“É preciso trazer à tona, na Agenda 2030, a questão das assimetrias globais e das barreiras tecnológicas”, defende Carlos Gadelha na G-Stic

“É preciso trazer à tona, na Agenda 2030, a questão das assimetrias globais e das barreiras tecnológicas”, defende Carlos Gadelha na G-Stic

Já leu

“Como podemos sair de um estado de estagnação predatória para um estado virtuoso de desenvolvimento, em que as pessoas e o planeta estejam no centro para valer e não apenas como retórica?”, questionou o economista e pesquisador Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (Sectics) do Ministério da Saúde, ao participar como orador principal da sessão especial Empresas do Pacto Global das Nações Unidas, com representantes da indústria brasileira, durante a sexta edição da G-Stic, o maior evento global de ciência, tecnologia e inovação para aceleração da Agenda 2030, realizada no Rio de Janeiro.

A reunião é realizada anualmente com o objetivo de acelerar o desenvolvimento e a aplicação de soluções tecnológicas para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, promovendo discussões sobre saúde, educação, água, energia, clima e oceanos com gestores públicos, representantes do meio acadêmico e empresarial, de organismos internacionais e da sociedade civil organizada.

Diante do contexto global, marcado pela crise climática, a estagnação econômica, a fome e a insustentabilidade ambiental, Gadelha defendeu uma mudança estrutural do desenvolvimento. “Se não mudarmos o modo de produção e de consumo da nossa sociedade, não vamos sair dessa enrascada”, pontuou.

Na mesa, realizada em 13/2/2023, Gadelha esteve ao lado de Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU; Rafaela Guedes Monteiro, gerente executiva de responsabilidade social da Petrobras; Edison Carlos, presidente do Instituto Aegea, e Francisco Razzolini, diretor de Tecnologia Industrial, Inovação, Sustentabilidade e Projetos da Klabin, empresa produtora e exportadora de papéis. Com moderação de Jorge Peron, gerente de Sustentabilidade da Firjan, os participantes, signatários do pacto Global da ONU, apresentaram as principais contribuições para o avanço dos ODS, assim como as metas em direção às transformações necessárias para alcançar os objetivos globais até 2030, discutindo o impacto e as lições de três anos de Covid-19 e contribuições da ciência e da tecnologia.

 

Bem-estar e sustentabilidade como estratégias de desenvolvimento

Coordenador científico do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Carlos Gadelha observou que há vinte anos a Fiocruz propõe uma “quebra de paradigma em direção a um novo modelo de desenvolvimento e o momento para isso chegou”. Em seu entender, é preciso criar espaços econômicos para o investimento público e privado e para a geração de emprego e renda, tendo o bem-estar e a sustentabilidade como estratégias de desenvolvimento. “Países em desenvolvimento, como o Brasil, não podem abrir mão de crescer”, afirmou.

Ciente da necessidade mundial de transição para uma economia de baixo carbono, conforme destacou, Gadelha disse não ver dicotomia entre crescimento, inovação, transformação, bem-estar das pessoas e sustentabilidade ambiental. “O país tem que aumentar o PIB per capita, o emprego. Isso não é insustentável do ponto de vista ambiental, se o Brasil crescer diferente, se transformando”, considerou.

O secretário ressaltou, ainda, que é preciso “colocar na mesa da Agenda 2030” a questão das assimetrias globais e das barreiras tecnológicas, que não permitem uma mudança da matriz produtiva. “De um lado, nos pedem sustentabilidade. De outro, não querem deixar a gente usar o poder de compra do Estado para alavancar a biotecnologia. Então, querem nos trancar no passado e nos cobram o futuro”, alertou Gadelha, referindo-se a uma histórica distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em especial, àquela relativa ao conhecimento científico e tecnológico.

“A saúde no Brasil gera 10% do PIB e um terço da pesquisa brasileira. Além disso, 40% dos artigos relacionados à quarta revolução tecnológica passam pela saúde”, aponta Gadelha, dizendo que esses índices são ainda maiores quando se referem à economia política do bem-estar como um todo, incluindo, por exemplo, o meio ambiente. De acordo com sua análise, isso reflete “a transformação na sociedade, em que o bem-estar deixa de ser um fardo para o Produto Interno Bruto, um fardo para a riqueza das nações, tornando-se a grande opção de desenvolvimento”. 

Para estimular a inovação, afirmou o secretário, é preciso avançar na articulação entre Estado e mercado. Em sua avaliação, a base institucional pela qual se orienta o país desencoraja o empresário e o gestor inovador de correr risco. “Temos que saber lidar com a incerteza, com o futuro e com o erro”, considerou, ressaltando que, para isso, é preciso “criar um ambiente institucional onde seja possível separar quem faz gestão danosa dos serviços públicos, daqueles gestores e empresários que querem assumir a inovação”.

Gadelha lembrou que a Fiocruz só produziu vacina contra a Covid-19, porque a então presidente da Fiocruz, na época, atual ministra da saúde, comprou cem milhões de doses de uma vacina que não existia.  “Podia ter dado errado. Como deu certo, junto com o Butantan salvamos 200 mil vidas”.

O exemplo, que demonstra a capacidade produtiva do Complexo Econômico e Industrial da Saúde no Brasil, reforça a ideia central da exposição de Gadelha: pensar a economia do bem-estar, a economia planetária e a economia da sustentabilidade ambiental como os novos vetores do desenvolvimento.

Após a exposição do palestrante, os demais participantes da mesa apresentaram aspectos do mundo empresarial, no que diz respeito aos ODSs. À frente da agência da ONU para o Pacto Global, voltada a implementar as agendas das Nações Unidas “com e por meio do setor empresarial”, Carlo Pereira destacou que as empresas brasileiras e as que atuam no Brasil são “bastante compradoras dessas agendas”. Como exemplo, ele citou o ranking das empresas signatárias dos princípios de empoderamento das mulheres, relativos à ONU Mulheres, em que o Brasil ocupa o segundo lugar.

“Buscamos ajudar com os pontos importantes em que as empresas devem atuar. Temos projetos e iniciativas em quatro áreas: direitos humanos, questões trabalhistas, meio ambiente e ações anticorrupção”, explicou. “A pandemia de Covid-19 liberou o executivo e a executiva para sair do armário da falta de humanidade”, observou. “Conforme relata, era muito difícil temas sociais para a sala do executivo ou ao conselho de administração. Hoje isso é o contrário”, relatou.

Rafaela Monteiro, gerente de Responsabilidade Social da Petrobras, trouxe exemplos de atuação da empresa na busca de conexão “com as necessidades da sociedade”. Conforme destacou, são quatro linhas de atuação “que transversalmente observam os mais vulneráveis e as minorias”: oceanos, floresta, educação e desenvolvimento sustentável, voltada a geração de emprego e renda.

Entre os exemplos, ela citou o projeto Floresta Viva, “sobre soluções baseadas na natureza”, lembrando de dados do IBGE segundo os quais produtos florestais não madeireiros movimentam mais de 1,5 bilhão de reais por ano. “Ajudam a agricultura sustentável e garantem a subsistência de cerca de 2 milhões de pessoas no país”, contabilizou. “Vida na terra, vida no mar, erradicação da pobreza e inovação. Todas os ODSs de alguma forma são contemplados pelas ações”, considerou.

Edison Carlos presidente do Instituto Aegea, voltado à prestação de serviço de saneamento, destacou ações que têm como alvo as populações mais vulneráveis. “Quando comecei a atuar na área, não estava nas prioridades empresariais levar saneamento aos que estão nas áreas mais inacessíveis”, relatou. “As empresas consideravam que era preciso primeiro atender as áreas regulares da cidade, mas depois ir às áreas irregulares, quando quem mais sofre e quem mais morre é quem está na área irregular, é a criança que vive ao lado do córrego”.

Conforme observou, se é, de fato, mais difícil levar saneamento a essas áreas, é preciso assumir esse compromisso. “Tivemos que nos especializar em Brasil”, disse.

Por fim, Francisco Razzolini, diretor de Tecnologia Industrial, Inovação, Sustentabilidade e Projetos da Klabin, empresa produtora de papéis, abordou as ações voltadas a aspectos como redução de emissão de gases de efeito estufa; incremento do padrão energético renovável do país; uso da água de forma a restaurar os ecossistemas aquáticos em que atua; e a meta de atingir “zero resíduos enviados a aterros, por meio da colaboração com iniciativas de coprocessamento, reuso e parcerias”, entre outras.