Webinário convida a desconstruir padrões no uso das tecnologias digitais e a ter as pessoas no centro dos procedimentos

Webinário convida a desconstruir padrões no uso das tecnologias digitais e a ter as pessoas no centro dos procedimentos

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Com o objetivo de abordar a aplicação das tecnologias digitais em prol da atenção ao câncer, na melhoria do acesso a diagnóstico precoce e no tratamento, bem como na gestão de recursos, em meio aos desafios relacionados às desigualdades regionais, à capacitação profissional e à segurança no uso de dados dos usuários, o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz realizou o webinário ‘As tecnologias digitais na atenção ao câncer’ em 14/2/2025. O evento faz parte da série 'Transformação Digital na Saúde Pública' e foi transmitido pelo canal da Video Saúde da Fiocruz. A íntegra do webinário pode ser assistida aqui.

Como palestrantes, estiveram reunidos o oncologista clínico Carlos José Andrade, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), fundador da plataforma Lila, voltada à conexão de equipes de saúde e pacientes oncológicos; o professor Chao Lung Wen, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e líder do grupo de pesquisa USP de Telemedicina, Tecnologias Educacionais e e-Health no CNPq; a subsecretária geral da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Fernanda Adães; e o cirurgião oncológico Marcos Adriano Jota, diretor nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO. A abertura ficou a cargo da pesquisadora Virgínia Fava, do CEE-Fiocruz, organizadora da série de webinários. E a mediação foi realizada pelo médico sanitarista Luiz Antonio Santini, diretor do Inca entre 2005 e 2015 e  pelo ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão,  ambos pesquisadores do CEE, onde coordenam o projeto de pesquisa Doenças Crônicas e Tecnologias de Saúde.

José Gomes Temporão destacou a relevância do tema da transformação digital na atenção ao câncer, e enfatizou a desigualdade de acesso como nosso principal gargalo. “São muitos os desafios, mas a questão da equidade é extremamente importante para pensar acesso no Brasil”, pontuou.  Luís Antonio Santini sublinhou a importância de pensar políticas públicas de saúde a partir das diversas desigualdades enfrentadas no Brasil e destacou o papel crucial do Sistema Único de Saúde no avanço do controle de câncer no país. “Recentemente, tivemos uma aprovação da lei para o controle do câncer no nosso país, que talvez seja o único país do mundo a ter uma lei estruturada para o controle do câncer dentro do Sistema público de Saúde”, destacou.
 

A aplicação de tecnologias de informação e comunicação na atenção oncológica

O oncologista clínico Carlos José Andrade, do Instituto Nacional do Câncer (Inca) abriu as palestras apresentando a plataforma Lila, plataforma de comunicação entre equipes de saúde e pacientes oncológicos, a qual ele coordena. 

Com base no método Patient-Report Oucome (PRO), que utiliza resultados de saúde relatados diretamente por pacientes ao experimentarem um determinado tratamento, Carlos José e sua equipe, por meio de um edital da Fapesp, desenvolveram um conjunto de aplicativos para melhorar a comunicação entre pacientes oncológicos e profissionais de saúde.

 “Um aplicativo na mão do paciente, uma versão web na sala do profissional de saúde, um aplicativo também para o profissional de saúde e um dashboard para o gestor”, explicou o pesquisador. A ideia que norteou o projeto foi utilizar “o meio digital como uma oportunidade para reduzir as desigualdades (no acesso aos cuidados) e que a gente pudesse alcançar. se aproximar das pessoas e a partir daí melhorar os desfechos”, disse Carlos.  De acordo com o oncologista, o Brasil ocupa o 42º lugar em termos de qualidade de morte (dados de 2015), e  apenas 3% das pessoas no Brasil têm acesso a uma equipe de cuidado paliativo.

A ferramenta permite captar as queixas do paciente, oferecendo a possibilidade de um acompanhamento médico mais próximo sobre a saúde dos pacientes. A qualquer momento o paciente pode relatar sua queixa de acordo com a Escala de Avaliação de Sintomas de Edmonton (ESAS) _ instrumento de avaliação que mede sintomas físicos e psicológicos em pacientes com câncer.  “ Ele pode falar com a equipe de saúde a hora que  precisar, fazer um relato semanal sobre seu estado de saúde, receber notificação para capturar sua performance, a qualidade de vida,  além de avisos e notícias”, explicou Carlos. 

Da parte das equipes de saúde, a ferramenta permite uma resposta mais eficaz dos profissionais às necessidades dos pacientes. “É uma maneira de proativamente estarmos oferecendo informação, avisos, campanhas de vacinação, dicas de autocuidado, tudo o que se pode comunicar em escala com os pacientes”.

Experiências internacionais com o uso de ferramentas digitais para mediar a comunicação entre pacientes e equipe médica mostram “impacto na sobrevida e na melhora da qualidade de vida dos pacientes, reduzindo a necessidade de idas à emergência”, ressaltou o oncologista. “Se isso fosse uma droga, já estaria incorporado há muito tempo, mas basicamente é uma forma de a gente se comunicar melhor”, pontuou Carlos. “Mais de 50% das idas à emergência da população oncológica são evitáveis”, sublinhou o pesquisador. A falta de um protocolo de comunicação ou uma comunicação sem segurança e   intrusiva, segundo sua avaliação, contribuem para essa situação.

Quando se faz uma análise de custo-efetividade, a utilização dessa estratégia de comunicação digital das equipes de saúde com os pacientes, além de aumentar o benefício do ponto de vista de sobrevida, têm economizado recursos. “Os pacientes oncológicos têm sintomas pela doença e pelo tratamento, as equipes estão muito sobrecarregadas e os gestores precisam entender onde melhor alocar o recurso”.
 

‘‘Temos que ser digitais, humanos e eficientes’

Ao abrir sua exposição, o professor Chao Lung Wen, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), pontuou: “Vou mostrar fatos, mas também trazer pontos de reflexão. Não estamos cuidando de câncer, estamos cuidando de pessoas”. Líder do grupo de pesquisa USP de Telemedicina, Tecnologias Educacionais e e-Health no CNPq, Chao Wen defendeu que a tecnologia se destine a um propósito, que, por sua vez, venha a gerar um desfecho, e afirmou que não existe uma dicotomia entre medicina e telemedicina, e sim uma fusão, “criando-se a medicina conectada, que vamos chamar de medicina sem distância”.

Chao Wen convidou a repensar o verdadeiro papel da telemedicina – área com a qual trabalha desde 1997 – no âmbito da telessaúde. Ele lembrou, a propósito, de experiência coordenada por José Temporão, então ministro da Saúde, em 2006, no município de Parintins (AM), o primeiro a introduzir a telessaúde no país. “Então, nós temos evoluído”, considerou.

Redução de desperdício, para além da redução de custo; integração do cuidado, reduzindo-se a fragmentação; promoção da saúde; e promoção do estilo de vida devem estar no radar da telessaúde, apontou o professor. “Para fazer o controle do câncer, não basta a intervenção quando já se tem câncer. É preciso gerar estilos de vida, que reduzam ocorrências e sinistros”, observou, propondo uma “descentralização da saúde” e trazendo o conceito de saúde distribuída, voltada ao cuidado no dia a dia.

“Temos que ser inteligentemente digitais, inteligentemente humanos, inteligentemente eficientes. Essas são as grandes áreas da telemedicina e da telessaúde”, definiu.

Para Chao Wen, a telemedicina e a telessaúde não se resumem à teleconsulta, sustentando-se, em vez disso, em cinco pontos – prevenção, teleassistência, promoção de saúde, teleducação e telepesquisa – que, ao se relacionarem (em especial, a teleassistência, a teleducação e a telepesquisa), podem potencializar, inclusive, a qualificação dos profissionais do SUS”.

O professor trouxe exemplos de linhas de cuidado, que chama de cuidados integrados. “Uma pessoa com câncer é uma pessoa com câncer, tenho que cuidar do seu estilo de vida, desenvolver bem-estar emocional, físico, intelectual, social”, observou, referindo-se a uma abordagem biopsicossocial. Nesse sentido, propõe a telessaúde integrada, com a criação de centrais ou coordenadorias biopsicossociais para cuidar das diversas necessidades de uma pessoa.

Essas centrais, explicou, devem reunir unidades de teletriagem, telemonitoramento e interconsulta, com uma junta profissional para discutir os casos. “Essa é a verdadeira saúde digital, e não apenas a restrição a uma teleconsulta à distância”, definiu. “Temos que criar os ambulatórios biopsicossociais com a visão de um e-multi, porque não estamos cuidando apenas da doença, mas da pessoa no seu sentido mais amplo, global”.

O professor apresentou imagens de uma coordenadoria de saúde integrada, com área para telediagnóstico e emissão de pareceres, área de cuidados individuais para fins de telemonitoramento, teleconsulta especializada, teleinterconsulta, teleconsultoria e telejunta profissional ou multiprofissional especializada, “usando a conectividade para criar rede”.

Para alcançar esse cenário, explicou Chao Wen, os hospitais terão que se modernizar, tornando-se hospitais digitais, híbridos, aumentando sua eficiência interna, conectando-se em rede e desenvolvendo uma logística apropriada, estendendo-se, ainda, ao telemonitoramento domiciliar, após as altas. “A tecnologia está, cada vez mais, simplificando esse processo para nós”, disse, sugerindo: “Em um hospital híbrido, como poderíamos, em telemedicina e telessaúde, aumentar em 15% a disponibilidade de leitos funcionais, sem ter que abrir um só leito a mais? Isso é eficiência”.

Essas propostas viraram lei no município de Santos (SP), onde o professor atua desde 2015, com a aprovação da Lei da Telessaúde Integrada (Lei nº 4.204/2023), complementar à Lei da Telessaúde (nº 14.510), “rompendo com a ideia da segmentação e promovendo a integração entre os diferentes níveis de cuidados em saúde” observou.

“A tecnologia deve ser a ferramenta, e nós temos que ser críticos e inteligentemente estratégicos para aplicá-la na medida adequada, de inovação de processos, olhando para o lado humano e para o desfecho”.
 

O uso da tecnologia no acesso e na eficiência do sistema público de saúde 

A Subsecretária Geral da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Fernanda Adães trouxe um panorama geral de como tem sido a coordenação e o planejamento das atividades no município do Rio, diante dos desafios das transformações digitais e de um cenário ainda tão desigual em relação ao acesso ao cuidado dentro do sistema público de saúde. 

Segundo a subsecretária, para aumentar a eficiência do sistema e diminuir as desigualdades do acesso às unidades de alta complexidade no estado do Rio, está prevista  a implantação de mais dois Super Centros Carioca, um na Zona Norte e outro na Zona Oeste.

O Super Centro Carioca de Saúde é um complexo de saúde pública da prefeitura do Rio de Janeiro, que oferece consultas, exames e procedimentos. É composto por três unidades, sendo elas: um Centro de Especialidades, um de Diagnóstico e Tratamento por Imagem e outro chamado Centro do Olho. 

De acordo com Fernanda, a ideia é ampliar a rede de atendimentos e diminuir ao máximo a fila no Sisreg (Sistema Nacional de Regulação), isso porque, hoje, o estado do Rio conta com menos de sete unidades de alta complexidade, o que tem impactado nos tempos de diagnósticos e de tratamento. “O objetivo é justamente reduzir o tempo de espera”, explicou a subsecretária.

No que diz respeito as tecnologias que auxiliam na eficiência do sistema, Fernanda trouxe um panorama sobre os mais de 38 bases de dados de saúde desenvolvidas e geridas pelo Ministério da Saúde, e destacou como a integração desses dados tem sido fonte importante para organização dos gestores locais. “Os gestores podem acessar e estruturar esses dados para melhorar a prestação de serviço de saúde, gerir e organizar o sistema”, relatou.

Segundo a subsecretária, um dos grandes desafios tem sido lidar com o “emaranhado” de dados, mas o município do Rio já vem trabalhando num data lake, sistema que centraliza e armazena grandes volumes de informações, no intuito de “organizar bases dos prontuários eletrônicos e dos diferentes pontos da rede, como hospitais universitários, centros de imagem, laboratórios, unidades privadas, tudo numa linguagem própria e integrada”, destacou.

De acordo com Fernanda, o Rio já constata alguns casos de uso bem-sucedido do data lake da saúde no município. Um deles “com o sistema de gestão de farmácias, em que pudemos ter uma maior rastreabilidade no consumo de cada um dos itens farmacológicos e o caso de histórico clínico integrado, que busca trazer as passagens do usuário por cada ponto de atenção da rede assistencial”, revelou.

Para a subsecretária de Saúde, o sistema possibilita uma visão global do paciente, evita redundâncias de informações, e impede um conjunto de erros na condução do caso, além de auxiliar o paciente no acesso às suas próprias informações.

No intuito de ampliar ainda mais o acesso, Fernanda revela que a prefeitura do Rio pretende, ainda em 2025, lançar o sistema de vigilância com navegação 100% digital. A ideia é através do aplicativo Minha Saúde.Rio, gerar alertas de saúde para o paciente, gerar mais eficiência tanto para o profissional de saúde, através dos prontuários eletrônicos, quanto para os gestores, através de ferramentas de Power BI.
 

Pessoas, processos e tecnologias

O cirurgião Marcos Adriano Jota, diretor nacional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), apresentou as aplicações das tecnologias digitais nos procedimentos cirúrgicos, trazendo o exemplo da robótica aplicada à cirurgia oncológica. Ele explicou que a cirurgia robótica conta com interfaces digitais que interpretam e convertem os comandos do cirurgião, com captação de imagens por lentes que propiciam uma visão 3D. O procedimento conta também com algoritmos de filtragem de tremor e precisão do movimento, o que ajuda nas cirurgias mais delicadas.

“A cirurgia robótica traz precisão e controle no cuidado ao paciente, durante o ato cirúrgico. Temos hoje diversas vantagens, como movimentos filtrados e precisos, visualização 3D de alta definição e melhor ergonomia para o cirurgião”, enumerou o médico. “Mas, obviamente, também temos alguns desafios, como o acesso e o custo dessa tecnologia”, observou.

Acoplada à cirurgia robótica, acrescentou Marcos Jota, há a tecnologia da fluorescência cirúrgica guiada por imagem, que permite avaliar a permeabilidade dos tecidos e identificar linfonodos, entre outras possibilidades, trazendo benefícios como melhor delineamento das margens cirúrgicas. A técnica prevê o uso de um contraste injetado por via endovenosa, com auxílio de uma câmera específica que encontra a área desejada.

O médico apresentou vídeos de procedimentos cirúrgicos, como cirurgia colorretal, cardíaca e gástrica, para mostrar as aplicações desse recurso na prática: os tecidos vascularizados ficam coloridos e o tecido morto a ser retirado torna-se bem visível. “Ajuda na melhor delimitação, no melhor cuidado e em uma cirurgia oncológica mais segura, com melhores desfechos para o paciente”, destacou.

O cirurgião mostrou também a aplicação da tecnologia digital na captação ativa de pacientes, por meio dos exames de imagem realizados, utilizando-se a classificação por hashtags das alterações rastreadas nos laudos, em diversas especialidades (cirurgia torácica, cirurgia oncológica, mastologia, entre outras). “O radiologista faz o laudo normalmente, identificando alguma alteração suspeita, e, ao final do laudo, traça sua impressão diagnóstica e insere uma hashtag. Cada alteração tem uma hashtag específica”, disse, explicando que esse procedimento leva ao reconhecimento do laudo e, com o uso da plataforma Power BI, de visualização de dados, é possível acessar as informações do paciente e inseri-lo em uma jornada de cuidado específica.

Marcos Jota trouxe, ainda, um exemplo de aplicação de tecnologia digital no cuidado pré-operatório, por meio de uma plataforma disponível na internet, na qual é inserido o exame de imagem e a altura do paciente, obtendo-se uma avaliação de sua composição corporal. E lembrou que estão disponíveis diversas plataformas voltadas à coordenação do cuidado ao paciente, inclusive com serviço de mensagens via whatsapp. “Na minha visão, o maior problema, hoje, na Oncologia, é o cuidado descoordenado”, apontou. “Um cuidado coordenado precisa de uma linha de cuidado bem definida, com pré-intervenção,  intervenção,  pós-intervenção e monitoramento contínuo, trazendo o ponto de vista do paciente cirúrgico”.

Conforme pontuou, “é muito interessante trabalhar a gestão de saúde com a sigla PPT, Pessoas, Processos e Tecnologia”. As plataformas de cuidado, considerou, possibilitam captar os pacientes, promover a navegação desses pacientes e trazer mais engajamento no tratamento, com resultados bem definidos, diminuindo os gaps de cuidado, automatizando o processo, abandonando o trabalho manual e de planilhas, inclusive com uma comunicação segura com os pacientes.

“Trouxe aqui exemplos de tecnologias digitais, mas trouxe também uma outra visão dessas tecnologias e da cirurgia oncológica, com um cirurgião realmente do século 21, como um drone. Subimos e olhamos o cuidado perioperatório como um todo”.