Remdesivir, o mundo, o Brasil, a Covid-19: 'E la nave va!' – por Jorge Bermudez

Remdesivir, o mundo, o Brasil, a Covid-19: 'E la nave va!' – por Jorge Bermudez

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É fato notório que o mundo tenta se unificar na busca de soluções, nem sempre fáceis, pois sujeitas às naturais tensões entre blocos e países, para assegurar o acesso a tecnologias que possam ser efetivas no enfrentamento da pandemia de Covid-19 – aqui incluídos medicamentos, vacinas, métodos e reativos diagnósticos e outros produtos – desde a Declaração de Emergência em Saúde Pública pela OMS, em 30 de janeiro de 2020, seguida, no Brasil, da decretação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), em 3 de fevereiro de 2020. No Brasil, ainda, outros atos se seguiram, declarando transmissão comunitária em todo o território nacional e reconhecendo o estado de calamidade pública. A esse respeito nos manifestamos analisando o panorama mundial e as expectativas ou perspectivas no Brasil.

Hoje sabemos que se encontram em andamento cerca de 140 estudos de vacinas, com 15 em ensaios clínicos, e 700 ensaios com cerca de 200 medicamentos, embora ainda não tenhamos certeza da aprovação de qualquer produto como tratamento mais adequado para a Covid-19, com diversos protocolos sendo implementados em grandes centros de tratamento pelo mundo afora.

Exatamente por não haver ainda esse medicamento selecionado como a escolha, com especulações de grandes proporções, queremos chamar a atenção para três fatos anunciados nesta semana, relacionados a um dos produtos que se encontra em fase experimental, mas cujo fabricante é detentor da patente e vem se manifestando nos meios de comunicação de maneira bastante ostensiva.

A empresa farmacêutica norte-americana Gilead Sciences anunciou em 1/5/2020 que seu produto Remdesivir tinha recebido a Autorização para Uso Emergencial pelo FDA dos EUA para o tratamento da Covid-19 (ver aqui e aqui), anunciando também, quase em seguida o sublicenciamento para cinco produtores genéricos e autorizando a distribuição para 127 países, excluindo o Brasil e outros países de renda média, praticamente a totalidade da América Latina (ver aqui e aqui).

Outros países seguiram na mesma direção que os EUA, como Reino Unido, Japão e, mais recentemente, União Europeia, também aprovaram a autorização para o uso Emergencial do Remdesivir em seus sistemas de saúde.

Enquanto os analistas econômicos se dividem discutindo se os preços são adequados ou abusivos, um grupo de consumidores, Public Citizen, alerta a sociedade e lembra que a Gilead Sciences recebeu mais de US$ 70 milhões em recursos públicos para o desenvolvimento do medicamento

Anunciado na edição de 29/6/2020 do New York Times, foi tornado público um arranjo pelo fabricante com o governo dos EUA, que estabelece um acordo não usual, com preços inegociáveis e prioridade para pacientes norte-americanos, para fornecimento do Remdesivir pelo preço de US$ 520 o frasco, ou US$ 3.120 pelo curso de tratamento, para hospitais com pacientes internados por empresas de seguro privadas, e US$ 390 por frasco ou US$ 2.340 por curso de tratamento, para pacientes com seguro financiado pelo governo ou para aqueles em outros países com sistemas nacionais de atenção à saúde. A Gilead Sciences prevê que, até setembro, toda a produção será destinada aos EUA, correspondendo a mais de 500 mil cursos de tratamento. Enquanto os analistas econômicos se dividem discutindo se os preços são adequados ou abusivos, um grupo de consumidores, Public Citizen, alerta a sociedade e lembra que a Gilead Sciences recebeu mais de US$ 70 milhões em recursos públicos para o desenvolvimento do medicamento.

Em reportagem do site de notícias de saúde Stat, Daniel O’Day, CEO da Gilead, publicou também em 29/6, uma carta aberta com sua justificativa para o preço estabelecido, alegando que países menos desenvolvidos poderiam aproveitar os preços das empresas genéricas sublicenciadas. É válido aqui deixar muito claras as diferenças entre custos e preços e a maneira arbitrária com que a própria empresa justifica como chegou a essa determinação de preços para o Remdesivir.

A maioria dos nossos países, excluídos do Acordo da Gilead com os produtores genéricos, não vai poder arcar com essas contas, de maneira que, além de enfrentar a pandemia, teremos que enfrentar os preços abusivos

Esperava-se e especulava-se que o Remedesivir seria colocado disponível ao preço estimado em US$ 4,5 mil pelo curso de tratamento de dez dias. Dessa maneira, a divulgação pública do preço anunciado deixa clara uma estratégia de marketing do fabricante. Como mencionado, a Gilead anuncia o preço de US$ 2.340 pelo curso de tratamento, omitindo, entretanto, que esse valor está relacionado com um curso de cinco dias, sendo esperado no tratamento de Covid-19 um curso entre cinco e dez dias, Assim, o anúncio da Gilead não deixa surpresa com relação às especulações anteriores sobre qual seria o preço cobrado pela disponibilização do produto no mercado mundial. A maioria dos nossos países, excluídos do Acordo da Gilead com os produtores genéricos, não vai poder arcar com essas contas, de maneira que, além de enfrentar a pandemia, teremos que enfrentar os preços abusivos.

Ainda para encerrar as notícias desta semana relacionadas com o Remdesivir, foi anunciado em 30/6/2020, no jornal The Guardian que os EUA compraram virtualmente todo o estoque do Remdesivir para os próximos três meses, impedindo assim que qualquer outro país no mundo tenha acesso ao medicamento, num ato que lembra a iniciativa de América first e até a invocação da Lei de Defesa da Produção para bloquear a exportação, pelos EUA, de produtos essenciais aos seus cidadãos.

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