Reunião anual da SBPC discute diretrizes da inovação diante dos desafios da desigualdade social no Brasil
Para que estamos procurando inovar e para quem a inovação virá? Essas perguntas nortearam o painel Os caminhos da inovação no Brasil, realizado no primeiro dia da programação científica da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no dia 25 de julho. Sob a coordenação da cientista da Computação Francilene Garcia, diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o painel buscou promover uma reflexão e um debate em torno das diretrizes da inovação diante dos desafios de uma sociedade marcada por grande desigualdade social. Reflexo dessa realidade são os dados dramáticos da Educação brasileira, com a presença de 29% de analfabetos funcionais em pleno século XXI.
Os modos de pensar e de conhecer também precisam de inovação (Cláudia Leitão)
O painel foi aberto por Cláudia Leitão, professora e pesquisadora de Economia Criativa da Universidade do Estado do Ceará (UECE), que começou sua fala questionando a atuação da universidade como propulsora da inovação. “A universidade, como instituição chave da modernidade, está em crise”, afirmou. Inserida em um sistema econômico que a transforma em uma espécie de agente da globalização, a universidade, segundo ela, “compete por negócios, por mercados, se apropria dos discursos neoliberais: competitividade, performance, sustentabilidade econômica, levando muitas vezes a inovação a apoiar projetos insustentáveis”.
Por isso, ela chamou a atenção para a importância de se abrir caminho para novas formas de conhecimento, afinal “os modos de pensar e de conhecer também precisam de inovação”. A universidade, em sua avaliação, não deve focar apenas no desenvolvimento de capacidades técnicas, mas também de competências criativas. Além disso, deve voltar-se para o território, incorporando o conhecimento heterogêneo que está além de seus muros.
Cláudia cita Edgar Morin, um dos maiores pensadores da atualidade, para sublinhar a importância de “religar saberes, fazer conexões, integrar cultura, arte, ciência e tecnologia” no enfrentamento de problemas cada vez mais complexos. “Temos que fazer esse caminho de ir e vir entre os saberes locais e globais”, disse.
A universidade, em seu entender, tem o desafio de educar para a criatividade e a inovação. E deve, sobretudo, contribuir para o bem comum. “Precisamos pensar no coletivo de forma colaborativa”. Nesse contexto, a pesquisadora ressaltou o papel da criatividade e da cultura como fundamentais para a inovação e, por essa razão, em sua opinião, devem estar muito mais presentes nas discussões sobre seus rumos.
Os objetivos do desenvolvimento sustentável se constituem, hoje, em uma grande diretriz para a inovação (Fernando Galembeck)
Em seguida, Fernando Galembeck, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pontuou a necessidade de se reconhecer que o próprio mundo científico, na era do caos e da complexidade, atravessa uma fase de grande mudança. “Temos novos modos de fazer ciência, novas substâncias, novos materiais, uso intensivo de dados e aumento de acesso a recursos experimentais”.
Apesar de todas essas evoluções, Galembeck ressaltou que persistem ainda, no Brasil, necessidades óbvias de inovação tecnológica e social, citando o caso das quebradeiras de coco de babaçu, que utilizam até hoje uma técnica muito rudimentar para o seu ofício, que consiste em bater o coco, colocado na ponta de um machado, com um pedaço de pau, até quebrá-lo.
O professor lembrou que os objetivos do desenvolvimento sustentável se constituem, hoje, em uma grande diretriz para o trabalho de inovação. “Eles procuram criar um mundo melhor do que esse que nós vivemos, mais justo, com mais igualdade social, mais respeito entre as pessoas e com disponibilidade de bens e materiais necessários para uma vida digna”. Este ano, em que se comemora o Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável, Galembeck foi convidado a participar de um grupo ligado à Sociedade Brasileira de Química que tem trabalhado o desenvolvimento do setor de acordo com esses objetivos. “Noto que muitas organizações têm se preocupado com isso e têm mudado suas atitudes”, explicou, citando a busca de muitas delas em conseguir produzir mais, atendendo às necessidades de mais gente e onerando menos o planeta.
Fernando chamou ainda a atenção para a capacidade ociosa nos parques industriais no país, que reduz a necessidade de investimentos em plantas, e o crescente interesse das empresas industriais em inovação.
O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação trouxe avanços, mas ainda temos muito o que mudar (Gesil Amarante)
O terceiro palestrante da mesa foi o professor Gesil Amarante, presidente do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec). Amarante falou da legislação brasileira em relação à inovação. Em sua avaliação, o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) trouxe avanços para o tema, removendo alguns obstáculos que dificultavam a relação entre instituições públicas e empresas. No entanto, a legislação continua refratária à inovação. “Ainda temos muito o que mudar. Precisamos remover os vícios da legislação passada dentro de nossa própria prática”, explicou, se referindo à dificuldade de incorporação dessas mudanças.
Para Amarante é preciso se pensar a inovação como uma nova base econômica que contribua para a resolução dos muitos problemas sociais do país. Nessa mesma lógica, ele ressaltou a necessidade de se pensar a universidade como um instrumento de desenvolvimento regional e nacional. E, ao sublinhar a importância da inovação para a soberania nacional, deu dois exemplos de países cujo investimento em inovação tem gerado resultados extraordinários: Holanda e Índia. A Holanda foi citada por ser o segundo país que mais exporta produtos agropecuários, embora tenha uma área agricultável muito menor do que a do Brasil, e a Índia pelo destaque de sua produção de fármacos, apesar de seus problemas sociais e do tamanho de sua população, que deve em um futuro próximo ultrapassar a da China como a maior do mundo.
Esses exemplos mostram, em seu entender, que pensar “o Brasil como exportador de matéria-prima para importar soluções, não só não é sustentável do ponto de vista econômico como também não é necessário”. Amarante explicou que o país já foi capaz de criar muitas soluções tecnológicas e deve pensar na inovação como diretriz para sua economia, assim como numa forma de resolver problemas para a sociedade. Para isso, ele ressaltou que o país “precisa trabalhar uma proposta de um sistema de ciência, tecnologia e inovação que efetivamente sirva para os brasileiros”.
O dramático fracasso na Educação inviabiliza qualquer projeto de inovação (Jorge Guimarães)
O quarto palestrante da mesa foi Jorge Guimarães, ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e atual presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que sublinhou que o Brasil tem inúmeros desafios que demandam atividade de ciência e tecnologia para solucioná-los, mas que o “dramático fracasso na Educação” inviabiliza qualquer projeto de inovação e impede o desenvolvimento econômico e social.
Assim como Amarante, Guimarães lembrou que mais de 90% dos insumos utilizados por nosso sistema de saúde são importados, “muitos dos quais já foram produzidos no país, no passado, e, hoje, já não são mais”. Essa lógica de que importar fica mais barato para o país, segundo ele, foi estendida a outros setores da economia como, por exemplo, a indústria de fertilizantes.
Outro ponto ressaltado por Guimarães, e já levantado anteriormente pelos outros palestrantes, foi a necessidade de o Brasil superar a dicotomia entre ciências básicas e aplicadas. “Ter a aplicabilidade em foco não tem problema algum”, disse, explicando que em outros países observa-se uma distância cada vez menor entre a pesquisa básica e o resultado daquela pesquisa básica aplicada.
Em sua avaliação, a demora de quatro séculos na implantação das universidades no Brasil atrasou o desenvolvimento da atividade cientifica no país e consequentemente prejudicou a interação universidade-empresa. Além disso, o papel inadequado de políticas públicas que não visualizaram a necessidade de se criar uma cultura de interação empresa e universidade também contribuiu negativamente para isso.
Apesar disso, Guimarães ressaltou que graças ao apoio das agências de fomento no Brasil, algumas áreas experimentaram um significativo avanço científico e tecnológico, como, por exemplo, a extração de petróleo em águas profundas e a medicina tropical. Ele destacou, ainda, o papel da Embrapii, organização social vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) criada em 2013 para apoiar instituições de pesquisa tecnológica, fomentando a inovação na indústria brasileira. “Ao longo de seus oito anos de existência, foram feitos avanços muito importantes”, atestou.
A Embrapii tem suas próprias unidades credenciadas chamadas Unidades Embrapii, que são grupos fortes de pesquisa nas universidades e em outros institutos de ciência e tecnologia. “Hoje, já são 76 Unidades Embrapii, 38 das quais dentro das universidades”, explicou Guimarães. Até o final do ano, a previsão é que esse número suba de 76 para cem unidades no país. Ao todo, a empresa tem 7.000 pesquisadores envolvidos em suas atividades, dos quais 1.000 pertencem às instituições — os outros são contratados. Os projetos contam com “um número talvez até maior de pós-doutorados do que o CNPq e Capes juntos”.
Sua expectativa para a área no próximo governo é que ocorra um planejamento de ações que demandem foco em educação, ciência e tecnologia. “São possíveis de serem realizadas a custos relativamente baixo”, afirmou.
É preciso alavancar o desenvolvimento e melhorar a produtividade das empresas (Valdir Oliveira)
Por fim, o diretor superintendente do Sebrae-DF, Antônio Valdir Oliveira Filho, fechou a mesa, ressaltado a relevância do tema para o país nesse momento, em que é preciso “alavancar o desenvolvimento e melhorar a produtividade das empresas”. Em sua avaliação, é preciso reduzir a distância entre as empresas e a academia.
O novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, regulamentado pelo decreto nº 9.283/2018, trouxe, em sua avaliação, o reconhecimento do Sebrae como um agente de fomento, facilitando sua atuação na política de inovação. “Essa política nos permite oferecer um apoio ao ecossistema de inovação, apoio aos pesquisadores e oportunidade de melhoria do nosso ambiente de negócios”, explicou.
No entanto, diante do atual cenário econômico, quando muitos donos de pequenos negócios estão lutando pela sobrevivência, ele reconheceu ser muito difícil recomendar a esses empresários que repensem o seu modelo de negócio e inovem para melhorar sua produtividade.
Valdir fez questão de dizer que sua visão era a de quem estava na ponta do sistema de inovação, lidando diretamente com “os milhares e milhares de CNPJs pequenininhos que estão sofrendo nesse momento as consequências de uma crise econômica sem precedentes vinda da crise sanitária”.
Para esses casos, ele avalia ser importante políticas públicas mais objetivas em relação à segmentação dos pequenos negócios e suas diferentes necessidades. “Essa clientela responde por mais de 50% dos empregos no Brasil e 27% do PIB, portanto, se queremos desenvolver o Brasil com geração de empregos e distribuição de renda, temos que resgatar essas empresas”.