De fraudes e futuros
Enquanto espera que se concretize o impeachment – após séria vitória no Senado, que aprovou a admissibilidade do processo por 55 a 22 votos –, o governo interino de Michel Temer vai enrolando e postergando, mas de certo modo mostrando a que veio, no pior sentido. Se patina nas medidas econômicas, que parecem difíceis de serem tomadas da maneira com que as prometeu à burguesia paulista e aos representantes mais difusos do capital financeiro – a ver se as levará a cabo em 2017 –, o esforço para defender-se e a seus colegas de golpe das garras da Lava-Jato se faz clara. Adiar a sessão de cassação do mandato de Eduardo Cunha para após a votação final do impeachment – com medo de que ele a atrapalhe caso perca – e de modo a salvá-lo em uma segunda-feira esvaziada como será o dia 22 de setembro é manobra já óbvia. Mas o é também a ideia que circula em Brasília, empolgando todo o PMDB e PP, PSDB e certamente setores do PT e demais partidos, de anistiar de antemão a todos que podem ser acusados de uso do Caixa 2 eleitoral (no que propinas várias se disfarçariam também). Mais uma vez fica claro o que subjaz ao golpe: o esforço dos principais próceres do golpe de fugir dos rigores possíveis da lei que delações de várias proveniências estão a cada dia mais os ameaçando.
Enquanto isso a esquerda segue perdida. De Fernando Haddad que busca aumentar seu cabedal de votos, em uma cidade majoritariamente pró-impeachment, ao desdizer o seu cunho golpista, a uma divisão que ainda é inevitável em todo os país, com PT e PCdoB tentando manter suas bases e para isso lançando candidatos onde quer que possam, o PSOL buscando crescer, mas ainda com ranços de sectarismo, enquanto que a Rede se conspurca em alianças cuja incoerência lhe serão cobradas caras no futuro. Pior ainda é ver muitos dos setores que querem reconstruir a esquerda (o próprio MTST é exemplar significativo dessa postura, mas não o único) supor que voltar ao PT dos anos 1980 é a solução. Não é. Se o partido se dissolveu em conciliações excessivas e um pragmatismo sem peias, o sectarismo de seus anos de fundação tampouco vai ajudar.
É de uma refundação mais profunda que precisamos, que permita unidade na esquerda e na centro-esquerda e a interlocução com os setores do centro e as corporações que vicejam na sociedade brasileira
É de uma refundação mais profunda que precisamos, que permita unidade na esquerda e na centro-esquerda e a interlocução com os setores do centro e as diversas poderosas corporações que vicejam na sociedade brasileira (judiciário, médicos etc.), sem a histeria de denunciar a classe média – muitas vezes problemática, mas muito heterogênea internamente. Só assim pode-se lutar por hegemonia (para além da crítica ao consumismo da era Lula), ter visão estratégica e táticas adequadas, construir as alianças necessárias para retomar um projeto de transformação do Brasil. É preciso criatividade. O passado só serve de conselheiro quando decidimos ser diferentes do que fomos um dia. Ele, sabe-se bem, não volta mais, e o futuro só se constrói de modo favorável se o olhamos com uma mirada fresca.
* Professor do Iesp-Uerj, pesquisador associado ao CEE-Fiocruz e autor de O Brasil entre o passado e o futuro (Rio de Janeiro: Mauad, 2015, 2ª edição).