A Educação pós-pandemia – Daniel Cara: ‘Construir a política de educação junto com os educadores é inegociável’
Embora haja um impacto gravíssimo e dramático na vida de crianças, adolescentes e jovens pelo necessário e imprescindível fechamento das escolas, estamos em uma situação na qual ainda não é possível haver uma reabertura. O ensino remoto como enfrentamento imediato da situação provocada pela pandemia de Covid-19, no entanto, deve ser adotado com determinados critérios, considera o cientista político Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em entrevista em podcast gravado para o blog do CEE-Fiocruz. “O Brasil, neste momento, tem números altíssimos de infectados por 100 mil habitantes, tem uma ocupação altíssima de UTIs-Covid e tem uma situação extremamente dolorida de número de mortos. Portanto, não se pode reabrir escolas colocando em risco a vida”, avalia.
Daniel, que também é dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, pondera ao mesmo tempo que, diante da impossibilidade de abertura das escolas para superação da crise sanitária, é preciso que “a realização de ensino remoto passa necessariamente pela distribuição de equipamentos e pela construção de projetos pedagógicos que precisam ser negociados e construídos junto com os professores”.
Nesse sentido, ele faz um alerta em relação às empresas de tecnologia. “Elas têm soluções de acesso, soluções de mediação entre professores e alunos a partir de ferramentas tecnológicas, mas não têm soluções para resolver problemas pedagógicos, que facilitem, por exemplo, um bom processo de ensino-aprendizagem. É preciso colocar foco e centralidade nos professores”, avalia.
Para o educador, quando for possível retomar as aulas presenciais, será preciso que não se cometam os mesmos erros do ensino remoto emergencial, que foi ignorar o conhecimento, a experiência e a especialização dos professores e profissionais da educação. “É importante envolver os professores num processo de transição, da educação remota para educação híbrida e depois uma transição da educação híbrida para a educação presencial, que é a única que funciona”, destaca.
Daniel explica, ainda, que para enfrentar as perdas e danos e reconstruir a educação no pós-pandemia, será imprescindível alterar o financiamento da educação, mudar a própria compreensão da educação e da sua realização em sala de aula, para ganhar a cidade. “Vai precisar ser uma educação mais envolvente, estabelecida a partir de maior convívio entre as pessoas, no sentido de estimular a construção de vínculos dentro da sala de aula. Construir a política de educação junto com os educadores é inegociável, para que consigamos enfrentar a situação de retomar a centralidade da educação, após a pandemia”, avalia o educador, completando que, para isso, “precisamos garantir que a educação de fato seja um direito prioritário, inquestionável e incondicional dentro do país”.
É importante envolver os professores num processo de transição, da educação remota para educação híbrida e depois uma transição da educação híbrida para a educação presencial, que é a única que funciona
Segundo o professor, o Brasil passou o ano de 2020 com muitos sistemas de ensino completamente fechados, sem a modalidade remota, e não preparou as escolas para a retomada das atividades presenciais. Para ele, a retomada das aulas num cenário pós- pandemia requer planejamento. “Preparar a escola é reorganizar o fluxo, o espaço escolar; aumentar a ventilação natural e as medidas de saúde pública que precisam ser implementadas, relacionadas a sanitização, distribuição de álcool em gel e de máscara pff2, N95, autorizadas pelos órgãos de saúde brasileiros. Na prática, tratamos a educação como um fardo, especialmente, os gestores públicos. Educação tem que ser encarada como direito, como algo importante, necessário e prazeroso”, destaca.
Para o educador, outro tema dentro da educação que deve ser destacado é a questão do acesso à internet. De acordo com o professor, a desigualdade nesse acesso é algo que pode ser, para grande maioria da população, facilmente resolvido. “Em 2016, fiz o cálculo de que, para universalizar o acesso à internet e à educação com utilização de tecnologia, eram necessários R$ 11 bilhões. Hoje, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula que são necessário s R$ 3,8 bilhões”.
Para Daniel, essa cifra cabe no orçamento público brasileiro, mesmo diante de toda a situação de calamidade pública. “A distribuição de kits de acesso internet, unidades computacionais e chips é relativamente barata e factível e só não acontece porque não há vontade política”, avalia.
O professor explica, ainda, que o cálculo foi pautado na experiência do Uruguai, implementada pelo Frente Amplio – coalizão eleitoral de esquerda do Uruguai, da qual fazem parte diversos partidos políticos e organizações da sociedade civil. “Uma conselheira de Educação do Uruguai disse algo que pauta meu pensamento sobre esse tema. As tecnologias já se encontram na vida dos jovens, o que ocorre é que elas precisam obedecer a um projeto político-pedagógico. Os professores estão tendo que se reinventar, estão muito mais preparados hoje do que estavam ontem e já sabem utilizar os recursos tecnológicos melhor do que os gestores públicos imaginam. O que acontece é que tanto os professores quanto os alunos não têm acesso a recursos tecnológicos de qualidade, e essa fronteira vai ter que ser rompida”.