‘Só no Brasil se pensa a economia sem pensar em ciência e tecnologia’, diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências

‘Só no Brasil se pensa a economia sem pensar em ciência e tecnologia’, diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências

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Cats/MCTI

Em relato exclusivo ao blog do CEE-Fiocruz, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, apresenta suas impressões sobre a audiência pública realizada nesta quarta-feira, 15/6/2016, sobre a fusão dos ministérios da Ciência Tecnologia e Inovação (MCT&I) e o Ministério das Comunicações, levada à frente pelo governo interino. Ao aspecto positivo de que a sala da audiência estava lotada, diferentemente do que já ocorreu em outras audiências de que o professor participou, e de que o tema da ciência e tecnologia estava em pauta, mobilizando os presentes, corresponderam muitos problemas que a fusão aponta, o principal, a falta de visão do governo quanto à importância da ciência para o desenvolvimento do país.

“O documento do PMDB que norteia este governo, Uma ponte para o futuro, não contém uma vez sequer a palavra ciência. É decepcionante constatar que a Ciência não está no campo de visão dessas pessoas”, considera o professor.

Participaram da audiência também, além do ministro interino Gilberto Kassab: a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (leia aqui sobre sua participação), o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Sergio Luiz Gargioni, a presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), Francilene Garcia, e o secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno.

Leia aqui o manifesto contra a fusão dos ministérios, assinado por 13 entidades, entregue ao presidente interino Michel Temer.

Leia abaixo o relato do professor Davidovich ao blog do CEE-Fiocruz.

“Fiquei bem impressionado com o fato de a sala da audiência pública estar lotada. Participei de outras audiências, com salas, em geral, vazias. Havia muitos deputados, de diversos partidos (DEM, PSDB< PMDB, PT, PSB), assessores, funcionários do Congresso, pedindo para falar, opinar, um sinal de que o tema está despertando interesse. Isso é bom para a Ciência e para o país.

A sessão começou com a fala do ministro, seguida da fala da presidente da SBPC, Helena Nader, e depois, da minha, seguida dos demais representantes. À excessão da do ministro, todas as falas foram contrárias à fusão dos ministérios, mostrando que havia uma inconsistência entre as atuações de cada um. O Ministério das Comunicações lida com pressões e aspectos políticos, referentes às concessões de rádio e TV, internet, correios e telégrafos. O MCT&I atua em pesquisa, com base em comissões técnicas. São práticas diferentes. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação tem convergência, até, com muitos outros ministérios, se fôssemos falar em fusão: os ministérios da Saúde, Minas e Energia, Indústria e Comércio (onde se localiza o InMetro), da Defesa, da Educação, que também têm pesquisa. Mas estaríamos esticando uma linha interminável. É desejável que os ministérios interajam, mas que mantenham sua individualidade.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação não surgiu por trocas políticas, mas por uma necessidade do país

Enfatizamos que o MCT&I surgiu depois de longa batalha da comunidade científica, e completou 30 anos em 2015. O ministério não surgiu por conta de trocas políticas, mas por uma necessidade do país. A reunião deixou clara a grande preocupação da comunidade científica e da comunidade empresarial ligada à inovação [representada pela Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei)], quanto à escassez de recursos para o setor. São níveis assustadoramente baixos. É uma questão urgente. No orçamento de 2016, o Congresso foi responsável por cortes substanciais de recursos, e conclamamos os deputados a reverter esses cortes, em um país que precisa sair de um passado extrativista para uma nova economia.

É necessário reverter os cortes em CT&I, em um país que precisa sair de um passado extrativista para uma nova economia

Precisamos diversificar nossa pauta de exportações, e, para isso, Ciência, Tecnologia e Inovação são fundamentais. Em vários países, mesmo com a crise, vêm sendo registrado aumento de recursos para o setor, para justamente combater e superar essa crise, de forma sustentável, sem que os países fiquem sujeitos às flutuações internacionais. Isso foi enfatizado também por muitos deputados, que consideraram que a defesa da ciência e tecnologia deve ser uma ação suprapartidária do Congresso Nacional. Assim como foi a aprovação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação [sancionado pela presidente Dilma Rousseff em 11/1/2016]. Queremos isso novamente, para recompor o setor e ir além, alcançar novos patamares.

Os países dos Brics estão com seus ministérios de Ciência e Tecnologia muito ativos e aumentando os investimentos no setor, com vistas à melhoria da qualidade de vida de suas populações. Esse investimento agrega valor à produção e à exportação, aumentando o protagonismo internacional desses países. Já o Brasil, por sua vez, promove cortes, nos institutos de pesquisa, nas bolsas, prejudicando o desenvolvimento de jovens e novos pesquisadores, comprometendo nosso futuro.

Em vários países, mesmo com a crise, vêm sendo registrado aumento de recursos para o setor, para justamente combater e superar a crise, de forma sustentável, sem que os países fiquem sujeitos às flutuações internacionais

É importante registrar que o baixo investimento em CT&I não é de agora. Vem sendo registrado em especial nos últimos três anos. Até 2010, tivemos um investimento positivo. A partir daí, começou a cair, até chegar nos níveis irrisórios atuais. Usam-se os cortes para responder à crise. Às vezes, dá a impressão de que os economistas não abordaram em seus currículos a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento econômico. Só aqui no Brasil se pensa a economia sem pensar em ciência e tecnologia. Países como China, Estados Unidos, os da União Europeia não pensam assim. A União Europeia acordou