Produção de vacinas é estratégica para o país
A produção de vacinas deve ser vista como estratégica para o país, afirma Maurício Zuma Medeiros, diretor do Instituto de Tecncologia de Imubiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), em entrevista ao blog do CEE. “O Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde vai viabilizar a introdução de novos produtos, vacinas e biofármacos, que hoje não temos condições de produzir”, destaca Zuma. O diretor de Bio-Manguinhos faz uma avaliação do que foi discutido na 20ª Reunião Geral Anual da Rede de Produtores de Vacinas dos Países em Desenvolvimento (DCVMN, na sigla em inglês), realizada em outubro no Rio de Janeiro. O encontro reuniu representantes do Brasil e de outros 13 países, além de representantes da OMS, OPAS e da Anvisa, para discutir aspectos como avanços tecnológicos, acesso equitativo a vacinas no mundo, questões regulatórias e estratégias, desafios da indústria com ênfase na atuação dos países em desenvolvimento e oportunidades de parcerias.
Leia abaixo entrevista completa.
Quais os desafios atuais da produção de vacinas no Brasil?
Atualmente temos basicamente três grandes desafios. O primeiro desafio refere-se à gestão. Hoje há uma tendência de cada laboratório seguir seu próprio caminho. Precisamos ter uma coordenação em nível de Ministério da Saúde para não haver competição desnecessária entre os laboratórios públicos e desperdício de recursos. Há também um desafio interno de gestão dos próprios laboratórios públicos. Essa gestão precisa ser mais flexível para atender às demandas de uma atividade industrial, principalmente neste momento em que temos um governo que sinaliza para um modelo de privatização. É preciso se pensar que modelo podemos ter para atender as demandas atuais da saúde pública.
O segundo desafio é a própria capacidade de infraestrutura adequada para atender um SUS que se propõe a oferecer saúde a todos e que precisa de grandes quantidades de vacinas necessárias para o programa de imunizações brasileiro. Estamos vendo surtos de doenças que não se esperava. Temos que ter essa infraestrutura que exige investimentos para podermos dar resposta a tempo. Precisamos contar com estoque estratégico. Além disso, é preciso dar conta dos novos requisitos regulatórios que exigem tecnologia moderna.
O terceiro desafio diz respeito à gestão tecnológica no que se refere à absorção de tecnologia. Para isso existem dois caminhos: o desenvolvimento de produtos que é um processo que leva tempo ou a aliança com laboratórios. Se optarmos por essa aliança, conseguimos incluir os produtos com mais agilidade e damos conta de responder a um problema de saúde pública. Porém isso inibiria um pouco a absorção de tecnologia. Por outro lado, sabemos que não dá para competir com grandes laboratórios que fazem investimentos de 5 bilhões de dólares por ano em pesquisa e desenvolvimento. Já nas vacinas básicas, eles não investem muito.
Nesse contexto, quais as perspectivas que se abrem com a construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde em nosso estado?
A construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, visa resolver um gargalo que é o processamento final. No caso do Brasil, esse gargalo se traduz em um aumento da produção de vacinas, no desenvolvimento de novas formas de apresentação das vacinas, oferecendo, por exemplo, frascos com quantidades menores para evitar desperdício.
Além disso, o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde vai viabilizar a introdução de novos produtos, vacinas e biofármacos, que hoje não temos condições de produzir. Um exemplo disso seria a vacina contra a dengue, a vacina contra hepatite A e a vacina pentavalente, que é a combinação de cinco vacinas em uma (com proteção contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo b, responsável por infecções no nariz, meninge e na garganta).
A reunião da Rede de Produtores de Vacinas dos Países em Desenvolvimento, no final de outubro, certamente é uma oportunidade para se costurar as parcerias entre seus membros. O que se tirou dessa reunião?
É a segunda vez que esse evento é realizado no Brasil. É muito importante que ele tenha acontecido aqui nesse momento em que o Ministério da Saúde põe como bandeira o fortalecimento da imunização em nosso país e a construção estratégica do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde.
O encontro é uma oportunidade para fortalecer a Rede de Produtores de Vacinas dos Países em Desenvolvimento, fundada há 20 anos para fazer frente aos grandes laboratórios privados voltados ao mercado americano, europeu e japonês. Ela reúne laboratórios públicos como Bio-Manguinhos e Butantã, assim como laboratórios locais que não são big pharmas (grandes empresas farmacêuticas) e que participam da produção de vacinas para países em desenvolvimento.
Atualmente a Rede conta com 43 membros, a grande maioria constituída por laboratórios da Ásia. Esses laboratórios são responsáveis pela produção de mais de 200 vacinas em apresentações diferentes, como a vacina contra febre amarela em 5 doses e a em 10 doses. Desse total, 74 são pré-qualificadas pela OMS serem usadas em outros países além daqueles que a produziram. A vacina contra a febre amarela produzida por Bio-Manguinhos é uma delas, o que faz com que a Fiocruz se destaque por sua contribuição mundial na contenção dessa doença. Desde 2001, o Brasil já exportou mais de 160 milhões de doses dessa vacina, abrangendo mais de 70 países endêmicos.
Os laboratórios que fazem parte da Rede ampliam o acesso da população dos países em desenvolvimento às vacinas básicas. A vacina contra febre amarela produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), por exemplo, custa R$ 4 para o Ministério da Saúde, que a disponibiliza gratuitamente nos postos de saúde. Já os laboratórios privados a comercializam a R$180 em clínicas privadas.
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