Opinião – E seu lobo chegou

Opinião – E seu lobo chegou

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Enfim o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff – supostamente por pedaladas fiscais cometidas em seu mandato anterior. Mas a questão parece ser outra: supostamente, de novo, seria por conta da decisão do PT de votar a favor da continuidade do processo de cassação de Cunha, por haver mentido quanto à existência de contas suas, ilegais, no exterior.

Fato é que, desde a prisão do senador Delcídio Amaral, o clima em Brasília parece ir de mal a pior entre os políticos que governam o Brasil. O senador foi preso por conta da grande pressão que a gravação que configurou um flagrante desencadeou sobre os próprios integrantes do STF, porém sobretudo devido a uma interpretação do significado da situação em que foi pilhado, configurando o flagrante: crime continuado, formação de quadrilha, obstrução da Justiça. Duas semanas antes, havia dito o ministro Teori Zavascki – responsável pela Lava-Jato no STF – que a interpretação se põe nos quadros cada vez mais acentuados entre nós de uma aproximação à common law (esta de origem anglo-saxônica, mais calcada em jurisprudência, nossa tradição radicando-se na chamada civil law europeia continental). Ver aqui (http://www.conjur.com.br/2015-nov-10/caminhamos-passos-largos-common-law-teori-zavascki).

A cúpula do PMDB em particular parece estar especialmente inquieta com a situação. Já circula que o pedido de impeachment foi liberado por Cunha com ao menos a conivência de peemedebistas de grosso calibre, entre eles Michel Temer, vice-presidente da República, temerosos da exposição que podem sofrer pelos delatores que se multiplicam e se afligem de maneira cada vez desesperada.

Para o PT, em princípio, a abertura do impeachment é boa – especialmente na medida em que o governo conseguiu no mesmo dia ganhar a votação que lhe permite fechar o ano com uma meta fiscal brutalmente deficitária. O partido reagiu – contra o desejo do ex-presidente Lula e do governo – e decidiu votar pela abertura do processo de cassação contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara, por quebra do decoro parlamentar. Assim, vindo esta óbvia tentativa de golpe, o PT pode levar adiante uma mobilização contra ela e recuperar um pouco a iniciativa, juntamente com os movimentos sociais, que lhe era negada até agora, inclusive porque a política econômica atual o empareda totalmente.

Mas ainda se verão os desdobramentos da crise nos próximos meses. Aparentemente o PSDB se uniu. As dificuldades que por exemplo o governador Geraldo Alckmin enfrenta por conta da linda ocupação das escolas em São Paulo vem mais uma vez a provar a impopularidade e incapacidade do partido de lidar com as classes médias baixas e as classes populares, que seguem reivindicando direitos – agora na voz e na ação de adolescentes que se inspiram em parte nas manifestações de 2013. Com a crise econômica que não para de se agravar – e piorará muito no próximo ano, ao menos em seus efeitos sobre a população, mas talvez também de modo mais geral – a insatisfação da população pode se voltar contra Dilma e pelo impeachment. É o que teme Lula. Somando isso a movimentações dentro do próprio aparelho de Estado (especialmente STE e TCU), as coisas podem degringolar.

Não haverá, como desejam alguns, conciliação. A crise política deve se aprofundar – a aventura de Cunha e comparsas, acompanhado do PSBD e de seus satélites, PPS e em larga medida o PSB, vai agravar, mas não é garantido que o PT venha realmente a lucrar com ela. No momento ao menos o jogo é de soma radicalmente negativa – todos, principalmente a população, é claro, perdem. Pode-se imaginar que o STF bloqueie o processo de impeachment, mas ele será, caso isso ocorra, retomado de outras maneiras.

Nem quer dizer isso que o PT aumenta seu cacife. Pelo menos o partido escapou da humilhação e desmoralização que era imposta pela pressão para proteger Cunha. Mas a situação do país somente piora, e a conta lhe será também por isso apresentada. A Lava-Jato deve ademais seguir fazendo seus estragos. Enquanto isso Rede e PSOL seguem sua trajetória, a ver onde podem chegar, seu crescimento sendo mais que provável neste momento.

De todo modo as esquerdas, mais que isso, as forças democráticas e progressistas do país de modo geral devem se unir para barrar o golpe civil em curso – esteja ou não constitucionalmente facultado. É um bom começo para pensar, mais adiante, em alianças mais profundas e que destravem a pauta de avanços que o Brasil vive desde os anos 1980.

Parecia, há duas semanas, que a situação se acalmaria. Mas esta é demasiadamente grave. Conjugada ao esgotamento de largos ciclos políticos – da democratização, do PT em sua hegemonia, dos governos Lula e Dilma –, arrasta tudo e a todos, em momento de extrema confusão e incapacidade, por parte das forças políticas dominantes, de oferecer saídas viáveis ao país. O lodaçal é espesso, mas não chegamos a seu fundo. Nem sabemos onde se localiza. Até que um novo ciclo consiga realmente decolar, ainda agonizaremos. Mas é preciso prepará-lo desde já, a despeito, em meio e por conta mesmo da situação que, dramaticamente, nos toca agora viver.

* Professor e pesquisador de Sociologia do Iesp/Uerj e pesquisador associado ao CEE-Fiocruz; autor do livro O Brasil entre o presente e o futuro (Mauad, 2015, 2ª edição)