Mobilizar, debater, documentar, resistir: especialistas apontam as perspectivas para o novo ano

Mobilizar, debater, documentar, resistir: especialistas apontam as perspectivas para o novo ano

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Cartaz com o símbolo do SUS azul ao fundo e os dizeres '2017 foi um ano marcado por RETROCESSOS [a palavra Retrocessos em destaque]. O que esperar de 2018?'

Medidas como a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (Pnab), abalando um dos pilares do Sistema Único de Saúde; a aprovação da Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto para os gastos públicos por vinte anos; a reformulação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), retirando direitos do trabalhador, ao flexibilizar regras relacionadas a jornada de trabalho, férias e planos de , entre outras, e regulamentar o que a nova lei chama de “trabalho intermitente”; e mudanças na Política Nacional de Saúde Mental, abrindo espaço ao restabelecimento dos manicômios, são alguns exemplos de que o Brasil viveu em 2017 um período de perdas e retrocessos.

“O Brasil está sentado sobre um vulcão”, considera Altamiro Borges, diretor do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, que, ao lado de especialistas da área da Saúde, analisa para o blog do CEE-Fiocruz o momento desafiador por que passa o país e as perspectivas para 2018.

“Temos o dever cívico de resistir, denunciar e documentar os impactos negativos das políticas de ajuste fiscal”, resume a pesquisadora Ligia Giovanella, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e do CEE-Fiocruz.

Leia as análises, clicando nos links a seguir.

 

Jairnilson Paim (ISC/UFBA): Agir contra as ameaças de um simulacro do SUS constitucional

Jorge Bermudez (Ensp/Fiocruz): O Brasil tem que voltar a ser modelo para os países em desenvolvimento

Ligia Giovanella (Ensp/Fiocruz, CEE-Fiocruz): Denunciar, resistir e documentar os impactos negativos das políticas de ajuste fiscal

Gastão Wagner, presidente da Abrasco: Debate com quem vem cedendo à ideia de terceirizar o SUS em nome da racionalidade

Isabela Soares Santos (Ensp/Fiocruz, Cebes): O debate deve passar pela identificação de a quem interessa o aumento da desigualdade

Dalia Romero (Icict/Fiocruz): Não será esta conjuntura que nos fará abandonar a luta

Altamiro Borges (Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé): Sem o povo nas ruas nem as eleições de outubro de 2018 estão garantidas

 

 

Jairnilson Paim (ISC/UFBA)
Agir contra as ameaças de um simulacro do SUS constitucional

“Em 2008, publiquei um livro pela Editora Fiocruz [Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão e crítica] que, entre outras questões, indagava se a Reforma Sanitária Brasileira seria uma promessa não cumprida pelas forças políticas que apostaram na transição democrática e que propiciaram a Constituição de 1988. Antes do golpe de 2016, formulei a pergunta noutra perspectiva: por que, apesar de tantos obstáculos e de tantas forças político-ideológicas contrárias, conseguimos chegar a esse SUS que temos hoje, com tantas conquistas, inclusive com impacto na redução de desigualdade sociais e de saúde, e na melhoria de  indicadores, com a redução de taxas de mortalidade e o aumento da expectativa de vida, entre outros? Essa pergunta precisa ser respondida por pesquisas, para além da retórica.
Quando aprofundamos a reflexão crítica sobre os trinta anos do SUS, precisamos sistematizar seus vetores negativos (obstáculos, impasses e contradições) confrontando-os com os vetores positivos (conquistas, superações, convergências). O pessimismo da razão aponta as consequências negativas decorrentes da EC-95, da reformulação do Plano Nacional de Atenção Básica, dos retrocessos na Reforma Psiquiátrica e nas modalidades de repasse de recursos federais para estados e municípios. O otimismo da prática indica a vitalidade do Cebes [Centro Brasileiro de Estudos de Saúde], o protagonismo da Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva] e a crítica proveniente das universidades e das instituições de ciência e tecnologia, a constituições de frentes políticas, o movimento sanitário, oferecendo novas perspectivas para a constituição de sujeitos da práxis e sujeitos da antítese para o processo da Reforma Sanitária Brasileira e para a defesa do SUS e contra as ameaças para torná-lo um simulacro do SUS democrático e do SUS constitucional.
É importante também refletir sobre a luta vitoriosa pela solidariedade, mesmo sem apoio de partidos progressistas e sindicatos e suas centrais. A Saúde Coletiva brasileira e seus pesquisadores estão acompanhando esses desafios, não só com estudos e debates mas, também, com pesquisas prospectivas que devem indicar os efeitos sobre os níveis de saúde e sobre as desigualdades sociais, bem como sobre o sistema de saúde, seja o SUS, seja a chamada saúde suplementar, em que a classe média, os trabalhadores e sobretudo os idosos e idosas sofrerão seus impactos negativos. Independentemente dos resultados das eleições de 2018, começam a ganhar força lutas diversas ( inclusive no Judiciário) para a derrubada da EC-95, antes dos seus vinte anos de vigência”. 
Jairnilson Paim é professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

 

 

Jorge Bermudez (Ensp/Fiocruz)
O Brasil tem que voltar a ser modelo para os países em desenvolvimento

A história nos confirmará que o ano de 2017 foi certamente um dos piores que o Brasil enfrentou desde o fim da ditadura militar e a redemocratização do país, não apenas para a saúde pública e o SUS, como também no campo dos direitos sociais, arduamente conquistados pela sociedade brasileira nas últimas décadas. Esse processo tem à frente um governo golpista, com quase zero de aceitação popular, que mancomunado com uma maioria no Congresso Nacional, em troca de benesses, rasga o texto constitucional de 1988. A aprovação da Emenda do Teto [EC95], que congela os gastos públicos por 20 anos, nos impôs um projeto neoliberal que mergulhou o Brasil em políticas as mais obscuras, em todos os sentidos. Lado a lado com argumentos falaciosos de conter o déficit público, uma série de reformas vêm sendo propostas e discutidas, ao mesmo tempo em que serviços públicos essenciais são sucateados. A privatização de empresas estatais, a tentativa de acabar com a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), a venda da Amazônia; a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que foi rasgada com a proposta da terceirização; a reforma trabalhista; e a volta do trabalho escravo são apenas alguns exemplos do caos em que o Brasil foi transformado.

Na Saúde Pública, a regressão é galopante. A eliminação de políticas que têm sido exemplo para o mundo, como a atenção básica, a política de saúde mental e o fim sumário e unilateral da rede própria do Programa Farmácia Popular, rasga os preceitos de universalidade e integralidade do SUS, ao mesmo tempo em que hospitais públicos são desestruturados por falta de repasse de recursos ou de manutenção das equipes de profissionais de saúde. Considerando que a capacidade de destruição tem sido maior que a de construção, resta saber que limites poderão refrear um SUS sendo destroçado pelos atuais dirigentes da Saúde. Reconstruir parcialmente aquilo que está sendo destruído, resistir e denunciar serão nossos desafios em 2018. Teremos que nos manter mobilizados para chegar às eleições e mudar essa conjuntura. Reconquistar um Brasil soberano, com um Congresso Nacional decente e comprometido com a justiça social, com a saúde como direito e com uma visão de direitos humanos e de civilidade.

O desenvolvimento social e econômico tem que se sobrepor à sanha privatizante e entreguista implementada pelo atual governo. A retirada de direitos e a volta do Brasil ao Mapa da Fome têm que ser revertidas, para que recuperemos o orgulho de sermos, como até há pouco, um modelo para países em desenvolvimento na implementação de políticas de saúde inclusivas e democráticas. Nossos futuros governos terão que enfrentar várias questões, na contramão de tudo o que vem sendo autoritariamente imposto, para dar sustentabilidade a políticas centradas na cidadania, incorporando novas tecnologias, reduzindo custos e ampliando nossa base produtiva, assegurando o acesso universal em todas as áreas sociais, tendo que lidar com dificuldades e com o orçamento sob as novas regras do teto orçamentário. A mobilização não apenas é necessária, mas, nesse cenário, uma obrigação para a consciência da cidadania.
Jorge Bermudez é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz (Ensp/Fiocruz) e integrante do Painel de Alto Nível sobre Medicamentos das Nações Unidas

 

 

 

 

Ligia Giovanella (Ensp/Fiocruz, CEE-Fiocruz)
Denunciar, resistir e documentar os impactos negativos das políticas de ajuste fiscal

“A reformulação da Política Nacional de Atenção Básica trouxe atrasos importantes para a consolidação do modelo assistencial de atenção primária à saúde no Brasil – a Estratégia Saúde da Família, com sua equipe multiprofissional, atuando em tempo integral, com dedicação exclusiva ao SUS. Embora sempre se possam aprimorar as políticas e adaptá-las às condições de um país tão heterogêneo como o Brasil, em momento de cortes de gastos sociais em saúde, de ajuste fiscal draconiano, é sempre uma temeridade produzir alterações em uma política que estava produzindo efeitos positivos sobre a saúde da população – o que era evidenciado por diversas pesquisas. Para destacar um dos pontos mais graves, em vez de o governo federal incentivar que uma equipe de atenção básica tenha recursos financeiros específicos, define que um médico pode ser contratado para trabalhar dez horas semanais, um retrocesso de trinta anos! O médico vai ao centro de saúde uma vez por semana, atende suas cotas de consulta, e não há como fazer reuniões de equipe, criar vínculo com a população. Isso quebra o modelo assistencial de atenção primária. Sem falar na redução do número de agentes comunitários de saúde. Foi, realmente, catastrófico para a qualidade da atenção básica do país.

Também estive envolvida na análise do relatório do Banco Mundial sobre o ajuste fiscal, que tem como título uma mentira, porque um ajuste nunca pode ser justo. Não se trata de uma análise da eficiência das políticas, mas de um conjunto de cálculos que buscam identificar ineficiências para sugerir e justificar cortes. Cria-se uma realidade fictícia de que o problema que temos refere-se a gastos públicos excessivos. Os governos Lula e Dilma produziram superávit primário todo o tempo, até 2014. Então, não se trata de excesso de gastos! Os problemas políticos é que produziram uma intensificação da crise econômica, que levou a uma queda de receita absurda. Além do equívoco da desoneração fiscal. Nossos gastos públicos em saúde são extremamente baixos. Temos um enorme espaço fiscal – conceito da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) – para alcançar a saúde pública universal, com financiamento público. A Opas propõe um gasto em saúde equivalente a 6% do PIB. Nós gastamos entre 3% e 4%.

Podemos destacar como ponto positivo do período a greve dos médicos das clínicas da família do Rio de Janeiro, que tiveram como lema de suas manifestações “Nenhum serviço a menos” para a manutenção da saúde. Revelaram consciência profissional ao irem além de seu interesse imediato por melhor remuneração.

Como pesquisadores, devemos ter o compromisso cívico de denunciar, resistir e documentar os impactos negativos das políticas de ajuste fiscal sobre a população. Já é possível identificar redução de receitas, problemas de abastecimento, manutenção, atrasos de salário, redução da contratação de novos profissionais. A manutenção da EC 95 vai significar o desmantelamento do SUS. Em julho, teremos o congresso da Abrasco, com o tema Fortalecer o SUS, os direitos e a democracia, e estamos preparando vários documentos sobre atenção primária à saúde no SUS, avanços, desafios e ameaças, para formulação de uma agenda política estratégica. Faremos um seminário sobre isso, no dia 20 de março”.

Ligia Giovanella é pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz)

 

 

 

 

Gastão Wagner (presidente da Abrasco)
Debate com quem vem cedendo à ideia de terceirizar o SUS em nome da racionalidade

O ajuste econômico que busca comedir o déficit público tem sido feito de forma a concentrar ainda mais a renda e o poder político no país, às custas de políticas sociais, direitos trabalhistas e, obviamente, às custas das políticas de saúde. Nos últimos anos temos visto uma interrupção do crescimento do Sistema Único de Saúde (SUS), do acesso a serviços de saúde, com repercussões muito negativas sobre a assistência e o atendimento à população. Interrupção da construção de Cras [Centros de Referência de Assistência Social], da expansão da Estratégia Saúde da Família, aumento das filas em boa parte dos hospitais, desativação de programas e serviços. Junto com isso, uma desconstrução conservadora de políticas nacionais de saúde importantes. A principal foi a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e da política de saúde mental.

A emenda do teto de gastos, vai agravar as dificuldades que já existem no SUS, o desmonte de serviços. A atuação política do Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais é mais grave, tem provocado mais destruição, danos ao SUS, do que o estabelecimento do teto. A crise orçamentária fiscal está levando os ministérios a fazer cortes, restrições orçamentárias. Nos níveis estadual e municipal, atrasos de salários, não reposição de pessoal aposentado, falta de vacinas e medicamentos são um desastre completo. Os hospitais universitários quase todos têm reduzido sua capacidade de cirurgia, internação, fechando urgências, áreas cirúrgicas.

Em 2018, o desafio para os profissionais de saúde, para os pesquisadores que defendem o direito à saúde, para a democracia é conseguir estabelecer uma comunicação com os 80% de brasileiros que dependem muito do SUS, de políticas de saúde. Ao mesmo tempo, temos que ir muito firmes no debate com alguns setores da Reforma Sanitária, da mídia como um todo, que estão cedendo à ideia de que o SUS pode ser privatizado, terceirizado em nome da racionalidade, como apontou o relatório do Banco Mundial 2017 na área da saúde, racionalização para reproduzir desassistência. Tentam justificar que a privatização e terceirização seria um caminho para aumentar a efetividade e eficiência, isso é uma mentira. Temos que ter firmeza e falar não a partir de nossos conceitos científicos e intelectuais apenas, mas de descaso, mortes que poderiam ser evitadas e estão ocorrendo, da catástrofe sanitária, da possibilidade de urbanização da febre amarela, da cronicidade das epidemias de dengue e zika.

Temos que apontar essas coisas concretas e indicar caminhos independentemente do governo. Temos que ter um projeto que aposte na viabilidade financeira, organizacional e sanitária do SUS, das universidades públicas, da educação pública, o momento é esse.

Os pontos positivos que podemos observar vêm, hoje, dos profissionais de saúde e de setores dos trabalhadores de saúde que têm conseguido defender o SUS, o seu trabalho, o modelo de atenção aos serviços de saúde. No Rio de Janeiro, por exemplo, há um movimento interessante das equipes de saúde da família se defendendo de iniciativas do prefeito. Em Campinas, há lutas em defesa dos hospitais públicos. Vemos também o fortalecimento de entidades importantes como a Abrasco e o Cebes. Há um ressurgimento de movimentos sociais que foram importantes na construção do SUS.

 

 

 

Isabela Soares Santos (Ensp/Fiocruz, Cebes)
O debate deve passar pela identificação de a quem interessa o aumento da desigualdade

“Temos imenso desafio de enfrentamento ao projeto hegemônico ultraneoliberal, mas partimos do pressuposto de que é possível enfrentar, com resistência e formulação de projetos de saída para o Brasil. Estudos como o que recentemente discutimos em evento realizado em conjunto com o CEE-Fiocruz (ver aqui) mostram que os efeitos da austeridade em momentos de crise econômica observados em todo o mundo são terríveis: desemprego, fechamento de serviços, redução do gasto do governo com proteção social, aumento da pobreza e da desigualdade, restrição do direito à saúde para determinados grupos populacionais, como imigrantes, moradores de rua, usuários de drogas, com piora da das condições sociais e de saúde, piora da saúde mental, com aumento da prevalência de depressão e ansiedade e das taxas de suicídio, aumento de doenças crônicas não transmissíveis e de doenças infectocontagiosas, aumento do consumo de bebidas alcóolicas em grupos de alto risco. No Brasil, esse cenário fica ainda pior, por conta da EC 95, que congela as despesas primárias e os gastos mínimos com saúde e educação e representa a hegemonia da visão de ultraneoliberal sobre o funcionamento da economia e as funções do Estado. Mesmo com as evidências de impactos negativos, há quem defenda a EC 95 e a austeridade como remédio para recuperação do país, a despeito do elevado custo social em que os mais afetados são justamente os mais vulneráveis, e de se colocar em risco a própria sustentabilidade da recuperação econômica.

O debate deve passar pela identificação de a quem interessa o aumento da desigualdade. Estudos de Piketty  [Thomas Piketty, economista francês, autor de O capital no século XXI] e de Milanovic [Branko Milanovic, economista sérvio-americano, ex-economista-chefe do Banco Mundial] mostram que, em termos de desigualdade, o Brasil está entre os piores do mundo, atrás apenas de países do Oriente médio e da África do Sul. E sabemos que a desigualdade é incompatível com a democracia , não só acentuando a injustiça social, como aumentando os riscos de conservadorismo moralista, racismo, xenofobia, com retrocessos em pautas que avançam lentamente, como descriminalização das drogas, legalização do aborto, liberdade de pensamento artístico etc.

O enfrentamento ao projeto ultraneoliberal passa pela formulação, por parte da sociedade, de um projeto societário justo e solidário para o Brasil. Nesse sentido estamos avançando, com novas perspectivas de lutas setoriais, no caso da saúde, o resgate do SUS e do direito universal à saúde. Urge que em 2018 possamos ampliar e potencializar as mobilizações na área da Saúde, a partir das entidades do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (CebesAbrascoABrESAmpasaAPSPSBBIdisa e outras) e do Estado (ConasemsConass, Ministério da Saúde e Conselhos de Saúde). A formulação de um projeto de nação para o setor Saúde deve incluir a população das classes mais pobres e da classe média, deve mobilizar a juventude, na construção de um programa de luta popular em defesa do SUS e na busca de um sentimento de pertencimento, necessário à defesa dos direitos universais e de cidadania. O SUS como projeto democrático de sociedade“.
Isabela Soares Santos é pesquisadora  do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz (Daps/Ensp/Fiocruz) e diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)

 

 

 

 

Dalia Romero (Icict/Fiocruz)
Não será esta conjuntura que nos fará abandonar a luta

O ano de 2017 foi negativo não apenas para a saúde pública e o Sistema Único de Saúde (SUS), mas para todo o Brasil. Nesse ano, violentou-se a Constituição Federal, a democracia, os direitos e, com isso, destruíram-se as pontes para fazermos o caminho em direção ao Estado de bem estar social. O SUS, particularmente, sofreu um abalo em seu principal pilar, que é a atenção básica, com a nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), aprovada em 31 de agosto, no dia em que o impeachment da presidenta Dilma completava um ano. Ao contrário da experiência participativa e democrática na construção contínua do SUS, essa política não teve nem consulta nem debate com a sociedade.

A União, de um lado, restringe ainda mais as condições financeiras dos municípios e, de outro, dá flexibilidade ao uso dos recursos federais. Assim, além de menos recursos para a atenção básica, os municípios não terão obrigação de fazer investimento na Estratégia Saúde da Família, estrangulando-se um programa reconhecido mundialmente como eficiente nos cuidados, promoção e prevenção da saúde. Gestores poderão preferir investir em dispositivos mais baratos e mais propagandísticos, como ambulâncias, postos de saúde, entre outros. No caso da saúde do idoso isso será fatal. Pesquisas demonstram que a ESF e, especialmente, o Agente Comunitário, exerce papel fundamental na implementação de medidas para um envelhecimento saudável. A Emenda Constitucional 95, ou Emenda da Morte, que congela ou diminui os recursos federais para os próximos 20 anos, significará perdas de aproximadamente R$ 400 bilhões para a saúde, de acordo com cálculos do Conselho Nacional de Saúde. Nesse cenário, envelhecer, ficar doente ou com alguma dependência passará a ser quase um crime social, já que que fazer frente às necessidades da saúde deixou de ser investimento e passou a ser gasto. A PEC da morte impõe quase o compromisso de se morrer ainda na etapa de vida ativa, antes de a vida passar a significar perdas para a sociedade. 

Saúde, educação e negação do direito à aposentadoria distanciam o Brasil de um país em desenvolvimento sustentável e democrático. É com muita tristeza, indignação e até raiva que assistimos neste mês à paralisação do Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso (Padi) no Rio de Janeiro. Somente em dezembro, 2.856 visitas deixaram de ser realizadas e sete mortes foram contabilizadas, segundo denúncia recebida pelo Cremerj. Sem cuidado domiciliar, teremos mais internações prematuras de idosos por causas que poderiam ser evitadas. Sergio Arouca já nos dizia que o SUS era uma construção coletiva de um projeto civilizatório. O SUS foi gestado em períodos de crise econômica e tensão política, nos anos 1980, e, portanto, não será esta conjuntura que nos fará abandonar a luta. Jainilson Paim, na conferência de abertura do X Congresso Brasileiro de Epidemiologia de 2017, apontou que é dever de todo cidadão e da sociedade civil avançar nas lutas pelo SUS democrático, universal e público para todos. É preciso lutar pela liberdade, por um Estado de bem estar e democrático. Sem esses pilares não teremos saúde, nem educação, nem qualidade de vida. Espera-se que, em 2018, haja eleição para presidente, senadores e deputados comprometidos com esses princípios. 
(Dalia Romero é coordenadora do Grupo de Estudos em Saúde e Envelhecimento, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde – Gise/Icict/Fiocruz) 

 

 

Altamiro Borges (Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé)
Sem o povo nas ruas nem as eleições de outubro de 2018 estão garantidas

O comportamento da mídia em 2017 foi um dos piores da história do jornalismo brasileiro. Após ser protagonista do golpe que alçou ao poder Michel Temer, apostou todas as fichas na implementação das políticas de corte ultraliberal. Defendeu de forma militante, sem compromisso com o jornalismo, a PEC que congela por 20 anos os investimentos na saúde e na educação; manipulou a sociedade com promessas falsas no que se refere à contrarreforma trabalhista, que representa a volta da escravidão ao país; apoiou a terceirização selvagem nas atividades fins; e segue em plena campanha pela aprovação da deforma previdenciária, que eliminará as aposentadorias de milhões de brasileiros. Um levantamento feito pela ONG Repórter Brasil, que pesquisou a cobertura de três jornalões (O GloboFolha e Estadão) e duas emissoras de televisão (Globo e Record), comprova que a cobertura da mídia chapa-branca foi quase totalmente favorável às contrarreformas. Mais de 90% de apoio, sem qualquer abertura ao contraditório. Na prática, a morte do jornalismo. Essa cobertura enviesada, nitidamente partidária, também se fez sentir nos temas relacionados à saúde. A mídia rentista – associada ao capital financeiro – sempre foi favorável à saúde privada, à previdência privada. Sua abordagem sobre o SUS, sistema que busca universalizar o tratamento à saúde, sempre foi negativa. Destacam-se os pontos negativos e as limitações, que obviamente existem, com o objetivo de demonizar o SUS e endeusar o sistema privado. Em 2017, no bojo dos debates sobre a PEC do Teto – ou PEC da Morte – e sobre a deforma previdenciária, essa visão rentista e privatista ficou ainda mais evidente.

 

2018 será um ano de grandes batalhas. Apesar do clima de aparente calmaria, o Brasil está sentado sobre um vulcão. O ano começará quente com a farsa do julgamento do ex-presidente Lula no TRF-4, em Porto Alegre, em 24 de janeiro. A tentativa de condenar Lula – com base em convicções, não em provas – visa não apenas inviabilizar sua candidatura presidencial como derrotar o conjunto das forças que lutam por mais justiça social no Brasil. A condenação de Lula serve aos intentos dos privatistas, dos rentistas, dos defensores da deforma da Previdência e do desmonte da saúde pública. Também no próximo ano seguirão na pauta os projetos de entrega do Brasil, com a privatização da Eletrobras e o afundamento da Petrobras, além da própria reforma previdenciária. Serão muitas e encarniçadas batalhas, em temas de interesse estratégico na defesa da nação, do Estado e dos trabalhadores.

Nas pesquisas de opinião, a sociedade dá sinais de que discorda totalmente da quadrilha que assaltou o poder. Temer tem 3% de aprovação, quase na margem de erro. Mas não basta apenas rejeitar nas pesquisas. É preciso ir às ruas, intensificar e radicalizar os protestos, ampliar o leque de alianças, despertar os setores mais alienados, os que chamo de midiotas. Sem o povo nas ruas nem as eleições de outubro de 2018 estão garantidas.
Altamiro Borges é diretor do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé e editor do Blog do Miro