Ronald Santos: A PEC 55 e as ofensivas nefastas à Constituição
Com 28 anos completados em outubro, a Constituição Federal está na mira de uma das mais nefastas ofensivas perpetradas desde sua promulgação. A ameaça é representada por um conjunto de propostas e medidas encaminhadas pelo governo que representam grande retrocesso nas conquistas de direitos sociais garantidos na Carta Magna. A mais nociva delas é a PEC 55/2016, em tramitação no Senado com previsão de congelar os gastos da União por vinte anos.
Apresentada como solução para o desequilíbrio das contas públicas, a PEC nivela como mera despesa passível de congelamento a aplicação de recursos em importantes políticas públicas, como o Sistema Único de Saúde (SUS), uma das maiores conquistas da sociedade e que já enfrenta um subfinanciamento crônico desde sua criação pela Constituição.
Esse cenário escancara grave contradição do Estado em relação ao seu dever constitucional. Cabe a ele desenvolver políticas sociais e econômicas que reduzam os riscos de doenças e outros agravos, além de garantir acesso dos cidadãos às ações e serviços de saúde para a promoção, proteção e recuperação do seu bem estar. Em sentido oposto, o Estado lidera uma articulação que pode resultar na destruição do SUS.
Apresentada como solução para o desequilíbrio das contas públicas, a PEC nivela como mera despesa passível de congelamento a aplicação de recursos em importantes políticas públicas, como o SUS
Conforme estudo da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde, a promulgação da PEC 55 poderá tirar do SUS, nos próximos 20 anos, um total de R$ 434 bilhões, pondo em risco a vida dos brasileiros. Isso porque, segundo a proposta do governo, a partir de 2018 os recursos da Saúde ficariam congelados e passariam a ser “corrigidos” apenas pela inflação, sem qualquer vinculação com as receitas da União.
Diante desse cenário sombrio, o CNS realiza ampla mobilização com a sociedade organizada para alertar que a PEC 55 significa menos Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], menos cirurgias oncológicas, menos Saúde da Família, menos assistência às pessoas com aids, mais doenças e mais mortes. É fundamental que todas as organizações sociais mobilizem a população para dizermos “não à PEC da morte”, como fizemos na 3ª Marcha em Defesa da Saúde, da Seguridade Social e da Democracia, no dia 7 de dezembro, em Brasília.
Sabemos bem que o governo pode adotar alternativas de reforço do caixa sem atingir os direitos sociais conquistados pelos brasileiros. Poderia, por exemplo, reforçar a taxação das grandes fortunas, das heranças e das transações financeiras. Basta uma análise no detalhamento dos fundos que compõem receitas tributárias do país para constatarmos como os setores mais abastados da população são os mais poupados quando se trata da cobrança de impostos.
Aos números: 49% da composição desses fundos são provenientes da taxação sobre consumo de bens e serviços; 20%, do Imposto de Renda; 25%, da taxação da folha de pagamento; 2,3%, da riqueza e propriedade; e apenas 1,3%, de transações financeiras. Há espaço, sim, para se buscarem as riquezas e as fontes necessárias ao reforço do caixa do governo.
Basta uma análise no detalhamento dos fundos que formam receitas tributárias do país para constatarmos como os setores mais abastados da população são os mais poupados quando se trata da cobrança de impostos.
A PEC 55, que ainda tramita apesar de considerada inconstitucional pela Procuradoria-Geral da República (PGR), é a face mais visível da estratégia de desmonte do SUS patrocinada pelo governo federal. Paralelamente a essa medida, o Ministério da Saúde foi submetido a uma asfixia orçamentária como consequência da obrigatoriedade da execução das emendas parlamentares individuais, nos termos da Emenda Constitucional nº 86/2015, sem a incorporação de recursos adicionais ao orçamento da pasta para isso.
Essa asfixia, entre outros prejuízos, levou o ministério a descumprir várias metas do Plano Nacional de Saúde 2016-2019, aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde com base nas deliberações da 15ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no final de 2015. Tais metas, incorporadas à Programação Anual de Saúde de 2016, não foram cumpridas até o segundo quadrimestre; algumas apresentam índice zero de execução.
Diante disso, o Plenário do Conselho Nacional de Saúde, no seu dever constitucional de fiscalizar a execução das políticas públicas do setor, aprovou, em 11 de novembro, a Recomendação nº 15/2016, em que indica ao presidente da República uma série de medidas corretivas a serem adotadas pelo Ministério da Saúde.
Essa asfixia, entre outros prejuízos, levou o ministério a descumprir várias metas do Plano Nacional de Saúde 2016-2019, aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde com base nas deliberações da 15ª Conferência Nacional de Saúde
Entre as medidas está o esclarecimento, pelo ministério, das razões do não cumprimento das metas do Plano Nacional de Saúde e as consequências para as condições de saúde da população. O Conselho também recomenda que a área econômica do governo aloque recursos adicionais no orçamento de 2017 para o alcance das metas pendentes de 2016.
O momento é extremamente delicado para o país: desde o golpe militar de 1964, a população brasileira não tinha tantos direitos violados como agora, diante de um governo cuja principal bandeira é reduzir a participação do Estado no financiamento de importantes políticas públicas.
Resta aos brasileiros, que não se sentem representados pela classe política, unirem-se e se mobilizarem contra todos esses desmandos. O Conselho Nacional de Saúde, juntamente com as mais de noventa entidades e movimentos sociais nele representadas, está de braços abertos para acolher todos os que estão dispostos a participar dessa luta.
* Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS)