Pesquisadores discutem cooperação internacional na ciência e fortalecimento da soberania brasileira
Grandes projetos globais na área de Ciência e Tecnologia remetem a grandes problemas do planeta, que requerem, portanto, colaboração entre as nações, o Brasil aí incluído. O país, no entanto, se já se mostra presente em muitas iniciativas, precisa ampliar sua participação, em nome do fortalecimento da soberania nacional. A análise é do físico e professor emérito da UFRJ Luiz Davidovich, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, e dá o tom da mesa Grandes projetos de cooperação internacional da ciência brasileira, realizada em 26/7/2022, durante o 74º Encontro Anual da SBPC. “Nosso potencial está aí, e temos que fazer uso dele”, afirmou Davidovich, que fez um resgate dos projetos em curso em âmbito mundial e da presença brasileira nessas iniciativas.
Participaram da mesa, ainda, o biólogo e professor Aldo Malavasi, do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) e vice-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês) e o ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação Sergio Rezende, com moderação do professor Paulo Artaxo, da USP. A mesa contaria, ainda, com o pesquisador da Fiocruz Carlos Morel, à frente do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), que não pôde comparecer.
Os grandes projetos de colaboração internacional são importantes, mas existem também pequenos projetos que estão fazendo muito bem ao país (Luiz Davidovich)
Regulação do espaço aéreo para se lidar, inclusive, com riscos de colisão entre satélites; pesquisas na Antártida; proteção aos oceanos e exploração adequada das águas; regulação da internet; armazenamento e compartilhamento de dados; inteligência artificial; poluição do ar, que afeta mais de 5 milhões de pessoas no mundo (acima dos índices da Covid-19); e desenvolvimento tecnológico na Saúde foram algumas das áreas destacadas por Davidovich, que vão “mudar a face da Humanidade” e nas quais o Brasil precisa estar atuante. “Podemos estar fora disso? Claro que não!”, afirmou, citando, ainda, a exploração do universo, em especial, neste momento em que está no espaço o telescópio James Webb, buscando retratar o cenário de 4 bilhões de anos atrás.
“E pretende-se ir mais atrás ainda, chegando a 13 bilhões de anos. Acredita-se que o universo tem cerca de 13,6 bilhões de idade. Então, estamos nos aproximando da visualização do início do universo. Isso é fantástico!”, considerou.
De modo a mostrar que as conquistas da ciência são alcançadas com iniciativas de longo prazo, Davidovich trouxe como exemplos a criação de instituições como a Escola Agrícola da Bahia, fundada em 1875, o Instituto Agronômico de Campinas, de 1887, e a Escola de Agricultura Luiz de Queiros, de 1901. “Tinham como objetivo resolver problemas do cafeeiro paulista. Ninguém imaginaria que décadas depois, as pessoas formadas por essas escolas formariam outras, que formariam outras, e isso resultaria na criação da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], com sua posição importantíssima no mundo, levando para a África a tecnologia desenvolvida no Brasil”, observou. “É o que chamamos de poder suave, soft power, o poder do conhecimento, que faz parte da diplomacia científica, uma forma de o Brasil se relacionar com outros países e projetar sua ciência em âmbito internacional”.
Na área da Saúde, o físico citou a criação do Instituto Oswaldo Cruz, em 1900, e do Instituto Butantan, em 1901, também com objetivos específicos, de fazer vacinas. “Quem imaginaria que, anos depois, a Fiocruz também estaria espalhada pelo mundo, em cooperação técnica com diversos países, esse poder suave do Brasil?”, destacou, lembrando que essas iniciativas do início do século XX plantaram também as sementes do Sistema Único de Saúde. “Leva-se muito tempo para se construir um sistema de ciência e tecnologia em um país. E leva-se pouquíssimo tempo para destruir. Temos que ficar muito atentos a isso”.
Entre os projetos localizados no Brasil e levados à frente com colaboração internacional, ele citou o Sirius, acelerador de partículas para produzir a luz síncroton [utilizada para investigar a composição e a estrutura da matéria], com instalações em Campinas (SP), que está à disposição da comunidade científica brasileira e internacional; e a Torre Atto, observatório (o mais alto da América Latina, com 325 metros) localizado dentro da Floresta Amazônica no projeto iniciado em 2009, com a Alemanha. “Os alemães têm recursos para a pesquisa e estão atuando lá, enquanto os brasileiros, não estão”, relatou Davidovich.
Ele destacou, ainda, outros projetos envolvendo a ciência brasileira, que dão uma medida do potencial e da diversidade de atuação do Brasil, bem como das possibilidades que se descortinam com o conhecimento científico. Entre os projetos citados estão o Centro Brasil-China de Genômica, liderado pelo pesquisador da Fiocruz Carlos Morel; o projeto Samoc – South Atlanic Meridional Overturning Circulation, que envolve pesquisadores e instituições da Comunidade Europeia, EUA, Brasil, África do Sul e Argentina, para medicação de correntes marítimas sob a superfície do mar, de modo a se investigarem alterações na circulação oceânica, devidas às mudanças climáticas; o projeto Plato, parceria entre Brasil e treze países europeus para promover a descoberta de exoplanetas; o projeto CBERS – China Brasil Earth Research Sattelite, liderado pelo físico Ricardo Galvão, professor da USP e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para produção de satélites de observação da Terra; o projeto Piere Auger, em parceria com a Argentina, na maior instalação do mundo, voltada a detecção e estudo de raios cósmicos de altíssima energia; e o projeto Bingo, para detectar oscilações acústicas que permitem estudar a expansão do universo, envolvendo Brasil, Arábia Saudita, Reino Unido, Suíça e Uruguai.
“Sinto falta de uma colaboração ampla em outras áreas das ciências, ainda. Os países latino-americanos têm questões em comum, sociais, econômicas, e uma colaboração maior desses países nas áreas de Ciências Sociais seria muito importante também”, considerou, fazendo ainda mais uma ressalva: “Os grandes projetos de colaboração internacional são importantes, mas existem também pequenos projetos que estão fazendo muito bem ao país e alimentam laboratórios espalhados pelo território inteiro. Sinto falta de um apoio mais decisivo a essa rede de pequenos projetos, que também envolvem grandes colaborações internacionais e participação de grande pelo número de pessoas”.
As aplicações nucleares contribuem para a paz, a saúde e o desenvolvimento (Aldo Malavasi)
O professor Aldo Malavasi apresentou informações sobre a Agência Internacional de Energia Atômica, criada em 1957, ligada às Nações Unidas, voltada à cooperação técnica e à segurança no uso de energia atômica (ou nuclear) no mundo, e abordou as aplicações desse tipo de energia em áreas tão diversas quanto tratamento da água e diagnóstico de doenças. A agência tem sede em Viena e reúne 172 estados-membros. “A aplicação nuclear para a maioria deles está na medicina nuclear, na agricultura, meio ambiente e indústria”, informou Malavasi, destacando que as aplicações nucleares “contribuem para a paz, a saúde e o desenvolvimento”.
Como considerou o biólogo, a qualidade de vida dos países, em especial da Europa Ocidental e dos EUA, não seria a mesma sem as aplicações nucleares. “Fazem parte da nossa vida”, defendeu, destacando os “três pilares” que sustentam a IAEA – verificação, segurança e desenvolvimento em ciência e tecnologia.
De modo a indicar a presença da radiação no dia a dia, o professor deu como exemplo a segurança alimentar, informando que temperos como a pimenta, por exemplo, precisam ser irradiados. “Se não irradiar dá fungo”, explicou. “Mas a radiação passa, mata o esporo do fungo e atravessa o alimento, que não fica radioativo”, ressalvou. Ele citou também as aplicações da energia nuclear na medicina, no tratamento de tumores; na manutenção de aeronaves, para detectar qualquer dano na fuselagem; na despoluição das águas, destruindo organismos vivos e decompondo o plástico; e no controle de bioameaças, como o Aedes Aegypti, mosquito transmissor da dengue, entre outras.
Malavasi abordou, ainda, o advento dos pequenos reatores modulares, ou SMR – sigla de Small Module Reactors – sua capacidade de gerar energia, por fissão nuclear e sua portabilidade para atender, por exemplo, as demandas de pequenas localidades. “Os SMRs têm a grande vantagem da modularidade, de serem transportados dentro de um navio para levar energia a pequenas populações”, explicou, observando que com os SMRs o custo altíssimo para fazer a energia chegar a esses locais “desaparece”.
O Brasil, destacou Malavasi, está participando desse processo. “Nossos bisnetos ou tataranetos terão um microrreator dentro de casa, não haverá mais fios”, previu, considerando que os pequenos reatores estarão disponíveis por volta de 2030, quando deverá haver “vários modelos de SMR em produção comercial no mundo”.
No ano 2000, o Brasil acertou a cooperação internacional para fazer o observatório de raios cósmicos [Observatório Pierre Auger], na Argentina, e foram empresas brasileiras que construíram os tanques levados para lá. A operação teve início em 2005, e o programa está ativo e é exitoso (Sergio Rezende)
O ex-ministro de Ciência e Tecnologia Sergio Rezende dirigiu-se, em especial, aos jovens, ao afirmar que “a crise que estamos vivendo vai ser superada” e que “já passamos por muitas!”. Rezende fez um balanço do desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação no país ao longo do tempo e lembrou que o ministério à frente do qual esteve “foi extinto e recriado várias vezes”, assim como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) passou por um “sobe e desce”, tendo em vista as descontinuidades observadas nas diferentes gestões dos governos.
Ele citou algumas conquistas alcançadas pela área de CT&I, como a criação de fundos setoriais incorporados ao FNDCT, novos formatos de financiamento à pesquisa e a constituição do Sistema de CT&I, com apoio à inovação tecnológica nas empresas e incentivo a pesquisa e ao desenvolvimento em áreas estratégicas, voltadas ao bem-estar. O país chegou a contar também com um Conselho de Ciência e Tecnologia, conforme lembrou.
“No ano 2000, o Brasil acertou a cooperação internacional para fazer o observatório de raios cósmicos [Observatório Pierre Auger] na Argentina e foram empresas brasileiras que construíram os tanques levados para lá. A operação teve início em 2005, e o programa está ativo e é exitoso”, destacou. “De 2003 a 2010, o Brasil assinou programas de cooperação com Ucrânia, Alemanha, Reino Unido, Cuba, Argentina, EUA, Irã e África do Sul”, enumerou. Ao mesmo tempo, destacou o ex-ministro, o país manifestou interesse em integrar formalmente o Programa Cern [Centro Europeu de Pesquisas Nucleares], mas o processo de adesão ainda não se concretizou.
Rezende apontou como medidas a serem levadas à frente no país, hoje, a remontagem do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; a retomada do apoio à pesquisa em áreas e projetos estratégicos; a ampliação das iniciativas de qualificação, atração e retenção de recursos humanos, de modo a deter a saída de jovens para o exterior, hoje em número “sem precedentes”; apoiar ações de CT&I voltadas ao desenvolvimento social; desenvolver a bioeconomia da Amazônia, aproveitando-se os recursos naturais na região; e ampliar a cooperação internacional em ciência e tecnologia. Ele encerrou sua exposição citando uma frase de Walter Oswaldo Cruz, filho do fundador da Fiocruz: “Meditai se só as nações fortes podem fazer ciência, ou se é a ciência que as fazem fortes”.