Vice-presidente da Abrasco alerta para crise na assistência à saúde
Em entrevista ao blog do CEE-Fiocruz, o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) José Sestelo alertou que as mudanças propostas pelo projeto de lei nº 9656 de 1998, que altera a legislação sobre o funcionamento dos planos de saúde no Brasil, favorecem as empresas em detrimento do usuário e encarecerão as boas coberturas. Essa tendência, aliada aos baixos investimentos no Sistema Único de Saúde, com a política de ajuste do atual governo, alerta Sestelo, poderá provocar uma crise sanitária e de assistência.
“O que se anuncia é uma crise assistencial onde as pessoas vão procurar atendimento e não vão encontrar. A classe média nem terá plano de saúde, nem assistência pública”, alertou o pesquisador, acrescentando que o desejável é que “o sistema público fosse financiado adequadamente, o que não ocorre e não ocorrerá na perspectiva que está colocada agora. Os planos de saúde não são uma solução estruturante para o sistema, apesar de poderem existir, como existem em quase todos os países. Eles são apenas uma opção residual para aqueles que querem e podem pagar pela medicina privada. Mas não podem ser uma proposta de governo, uma proposta de solução de assistência de um país de 208 milhões de habitantes com a extensão territorial do Brasil. Essa é a crítica fundamental ao que está colocado aí”.
A proposta de mudança na regra dos planos, que tramita na Câmara dos Deputados, segundo Sestelo, flexibiliza os compromissos deles com seus segurados, estabelecidos por legislação de 1998 e leis posteriores, como aquela que obriga as seguradoras a ressarcir o SUS pelo atendimento a seus usuários e reduzir o valor das multas aplicadas contra as empresas, além de permitir que elas ofereçam pacotes com cobertura mais restrita aos consumidores. “Enfim, trata-se de uma flexibilização generalizada, no que se refere à relação das empresas com os clientes, favorável às empresas”, disse.
As mudanças, na prática, segundo ele, farão com que os planos ofereçam menos serviços pelos valores cobrados hoje. “A tendência é que os pacotes sejam mais restritos e que as pessoas tenham dificuldades, barreiras de todo tipo, administrativas, pecuniárias, para obter a assistência que necessitam”, denunciou. Com a crise econômica, a carteira de clientes das seguradoras de planos de saúde já diminuiu, por a maioria dos contratos ser coletiva, empresarial. Contratos que não têm o reajuste regulado pela ANS. “Mesmo nos individuais, o valor do reajuste é calculado pela média dos coletivos, ou seja, no final das contas as empresas é que determinam o preço do produto que elas vendem”.
O encarecimento dos planos com boa cobertura, no entanto, fará com que um número maior de segurados tenha atendimento de má qualidade na rede privada. Já o SUS, lembrou ele, está ameaçado com o congelamento de seu orçamento por 20 anos, como determina a Emenda do Teto. “Precisamos desconstruir a ideia de que existem dois sistemas, um público e outro privado, e que eles são isolados. As pessoas sempre usaram o SUS, nunca deixaram de usar. Há uma simultaneidade, um processo em que usam naquilo que convém, para elas e para as empresas”, disse, ressaltando que o sistema público é um direito de todos e que não há problema em que segurados de planos recorram a ele. Sestelo fez apenas uma ressalva: quanto aos casos de pacientes que precisam de tratamentos caros e são empurrados pelas empresas para o sistema público, utilizado como uma instância de resseguro.
O vice-presidente da Abrasco criticou , ainda, a proposta de que o ressarcimento dos planos ao SUS seja destinado diretamente a estados e municípios e não mais ao Fundo Nacional de Saúde (FNS). A mudança poderá provocar o que os gestores de saúde chamam de dupla porta. “As instituições e organizações assistenciais teriam mais um motivo para dar preferência aos clientes de planos e a quem paga pelo reembolso direto, em detrimento dos financiados pelo orçamento público, exclusivamente pelo SUS. Quanto maior a segmentação, pior para o sistema”, explicou. Outro grupo que ficará desemparado com as mudanças é o dos idosos, que não interessa às empresas por ter um custo mais alto. Ele lembrou que é, nessa fase da vida, que mais se precisa de assistência médica.