Pandemia evidenciou importância da ciência e seus benefícios, afirmam especialistas
Pubçlicado no site da SBPC
A pandemia da covid-19 trouxe de volta a discussão sobre a importância da ciência e seus benefícios para a população e a sociedade, afirmaram os participantes da audiência pública realizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. O evento, realizado na última segunda-feira (8), discutiu a “percepção da sociedade acerca da importância da ciência para o País”. A audiência foi transmitida ao vivo pelo YouTube e aberta a perguntas pelo portal e-Democracia.
O deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), autor do pedido de audiência, lembrou que grande parte da população brasileira ainda desconhece a importância da ciência para o presente e o futuro. “A tecnologia e a inovação é o ponto comum entre os países que mais se desenvolveram nos últimos 40 anos do mundo. São aqueles países que mais investiram nas estratégias de valorização e desenvolvimento da pesquisa e inovação. Portanto, esse é um passaporte para o futuro absolutamente essencial para o desenvolvimento econômico e social do Brasil”, afirmou na abertura do evento.
A diretora de Cooperação Institucional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Maria Zaíra Turchi, comentou os resultados da pesquisa e citou pesquisa realizada em 2019 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) para conhecer o grau de informação da população sobre a importância da ciência e da tecnologia no País. “Percebemos que um percentual significativo de brasileiros e brasileiras acham que a ciência e a tecnologia trazem mais benefícios que malefícios. É também muito interessante verificar que 62% desses entrevistados se dizem interessados ou muito interessados em algum assunto relacionado ao tema, sobretudo com destaque a medicina, saúde e meio ambiente”. No entanto, a pesquisadora apontou que essa constatação ainda é um tanto vaga. “Ninguém é capaz de citar um cientista, ou mesmo de compreender, do ponto de vista prático, os resultados da ciência para o desenvolvimento da sociedade, ou para a cura das pessoas. Não há uma clareza nesse sentido”, afirmou.
Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apontou que, embora a opinião popular seja favorável à ciência, muitos não sabem os seus conteúdos ou como seus resultados impactam diretamente em suas vidas. “Isso significa que nós temos uma situação em que a maior parte da população brasileira tem o seu smartphone, mas as pessoas usam sem saber toda a ciência embutida nisso”.
Para Celso Pansera, secretário-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), a pandemia trouxe de volta a discussão da importância da ciência e tecnologia, porém ainda há muita dificuldade para a maior parte da população compreender como ela impacta no seu dia a dia. “A maior parte da população ainda não consegue compreender como a ciência faz parte do seu dia a dia e como pode fato melhorar sua vida — ou piorar, na sua ausência”. Para ele, é necessário um projeto de governo que coloque a ciência como peça fundamental na construção do País. “Precisamos mostrar que a ciência é tão importante quanto construir casas ou construir estradas”.
Flávia Calé da Silva, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), afirmou que a ciência precisa ter centralidade no projeto nacional. “A ciência precisa ser transversal nas políticas do País. Nós precisamos ter todas as áreas — desde as cadeias produtivas industriais até a política de mobilidade urbana — com centralidade na ciência. E o carro chefe devia ser a questão ambiental para a introdução dessa transversalidade. Ela pode ser o grande impulsionador da ciência em todos os campos”, afirmou.
Recursos
No entanto, segundo os participantes, faltam estímulos financeiros, educacionais e culturais para o desenvolvimento da área científica no Brasil. Os constantes cortes nos recursos destinados à ciência vêm prejudicando grandemente o andamento das pesquisas e comprometendo o futuro da ciência no País. “Se a percepção da ciência vai ser melhor ou pior, vai depender do grau investimento que se destina à ciência. Se você tem a ciência com pires na mão todos os meses, todos os anos, para conseguir o recurso mínimo para seu funcionamento, quem vai nos respeitar? Como queremos que as pessoas vejam a ciência como algo importante se nem o Estado brasileiro vê?”, alertou Silva.
A questão da imagem da ciência, especialmente aquela transmitida por aqueles que estão no poder, é um ponto delicado e importante. “No último período piorou muito essa percepção quando se tem um chefe do Executivo que se nega usar a vacina, por exemplo. Isso é uma desconstrução da ideia de que a medicina é fruto da pesquisa cientifica. Esse é o exemplo que você transmite para as pessoas que já têm dúvidas!”, apontou Pansera.
O corte de recursos econômicos não é a única ameaça que sofre a ciência: a falta de recursos educacionais e culturais também preocupa os cientistas. “Se formos começar de onde deve começar, temos que pensar na educação básica, temos que formar nossas crianças e nossos jovens com essa percepção mais clara da importância do papel da ciência e de como ela trabalha”, defendeu Turchi.
Para Janine Ribeiro, não é possível pensar no futuro do Brasil sem ciência e tecnologia. “O nosso futuro depende do avanço científico”, enfatizou. “Ele permitirá que o Brasil deixe de ser um ‘país do futuro’ para que seja um ‘país do presente’, com exploração sustentável da nossa biodiversidade e com oportunidades iguais para todos que hoje são privados de futuro por conta da pobreza e de várias outras formas de carência de terem reconhecidos seus talentos, e que poderiam se tornar grandes cientistas, grandes empresários, grandes médicos, e grandes professores. É um trabalho muito importante no qual o Brasil precisa se empenhar, revertendo o rumo equivocado dos últimos anos”.
Assista aqui à audiência na íntegra
Chris Bueno – Jornal da Ciência