The Lancet: austeridade ameaça a cobertura universal no Brasil
Com informações do site da Abrasco
A última edição da revista inglesa The Lancet (volume 388, No. 10047, p.867–868), de 27 de agosto de 2016, resume em artigo na seção Correspondence o cenário da saúde pública brasileira dos últimos quatro meses. Sob o título Austerity threatens universal health coverage in Brazil, o texto aponta os artifícios e as medidas implementadas e propostas pelo ministro interino da Saúde, Ricardo Barros. Os autores, Katarzyna Doniece e Lawrence King, do departamento de sociologia da University of Cambridge, e Rafael Dall’Alba, da Rede Governo Colaborativo em Saúde, vinculado à secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, resgatam as origens desse cenário e abordam o documento Ponte para o Futuro, que cria mecanismos para ampliar a participação privada, formatada na proposta dos planos populares, bem como o corte nas rubricas institucionais, já aprovadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2017 com possibilidade de ampliação por mais 20 anos caso seja aprovada a PEC 241/2016.
O artigo, que toma como base análises e formulações de James Macinko e David Stuckler e documentos do Ministério da Saúde, destaca, ainda, que as medidas neoliberais do governo interino têm aprovação do Congresso Nacional.
Leia a integra em português (extraída do site da Abrasco) abaixo.
Leia o texto original aqui.
Austeridade ameaça a cobertura universal no Brasil
Michael Temer, o novo presidente interino do Brasil, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), agremiação de centro-direita, lançou uma agenda de medidas de austeridade para estimular o crescimento econômico. No manifesto batizado Uma Ponte Para Futuro, ele anunciou planos para reduzir gastos públicos, incluindo o setor da educação e da saúde. O orçamento mínimo garantido pela Constituição (3,8% do produto interno bruto, no momento) seria abolido. O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, revelou planos para acabar com a monitorização da qualidade dos cuidados de saúde privada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), incentivando os cidadãos brasileiros a procurar serviços de saúde privada em vez de contar com o sistema nacional de Saúde (o SUS). O corte na folha de pessoal de funcionários do Departamento Nacional de Auditoria Interna do Sistema Único de Saúde (DENASUS), responsáveis pela monitorização e avaliação do SUS, também sugerem tentativas do governo para desregulamentar e diminuir o papel dos cuidados de saúde pública.
Além disso, Barros anunciou em 21 de julho, 2016, uma redução da participação dos profissionais estrangeiros no Programa Mais Médicos, introduzido em 2013 pelo governo de Dilma Rousseff em resposta aos protestos realizados em todo o país por pessoas exigindo um melhor acesso aos cuidados em saúde. A participação de médicos estrangeiros no Brasil, principalmente de médicos cubanos, beneficiou os 63 milhões de brasileiros que vivem em áreas remotas e vulneráveis e que anteriormente sofriam com a escassez de profissionais de saúde. Em um país onde cerca de 80% da população depende exclusivamente do SUS, tais políticas pode causar consequências negativas generalizadas. Em meio a grave crise econômica, com a taxa de desemprego de mais de 11% e o produto interno bruto ter caído 5,4% em relação ao ano anterior, mais pessoas serão incapazes de pagar os cuidados de saúde privados e maior será o número de dependentes do cada vez mais estressado sistema público. Como resultado, as grandes realizações dos últimos 10 anos (aumento da cobertura dos cuidados de saúde universal, redução da mortalidade infantil e redução da mortalidade por doenças crônicas) são susceptíveis de serem revertidas.
A maioria dos membros do Congresso apoiou o impeachment da presidente Rousseff, de modo que as políticas neoliberais do governo interino poderão ser aprovadas. A ressurreição prevista da economia por meio de austeridade vai trazer desastres de saúde pública em alguns ou todos os aspectos acima mencionados. Os efeitos das recessões dependem principalmente da resposta dos políticos aos recentes indicadores. No entanto, protestos realizados em junho e julho de 2016 em defesa dos cuidados de saúde universal têm a capacidade de influenciar as políticas do governo.