraram ter uma imagem positiva da figura do cientista. Em sua maioria, ainda, revelaram considerar que homens e mulheres têm a mesma capacidade para serem cientistas e devem ter as mesmas oportunidades. “Temos indicativos de que a confiança das pessoas nos cientistas aumentou na pandemia, parte pela exposição alcançada na mídia”, avaliou.
Outro dado da pesquisa destacado por Ildeu apontou que mais da metade dos entrevistados respondeu de forma errada a maioria de uma série de perguntas básicas de conhecimento científico. “Por exemplo, 60% não sabiam que antibióticos não combatem vírus”, disse Ildeu, acrescentando, ainda, que a maioria dos jovens, mesmo os que estavam frequentando cursos superiores, não conseguiram mencionar o nome de uma instituição brasileira sequer que faça pesquisa, ou de algum cientista brasileiro. “É preciso mudar esse quadro, é preciso política pública, escola, universidades e mais oportunidades”.
Para Ildeu, trata-se de um cenário preocupante. “Precisamos certamente fazer um esforço para diminuir muito rapidamente isso. Esse é um trabalho nosso, das universidades, instituições de pesquisa e pesquisadores. É preciso contar para a sociedade, e para os jovens, que existe ciência no Brasil, e de qualidade”.
Ouvimos relatos de pessoas que estão nas universidades há algum tempo e, ao submeterem seus projetos, se deparam com as dificuldades da falta de financiamento (Raquel Minardi)
Os pesquisadores Raquel Minardi e Alessandro Freire apresentaram dados da survey que o grupo de trabalho da ABC desenvolve para mapear o perfil dos jovens cientistas brasileiros e fornecer suporte à formulação de políticas públicas destinadas à valorização da carreira, aumento das oportunidades de trabalho e desenvolvimento profissional. “Estamos passando por um momento de muita dificuldade de financiamento e isso impacta muito a carreira do pesquisador que está começando, assim como os pós-graduandos. Queremos ter dados para subsidiar as discussões sobre isso”, explicou Raquel.
Ela relatou como se deu a motivação para a pesquisa. “Ouvimos relatos de pessoas que estão nas universidades há algum tempo e, ao submeterem seus projetos, se deparam com as dificuldades da falta de financiamento”, disse, destacando que o pesquisador que entrou nos últimos dez anos em uma instituição encontra dificuldade muito grande de começar a dar os primeiros passos e montar o seu grupo de pesquisa.
A ciência brasileira é importante para que gente possa se desenvolver como nação (Alessandro Freire)
“A ideia é escutar o jovem em diversos aspectos, como a questão da empregabilidade, levantados nesse grupo de trabalho”, destacou Alessandro.
De acordo com ele, a survey buscou traçar um perfil do jovem pesquisador e de seu desenvolvimento profissional, ouvindo aqueles em início de carreira e os que têm cerca de 15 anos de profissão, de modo a trazer uma contribuição “não só para a literatura, mas para subsidiar políticas públicas voltadas à valorização do conhecimento científico e da carreira dos cientistas”.
Para Alessandro, a ideia é que, cada vez mais, os jovens cientistas brasileiros almejem de fato a carreira científica dentro do próprio país, sem precisar buscar oportunidades em outros países, evitando-se a fuga de cérebros. “A ciência brasileira é importante para que gente possa se desenvolver como nação”.
Acesse e participe da pesquisa O mapeamento do jovem cientista brasileiro
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