Por uma agenda de pesquisa ‘viva’ e sintonizada com as demandas do SUS

Por uma agenda de pesquisa ‘viva’ e sintonizada com as demandas do SUS

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O investimento em pesquisa, de forma articulada e descentralizada, aliando produção científica e demandas sociais, foi defendido pelos convidados do webinário Fomento à pesquisa em Saúde no Brasil: perspectivas futuras, realizado em 29/10/2025, pelo CEE-Fiocruz, no âmbito do Fórum Oswaldo Cruz. O evento é o primeiro da série Pesquisa em Saúde Pública: caminhos da Fiocruz para o fortalecimento do SUS, que tem por objetivo promover a

reflexão sobre como planejar e sustentar uma estratégia científica de longo prazo, capaz de consolidar o Sistema Único de Saúde como política pública de base científica e social.

O tema foi discutido pela diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (Decit/Sectics/MS), Meiruze Sousa Freitas, que abordou a perspectiva do Governo Federal quanto às diretrizes nacionais para a pesquisa em saúde, e pelo presidente do Conselho Nacional das Fundações Estatais de Apoio à Pesquisa (Confap), Márcio de Araújo Pereira, tratando do papel das fundações estaduais na descentralização do fomento científico, com mediação do coordenador do CEE- Fiocruz, Rômulo Paes e Sousa.

Meiruze Freitas destacou o papel do SUS como “um dos pilares para a pesquisa e o desenvolvimento do nosso país”. A diretora do Decit explicou que o departamento que dirige tem como uma de suas competências o fomento à pesquisa, em articulação com todas as áreas do Ministério da Saúde e instituições vinculadas ao Ministério, como a Fiocruz.

“O trabalho leva em consideração as estratégias do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), o Plano Nacional de Saúde, a Política Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação em Saúde, que está diretamente ligada com as ações do Dcit, e o Comitê de Governança de Pesquisa em Saúde do Ministério da Saúde, que dita regras relacionadas às prioridades de pesquisa”, explicou Meiruze. “Essas ações geram impacto na qualidade e equidade, no acesso a produtos e na melhoria dos serviços”.

O fomento à pesquisa, observou, envolve os diversos entes da Federação, em especial por meio do Programa Pesquisa para o SUS (PP-SUS), que descentraliza o apoio à pesquisa para os estados. A diretora citou ainda o Programa Nacional de Ciência e Tecnologia, com diretrizes regulatórias, e, mais recentemente, o Decreto 12.651/2025, que regulamenta a Lei de Pesquisa Clínica.

Meiruze apontou como “pilares dessa bússola do sistema da Ciência e Tecnologia no SUS”, a infraestrutura e o trabalho com redes e instituições de ensino, laboratórios e centros de inovação, com vistas ao desenvolvimento das tecnologias de produtos no Brasil, integrando tecnologia, ações de fomento à ciência e políticas de saúde, e ao desenvolvimento socioeconômico.

“Nessa governança, o próprio SUS tem o propósito de boas práticas de fomento, para melhorar o uso dos recursos públicos em pesquisa em saúde”, ressaltou, destacando o Comitê de Governança de Pesquisas em Saúde, envolvendo todas as secretarias do Ministério, para alinhamento das pesquisas públicas.

Para definir o que é estratégico e prioritário, apontou Meiruze, o Ministério conta com dispositivos como as chamadas públicas; o fomento descentralizado, em gestão compartilhada com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs); e os programas de renúncia fiscal, como o Pronas, voltado ligado a pesquisas para pessoas com deficiência, e o Pronon, para a área oncológica; além de estratégias de contratação direta, com financiamento pelo orçamento da Lei Orçamentária Anual (LOA), emendas parlamentares e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS. “Utilizando sempre a relevância socio-sanitária”, enfatizou.

Ela citou o Programa Agora tem Especialistas, lançado pelo Ministério da Saúde em maio de 2025, como um dos direcionadores das demandas de pesquisa em saúde no país. “É nesse cenário que a Agenda Nacional de Prioridade em Saúde se movimenta”, disse.

De acordo com a diretora, vem sendo levada à frente uma atualização das agendas prioritárias do Ministério da Saúde, refletindo as demandas do SUS, hoje. “O enfrentamento da emergência sanitária da Covid-19 trouxe a necessidade de a agenda de pesquisa ser uma agenda viva”, considerou Meiruze. “A ideia de atualizar vem ao encontro de uma ciência que traz novidades a cada momento. A agenda de pesquisa não pode ser estática, tem que estar em constante movimento”, observou.

A diretora apresentou um gráfico no qual se observa que a necessidade de um “olhar estratégico” para o fomento à pesquisa em doenças crônicas não transmissíveis e para as transmissíveis, bem como na área de pesquisa clínica. Ela apresentou os valores investidos em pesquisa entre 2002 e 2025, totalizando R$ 2,57 bilhões, com quase 8 mil projetos cadastrados. “A área de doenças transmissíveis traz a maior quantidade de dados, mas não tem, como correspondente, o maior volume de recursos. Estes vão para o desenvolvimento de tecnologias”, contabilizou. “Há diversas subagendas que precisam de maior atenção”.

Meiruze chamou atenção para o potencial brasileiro na área de pesquisa clínica, citando relatório do Instituto IQVIA, voltado a análises de financiamento em Pesquisa & Desenvolvimento. O estudo apontou que, se o Brasil avançar na regulamentação e na prática da pesquisa clínica, poderá saltar da 20ª para a 10ª posição no ranking global, atraindo investimentos e beneficiando a população.

“Que a gente possa ampliar pesquisas realizadas tanto na fase 1 quanto na fase 2, e tenha maior translação do desenvolvimento pré-clínico para o desenvolvimento clínico”, defendeu, observando que o decreto da Nova Indústria Brasil (NIB) tem esse propósito como eixo estratégico. “Ampliar a posição do Brasil é uma briga hoje, no bom sentido. Países como Reino Unido, da União Europeia, Egito, Turquia, vêm fazendo movimentos para que se tornarem proeminentes na participação em pesquisas clínicas”, destacou, lembrando também do “movimento que a China está fazendo”, mudando seu arcabouço para se tornar o país com maior número de pesquisas clínicas e de patentes.

A consulta pública 69/2025, do Decit/Sectics/MS, lançada em agosto de 2025, para identificar o cenário atual e os desafios na condução de pesquisas clínicas no país, indicou Meiruze, é um exemplo de atuação “de forma participativa, plural”. O relatório da consulta pública foi divulgado em outubro e será debatido nos dias 13 e 14 de novembro.

Ela chamou atenção também, entre outros pontos, para a importância da formação na área de pesquisa clínica e para o papel estratégico da Fiocruz nesse caminho e para a relevância do Genoma, não só por voltar-se a conhecer a diversidade e a riqueza da população brasileira, mas também pelas ações na área da Cardiologia, Oncologia e doenças raras, apontando para o espaço a ser ocupado pela medicina de precisão.

Em sua exposição Márcio de Araújo Pereira destacou o papel estratégico das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) na descentralização do fomento científico e na articulação entre ciência, sociedade e saúde.

Segundo ele, as FAPs cumprem uma função essencial de capilarizar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação, aproximando as pesquisas das necessidades concretas de cada região do país. “O olhar para o investimento das Fundações de Amparo à Pesquisa é fundamental. O clássico papel do PPSUS (Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde)  mostra a importância da formação de linhas de pesquisa estado por estado, em diálogo com os pesquisadores locais e as necessidades específicas de cada região”, afirmou.

Márcio também abordou os desafios enfrentados por cada estado, considerando suas diferentes realidades orçamentárias. “Há FAPs que precisam de um olhar específico e outras que já caminham sozinhas”, explicou, defendendo a busca por estruturas de apoio mais equitativas.

Durante sua fala, o presidente do Confap reforçou a importância da cooperação federativa e da articulação entre recursos estaduais, federais e internacionais. “Conseguimos compor recursos nacionais e internacionais, inclusive com a União Europeia, e trabalhar para soluções comuns. Essa composição é fundamental para resultados relevantes”, ressaltou.

Entre os programas de destaque, citou o PPSUS, o Tecnova e o Centelha, que articulam inovação e empreendedorismo voltados à saúde. Ele propôs o avanço para novas áreas tecnológicas e citou a startup deep techs como uma estratégia que pode resolver problemas complexos e globais usando tecnologias inovadoras baseadas em descobertas científicas e de engenharia. “Talvez seja a hora de avançar para as deep techs voltadas à saúde, buscando soluções em conjunto com o mercado e a academia”, observou.

Ao mencionar o impacto da inteligência artificial, Márcio destacou o caráter transversal e transformador dessas tecnologias. “A inteligência artificial está aí, transdisciplinar, em todos os cantos. Isso revoluciona a bioeconomia, a genômica e o olhar sobre a população”, pontuou.

Em sua avaliação, a consolidação de uma política de Estado voltada à soberania científica e tecnológica é fundamental para o Brasil. “A soberania científica e tecnológica é crucial para um país como o Brasil, que já domina várias áreas, mas pode avançar e ser mais efetivo”, defendeu.

Márcio ressaltou ainda que o fomento à pesquisa precisa ser contínuo e sustentável, evitando interrupções que prejudiquem o sistema. “A pesquisa em saúde é contínua. Qualquer interrupção é danosa a todo o sistema. Precisamos garantir continuidade e previsibilidade orçamentária”, afirmou, reforçando a importância do trabalho integrado também pensado na preparação e respostas a possíveis e novas pandemias.  “O trabalho integrado de ciência, clínica e inovação fortalece o SUS e prepara o país para emergências sanitárias futuras”, avaliou.

O presidente também lembrou que todas as 27 unidades da federação hoje contam com fundações estaduais de amparo à pesquisa. “Estamos em todo o Brasil. Temos a expertise do PPSUS, um modelo aprimorado a cada edição, e podemos pensar em novos formatos, como um ‘Centelha Saúde’, voltado especificamente para soluções inovadoras na área da saúde”, sugeriu.

Na visão de Márcio, parcerias institucionais são fundamentais para a consolidação do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. “A parceria com a Fiocruz é fundamental, assim como com o CNPq, a Finep, a Capes e até com a União Europeia. Todos esses atores têm um papel estratégico na formação de recursos humanos e na ampliação das oportunidades de fomento”, destacou.

Encerrando sua fala, Márcio enfatizou a necessidade de integração entre ciência, clínica e inovação e a construção de indicadores nacionais e estaduais unificados para mensurar o impacto social da pesquisa. “Temos vários observatórios no Brasil, mas precisamos unificar o entendimento e parametrizar os indicadores para termos um caminho claro”, disse.

Para ele, o fortalecimento da ciência e o investimento contínuo no setor são inseparáveis do fortalecimento do SUS. “A saúde é segurança para as pessoas. Fortalecer a ciência é fortalecer o Sistema Único de Saúde, com fomento contínuo, cooperativo e colaborativo”, concluiu.

 

Fórum Oswaldo Cruz

Fórum Oswaldo Cruz, instituído em agosto de 2025, como parte das celebrações de 125 anos da Fiocruz, é um espaço de debates e construção coletiva voltado ao desenvolvimento de uma agenda de pesquisa integrada da instituição, orientada pelas necessidades do SUS e pelos desafios contemporâneos da ciência, em nível nacional e global. A proposta busca reafirmar o compromisso da Fiocruz com a ciência, a inovação e a soberania sanitária brasileira. 

A pesquisa em saúde no Brasil enfrenta desafios como restrições orçamentárias, desigualdades no financiamento, fragmentação institucional e novas demandas provocadas por mudanças sociais, ambientais e tecnológicas. Esses desafios exigem ação coordenada e sustentada por políticas de Estado que reconheçam a pesquisa como investimento essencial para a autonomia científica, a soberania nacional e a proteção da vida.

Neste contexto, a Fiocruz desempenha papel central como instituição estratégica de Estado, articulando pesquisa em saúde com políticas públicas e com a formação de recursos humanos. Sua atuação fortalece a capacidade do país de enfrentar desafios sanitários complexos, como epidemias, doenças crônicas e desigualdades em saúde, por meio de uma agenda científica que integra conhecimento acadêmico, inovação tecnológica e demandas sociais.