Cooperação internacional em saúde na Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa
“O Oceano Atlântico foi, durante os séculos da escravatura e nos primeiros anos que se seguiram à abolição, um largo rio, que tinha o Brasil e a África ocidental como margens”
(Alberto da Costa e Silva, diplomata, africanista, membro da Academia Brasileira de Letras)
A IV Reunião Ordinária dos Ministros da Saúde da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) realizada em Brasília, em 26 de outubro de 2017, e antecedida da reunião do Grupo Técnico de Saúde (GTS) – constituído pelas assessorias de cooperação dos Ministérios da Saúde – e da reunião dos diretores e presidentes dos Institutos Nacionais de Saúde Pública da CPLP (RINSP/CPLP), trouxe um especial revigoramento na cooperação em saúde no seio da comunidade.
Os temas centrais das reuniões foram a análise e o detalhamento do Plano de Ação da Rede de Institutos Nacionais de Saúde Pública (RINSP/CPLP); a revisão crítica e reestruturação do Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS/CPLP) para o período 2018-2021; e a Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável e os ODSs no âmbito da CPLP. Outros temas de alta relevância foram abordados, como a constituição da Rede de Bancos de Leite Humano da CPLP, a constituição do grupo permanente da CPLP em Telesaúde e Telemedicina e a retomada do e-Português-e.
A Declaração de Brasília[i], firmada pelos ministros (ou altos representantes) dos Estados membros da CPLP, reafirma o compromisso de todos com a implementação de uma agenda de cooperação que contribua para a implementação de seus planos nacionais de saúde, por meio da adoção de políticas públicas que busquem estruturar e consolidar sistemas nacionais de saúde universais e sua sustentabilidade. Melhorar os recursos humanos em saúde, buscar a concertação dos Estados membros na direção de posicionamentos comuns em fóruns internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, assim como a coordenação com outras áreas setoriais da CPLP, em uma lógica de transversalidade e complementaridade, mostram a vitalidade e a vontade política dos ministros da Saúde da comunidade explicitadas na declaração conjunta.
O Brasil ocupa a presidência rotativa da CPLP desde a XI Cúpula de Chefes de Estado e de Governo dos Estados Membros (Brasília, 2016), tendo adotado como tema orientador para o período 2016-2018 A CPLP e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, em um enfoque de irretorquível coerência, os ministros da Saúde decidiram estabelecer o Grupo de Trabalho sobre Saúde no Contexto da Agenda 2030, composto por representantes dos Estados membros e especialistas na matéria, para desenvolver uma proposta de cooperação técnica, visando à implementação dos ODSs, com os enfoques de contribuições da saúde para a consecução dos demais objetivos, e para o alcance das metas de saúde, por meio da ação intersetorial. Assessorias, capacitação de pessoal, desenvolvimento de metodologias de monitoramento dos ODSs, aperfeiçoamento de indicadores, articulação com os pontos focais da CPLP para a Agenda 2030 são algumas das atividades previstas.
Todos os objetos de cooperação integram o Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS/CPLP) que contém, além destes temas agora incorporados, outros que se desenvolvem desde 2009. A primeira versão do plano foi aprovada em maio de 2009 (Estoril, II RMS), para o período 2009-2012, e teve sua continuidade estendida até 2016 (Maputo, III RMS, fevereiro de 2014). A versão corrente será revista pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em suas funções de assessores técnicos do PECS, em colaboração com o Secretariado Executivo da CPLP, integrando todos os objetos da cooperação para o quadriênio 2018-2021.
Rede de Bancos de Leite Humano
Com a criação da Rede de Bancos de Leite Humano, o Brasil será responsável pela transferência da tecnologia totalmente desenvolvida pela Fiocruz para a Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. O Brasil possui um acordo de cooperação com quatros países da CPLP que já adotam o modelo brasileiro de banco de leite: Angola, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Com a rede, os países da CPLP poderão atuar de forma integrada, contribuindo mutuamente para o reforço de seus bancos de leite, de forma a atender as necessidades da população, particularmente na ampliação das chances de sobrevivência de bebês muito pequenos.
Telemedicina / Telessaúde
Com a implantação do Grupo de Trabalho permanente da CPLP em Telemedicina e Telessaúde, que contará com pontos focais de todos os países, a proposta é incorporar esse instrumento ao sistema de saúde e promover o intercâmbio de informações e experiências entre os países nessa área. O propósito final é ampliar o acesso aos serviços de saúde, qualificar o cuidado, valorizar e qualificar os profissionais de saúde, com estímulo à fixação de profissionais em áreas remotas ou de difícil acesso, e melhorar a resolubilidade nos serviços de atenção à saúde, com inclusão social e digital.
A resolução aprovada reconhece o impacto da utilização da telemedicina na redução do número de transferências de doentes em especialidades prioritárias; na maior acuidade na triagem de doentes; no encurtamento da sua estadia; e em ganhos associados à interação das equipes técnicas, traduzidos na redução de custos e melhor qualidade na assistência.
Vigilância e Resposta a Emergências em Saúde Pública
A emergência de novas enfermidades, geralmente virais, com explosivo potencial epidêmico, levou os ministérios da Saúde da comunidade a proporem o fortalecimento das capacidades em vigilância e resposta a emergências em saúde pública, no contexto da implementação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI). O propósito da iniciativa é a coordenação de respostas conjuntas, solidárias, rápidas e eficazes a situações de emergência, que afetem qualquer um dos países da comunidade, incluindo a identificação de recursos capacitados, como também capacitar recursos humanos especializados em gestão de crises de saúde pública. Portugal assumirá a implementação desta decisão.
e-PORTUGUÊS-e
A criação de rede de pontos focais para reestruturação da Rede e-PORTUGUÊS-e obedeceu à avaliação de sua relevância para o fortalecimento da cooperação entre os Estados membros da CPLP, nas áreas da informação, da comunicação e da capacitação em saúde e de seu caráter promotor do multilinguismo entre os membros da Organização das Nações Unidas, no contexto da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da revisão de eixos estratégicos, áreas e projetos do PECS/CPLP e dos princípios da ciência aberta, conforme definido nas recomendações da Unesco e constantes das políticas e estratégias nacionais.
A elaboração de uma nova versão do e-PORTUGUÊS-e foi solicitada pelos ministros a um grupo de trabalho que deverá definir um novo modelo de governança e estrutura de gestão do programa, seu projeto de reestruturação, incluindo os seus eixos de atuação prioritários, e a identificação dos recursos financeiros, humanos e tecnológicos necessários para reestruturar o e-PORTUGUÊS-e e para garantir sua manutenção e consolidação.
Rede de Institutos Nacionais de Saúde Pública
A rede estruturante de Institutos Nacionais de Saúde Pública (RINSP/CPLP), à qual a Fiocruz serve como secretaria executiva desde sua criação, teve enaltecida sua atuação pelos ministros da Saúde da comunidade. A resolução que propõe reforça-los reconhece “o papel estratégico dos INSP de vários Estados membros da CPLP na estruturação e no fortalecimento dos respectivos sistemas nacionais de saúde, mediante aportes científico-técnicos nos campos da pesquisa, prestação de serviços, ensino, cooperação técnica, análise laboratorial, vigilância epidemiológica, entre outras funções igualmente relevantes”.
São chamados, agora, para contribuir na execução e monitoramento das metas dos ODSs e da Agenda 2030 e implementar as propostas resultantes do Seminário-Oficina Conjunta UNASUR/CPLP de Atualização Científica e Tecnológica sobre Febre Amarela e outras Arboviroses Emergentes e Reemergentes (Rio de Janeiro, 2-6 de outubro de 2017)[ii], assim como implementar o curso de Mestrado CPLP/UNASUR em Biologia e Controle de Vetores de Doenças.
Nos últimos anos, somaram-se aos já centenários Institutos de Portugal (INSA e IHMT) e do Brasil (Fiocruz), os institutos de Moçambique (que inaugura nova sede em março de 2018), de Angola e de Guiné-Bissau e, mais recentemente, de Cabo Verde. Em preparo, está a proposta do instituto de São Tomé e Príncipe. Apenas Guiné Equatorial e Timor Leste têm propostas embrionárias a serem consideradas nos próximos anos.
As atividades das redes de formação de quadros para a saúde da CPLP (escolas de saúde pública e escolas técnicas de saúde) também receberam o incentivo da reunião do GTS para a retomada de suas atividades em 2018.
A saúde na CPLP é um extraordinário, bem-sucedido e respeitado exemplo de cooperação sul-sul, razão pela qual recebeu especial atenção dos Estados membros e de seus ministros da Saúde. Os próximos tempos anunciam perspectivas animadoras para a cooperação em saúde no seio da comunidade, como demonstram a revisão do PECS/CPLP 2018-2021 e os compromissos assumidos pelos ministros da Saúde com as novas resoluções.
A perenidade do processo está garantida pela decisão, já tomada, de que, a partir de 2018, o Brasil passará a presidência da organização para Cabo Verde que, certamente, terá em mãos um amplo plano de trabalho a ser implementado solidariamente por todos os Estados membros da organização.
Quadro - Resoluções aprovadas
- Resolução sobre a Revisão do PECS-CPLP 2018-2021
- Resolução sobre o estabelecimento do grupo de trabalho sobre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
- Resolução sobre a criação da Rede de Bancos de Leite Humano[i] da CPLP
- Resolução sobre o estabelecimento do grupo de trabalho permanente da CPLP em telemedicina e telessaúde
- Resolução sobre a criação de rede de pontos focais para reetruturação da Rede e-PORTUGUÊS-e
- Resolução sobre o fortalecimento de capacidades em vigilância e resposta a emergências em saúde pública
- Resolução sobre a criação de um GARD lusófono[ii]
- Resolução sobre a adoção dos princípios da Iniciativa de equidade em investigação[iii],
- Resolução sobre o reforço da Rede de Institutos Nacionais de Saúde Pública da CPLP (RINSP-CPLP)
*Nísia Trindade Lima, presidente da Fundação Oswaldo Cruz; Paulo M. Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz); Felix Rosenberg, secretário executivo da Rede de Institutos Nacionais de Saúde Pública da CPLP; Augusto Paulo Silva, assistente do CRIS/FIOCRUZ para os assuntos sobre África
[i] IV RMS/CPLP. Declaração de Brasília. Acesso: https://www.cplp.org/id-4447.aspx?Action=1&NewsId=5430&M=NewsV2&PID=10872. Por meio deste site, o leitor também acessa o texto integral de todas as resoluções aprovadas.
iii] Ver: Rede de Bancos de Leite Humano. Acesso: rblh.fiocruz.br
[iii] Relatório e apresentações do Seminário-oficina em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/22893
[iv] Ver: WHO. GARD (Aliança Global de Combate às Doenças Respiratórias Crônicas). Acesso: http://www.who.int/respiratory/gard/en/
[v] Ver: Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical vol. 16 (suplemento no.2), 2017