Anielle Franco: “Pensar em equidade racial passa por garantir acesso e permanência em todos os lugares”
“Impossível falarmos de equidade, de protagonismo, de acesso, sem estarmos nesses lugares e espaços de decisão”, destacou a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, ao CEE Podcast, após sua participação na aula inaugural da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, realizada em 16/03/2023, na Fiocruz. A ministra defende que pensar a equidade é pensar para além do acesso. “É importante pautarmos, mas é importante também impulsionarmos para que essas pessoas permaneçam”, pontua.
Para Anielle, trazer pessoas negras para lugares de poder não é o suficiente, como se deu com a sua irmã, a ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assinada em 2018. “Não adianta eleger, se não vamos proteger essas mulheres, e é assim que tenho trabalhado em Brasília”.
Conforme destaca a ministra, “lugares de Congresso, de Câmara”, historicamente, não foram desenhados para as mulheres. “Quando pensamos em equidade racial, isso passa por garantir esse acesso e por garantir educação, em todos os lugares”.
Em sua fala na aula inaugural do ano letivo da Ensp/Fiocruz, Anielle sublinhou a importância das raízes, destacando o legado das mulheres fortes que sustentaram toda a sua caminhada. Para ela, é preciso que saibamos onde queremos chegar, para “lembrarmos de onde partimos”.
Emocionada, Anielle falou de suas memórias e relembrou como cada sentimento pode nos atravessar de maneira particular. No relato, a ministra trouxe a Fiocruz como uma de suas memórias de infância mais bonitas. “Eu atravessava a passarela da Fiocruz para me vacinar muitas vezes, junto com minha mãe e meu pai”, lembrou.
Entre as lembranças que trouxe, Anielle citou a frequência com que sua irmã, Marielle Franco, se colocou como “escudo” para protegê-la das adversidades e das violências. “Mari e minha mãe me protegiam para eu poder sair de casa com o próprio corpo, depois, era eu mesma tentando me proteger para proteger minha mãe. Comecei a ver que isso era um ciclo. É por isso que eu comecei falando de raízes”, observou.
“O que seria dos lugares se nós não tivéssemos as nossas raízes?”, indagou a ministra. “Minha raiz vem de uma mulher preta, nordestina, favelada, que é advogada e que trabalhou muito para nos criar”, pontuou emocionada.
Em relação ao trabalho no Ministério, nesses primeiros meses, Anielle relatou que propôs, com a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, um projeto de lei para a criação do Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça. O PL já foi assinado pelo presidente Lula, mas ainda precisa ser aprovado no Congresso Nacional. Para a ministra, vai ser uma construção muito difícil, pois está havendo “muito ataque” em Brasília. “Não é fácil permanecer naquele lugar. Assim como eu sabia que não seria fácil para minha irmã permanecer naquele lugar, que é extremamente tóxico, que não é para mulher. Nenhuma Câmara é desenhada para mulheres”, observou a ministra, ressaltando a importância de se pensar uma permanência segura nesses espaços de poder e destacando que pensa em medidas que tenham essa finalidade. “Minha irmã precisou morrer para que outras pessoas tivessem segurança”.
A terça-feira, 21/03/2023, foi marcada pelo dia Internacional contra a Discriminação Racial, proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em referência ao episódio conhecido como Massacre de Shaperville, ocorrido na África do Sul, em 1960. Em janeiro deste ano, a partir da promulgação da Lei 14.519/2023, a data também representa, no Brasil, o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, que são as religiões mais afetadas pelos crimes de intolerância.
Neste dia simbólico, a ministra Anielle junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinaram o Pacote pela Igualdade Racial, um conjunto de medidas para promoção de igualdade racial. A cerimômia de comemoração foi realizada aos 20 anos da Secretaria de Políticas Públicas e Igualdade Racial (Seppir).
No evento, o presidente Lula entregou a Anielle a titulação dos territórios quilombolas Serra da Guia, Lagoa dos Campinhos e Brejo dos Crioulos, como sinal de uma nova gestão na promoção dessas políticas.
Assista a íntegra da aula inaugural da Ensp.
Edição e locução de áudio: Lincoln Xavier.