Bem-estar para todos na agenda da Saúde das Américas – por Paulo Buss e Luiz Galvão

Bem-estar para todos na agenda da Saúde das Américas – por Paulo Buss e Luiz Galvão

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Até 2030, as Américas têm como objetivo “alcançar o mais alto padrão possível de saúde, com equidade e bem-estar para todas as pessoas ao longo do ciclo de vida”, indica o Plano Estratégico da Organização Pan-Americana de Saúde, referendado por todos os 35 Estados-membros reunidos em Washington, na primeira semana de outubro. Os documentos e recomendações que orientaram o encontro são apresentados pelos pesquisadores que assinam o artigo a seguir e que lá estiveram.

Temas estratégicos para a saúde nas Américas foram tratados na 57º Reunião do Conselho Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e 71ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas, realizadas na primeira semana de outubro de 2019, em Washington, na sede da organização. Os eventos contaram com a presença maciça dos 35 Estados-membros, representados pelos ministros ou vice-ministros da Saúde.

Neste artigo, abordamos alguns dos pontos altos tratados pelos ministros da Saúde das Américas, buscando compartilhar com os leitores nossa visão sobre parte do que será a agenda de Saúde da região em anos vindouros.

Além do Plano Estratégico da Opas 2020-2025 (PE20-25), foram aprovadas mais sete iniciativas de relevante importância para a saúde continental, transformadas em Resoluções da Organização:

  1. Acelerar os esforços em andamento para eliminar mais de 30 doenças infecciosas e condições relacionadas nas Américas até 20309.
  2. Melhorar a qualidade dos cuidados médicos para todas as pessoas, com foco na qualidade técnica, adequação cultural, financiamento e atendimento abrangente[1].
  3. Aumentar a doação e o acesso equitativo a órgãos, tecidos e transplantes de células nas Américas[2].
  4. Eliminar as gorduras trans da produção industrial de alimentos até 2025, por meio de regulamentos e educação do consumidor[3].
  5. Fortalecer os sistemas de informação em saúde, aproveitando as oportunidades apresentadas pela revolução digital, para melhorar os sistemas de saúde e as decisões e políticas de saúde[4].
  6. Acelerar os esforços para atender às necessidades e obstáculos especiais de saúde que os grupos étnicos enfrentam nas Américas, incluindo indígenas, afrodescendentes, ciganos e outras populações[5].
  7. Fortalecer os sistemas de saúde incorporando totalmente a promoção da saúde, especificamente ações sociais, políticas e técnicas que abordem as condições nas quais as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem

Além dessas resoluções, os ministros acolheram, com aplausos e compromissos, o Informe da Comissão sobre Equidade e Desigualdades em Saúde nas Américas.

 

• Plano Estratégico da Opas 2020-2025 (PE20-25)

O Plano Estratégico da Opas 2020-2025 (PE20-25)[6], documento que orientará a ação da Organização no nível central e em seus 27 escritórios, nos 35 países membros, foi aprovado, estabelecendo as prioridades em matéria de saúde que a Opas e seus Estados-membros se comprometem a alcançar coletivamente até o fim de 2025. A resolução que acompanha o plano pede à diretoria que o use para proporcionar um adequado direcionamento à Organização no período, de modo a promover, entre outros mandatos, a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) relacionados à saúde, o 13º Programa Geral de Trabalho da OMS e a Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018-2030 (ASSA 2030) [7], esta última, o mandato regional de mais alto nível em saúde, aprovada na Conferência da Opas de 2017, e que representa a adaptação regional ao ODS 3.

O plano está também alinhado com o 13º Programa Geral de Trabalho (13º PGT) da OMS, assegurando que a Opas cumpra suas obrigações mundiais ao desempenhar suas funções como Escritório Regional da OMS para as Américas. Por fim, esse plano serve como o principal meio de garantir a prestação de contas e a transparência na consecução dos objetivos de saúde determinados pelos órgãos diretores da Opas.

A estrutura programática do PE20-25 incorpora uma cadeia de resultados e procura responder aos desafios de saúde que a Região das Américas enfrenta. Contém indicadores mensuráveis da sua consecução em todas as áreas do desenvolvimento da saúde. De outro lado, incorpora a agenda inacabada do Plano Estratégico 2014-2019 (PE14-19).

São abordados no documento os fatores que levarão à consecução da visão hemisférica para a saúde nas Américas, estabelecida pela ASSA2030: até 2030, a Região como um todo e os países das Américas têm como objetivo alcançar o mais alto padrão possível de saúde, com equidade e bem-estar para todas as pessoas ao longo do ciclo de vida, com acesso universal à saúde e cobertura universal de saúde, sistemas saúde resilientes e serviços de saúde de qualidade.

 

• Enfoque integrado na eliminação de doenças transmissíveis

Os ministros aprovaram a importante Iniciativa da Opas de eliminação de doenças: Política para um enfoque integrado e sustentável visando as doenças transmissíveis nas Américas[8], que responde à meta 3.3 dos ODSs da Agenda 2030 – acabar com as epidemias de aids, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas e combater as hepatites, as doenças transmitidas pela água e outras doenças transmissíveis. A iniciativa propõe-se a promover vínculos e sinergias dentro do sistema de saúde e com outros setores, lança mão de um enfoque de ciclo de vida, enfatizando a atenção primária à saúde (APS), e busca conseguir economia de escala, fortalecer os sistemas de vigilância de doenças e de informação em saúde, promover a pesquisa operacional e mobilizar as comunidades no trabalho de promoção da saúde. Além disso, a iniciativa tem em conta os temas de gênero, equidade, direitos humanos e etnia, em conformidade com o princípio de não deixar ninguém para trás.

A implementação adotará quatro linhas de ação: 1) Fortalecimento da integração dos sistemas de saúde e da prestação de serviços; 2) Fortalecimento dos sistemas estratégicos de vigilância e informação em saúde; 3) Enfrentamento dos determinantes ambientais e sociais da saúde; e 4) Fortalecimento da governança, gestão e finanças.

Ademais, a Iniciativa contempla a definição de diferentes “graus de eliminação” e pacotes de medidas de intervenção no combate a um amplo grupo de doenças[9]. A presidente da Fiocruz faz parte do Comitê de Alto Nível para Eliminação de Doenças Transmissíveis que também apoiará a implementação dessa iniciativa.

• Promoção da saúde no Desenvolvimento Sustentável

Outra iniciativa aprovada foi a Estratégia e plano de ação para a promoção da saúde no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2019-2030[10]. Resultante de uma série de consultas, às quais o Cris/Fiocruz foi chamado a colaborar, participando de diversas reuniões, a iniciativa busca dar novo fôlego à promoção da saúde (PS) por meio de ações sociais, políticas e técnicas que abordem os determinantes sociais da saúde (DSS) e as condições em que pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. Além disso, busca melhorar a saúde e reduzir as iniquidades em saúde, em conformidade com a estrutura da Agenda 2030. Uma das regiões do mundo com maior nível de desigualdade, as Américas se beneficiarão ao adotar uma visão estratégica para a promoção da saúde que ajude a aumentar a equidade. A intenção é dar às pessoas condições de melhorar sua saúde, não só ao enfatizar o comportamento individual, como adotando também ampla gama de intervenções sociais e ambientais.

O Plano de Ação é baseado em quatro linhas estratégicas que se reforçam mutuamente: a) Fortalecer os principais ambientes de saúde; b) Habilitar a participação da comunidade, o empoderamento e o envolvimento da sociedade civil; c) Melhorar a governança e o trabalho intersetorial para aprimorar a saúde e o bem-estar e abordar os determinantes sociais da saúde; d) Fortalecer os sistemas e serviços de saúde mediante incorporação de um enfoque de promoção da saúde.

A representação gráfica da estrutura do plano pode ser vista na figura 1 abaixo.

                                                                           Figura 1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

• Equidade e desigualdade nas Américas

A reunião do Conselho teve como ponto alto também a apresentação do Relatório da Comissão Sobre Equidade e Desigualdades em Saúde nas Américas – Sociedades Justas: Equidade em Saúde e Vidas Dignas[11]. A Comissão, presidida pelo professor Michael Marmot, trabalhou por dois anos para chegar ao informe final e contou com a participação de diversos pesquisadores da região, incluindo o diretor do Cris/Fiocruz, Paulo Buss, e o epidemiologista brasileiro César Victora [ver aqui]. A Comissão adotou o marco conceitual expresso na figura 2.

A partir desse marco de referência conceitual, a Comissão examinou a informação disponível e elaborou 12 recomendações classificadas segundo três eixos: Orientadores estruturais – desigualdades em poder, dinheiro e recursos; Condições da vida cotidiana; e Governança para a equidade na saúde.

 

                                                                                 Figura 2

 

O relatório e abrange s seguintes recomendações, agrupadas pelos eixos mencionados:

Orientadores estruturais: desigualdades em poder, dinheiro e recursos

1) Atingir a equidade nas estruturas políticas, sociais, culturais e econômicas

2) Proteger o meio ambiente natural, mitigar as mudanças climáticas e respeitar relações com a terra

3) Reverter os impactos na equidade da saúde do colonialismo em curso e do racismo estrutural

Condições da vida cotidiana

4) Equidade desde o início: início da vida e educação

5) Trabalho decente

6) Vida digna em idades mais avançadas

7) Renda e proteção social

8) Reduzir a violência pela equidade em saúde

9) Melhorar o ambiente e as condições da habitação

10) Sistemas de saúde equitativos

Governança para a equidade na saúde

11) Arranjos de governança para a equidade na saúde

12) Cumprir e proteger os direitos humanos

Já editado nos quatro idiomas oficiais da Opas, o informe será lançado em diversos países da região, com as presenças de seu coordenador e de comissionados participantes.

Os ministros discutiram também objetos críticos da ação dos ministérios da Saúde e da Opas na região, como: a) Implementação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI); b) Atenção primária para a saúde universal; c) Resposta da Opas à manutenção de uma agenda eficaz de cooperação técnica na Venezuela e Estados-membros vizinhos; d) Relatório final da Estratégia e plano de ação para a saúde do adolescente e do jovem; e) Relatório final do Plano de ação sobre a saúde dos idosos, incluindo o envelhecimento ativo e saudável.

Diversos relatórios de progresso sobre assuntos técnicos, decididos em anos anteriores pelos ministros de Estado foram apresentados a estes pelo secretariado: a) Revisão intermediária do Plano de ação para a eliminação de doenças infecciosas negligenciadas e ações pós-eliminação 2016-2022; b) Relatório de progresso do Plano de ação para assegurar a sustentabilidade da eliminação do sarampo, rubéola e síndrome da rubéola congênita nas Américas 2018-2023; c) Relatório de progresso sobre o Plano sobre doença renal crônica em comunidades agrícolas da América Central; d) Relatório de progresso da Cooperação para o desenvolvimento da saúde nas Américas; e e) Relatório de progresso do Plano de ação para imunização.

Existem circunstâncias e encontros interinstitucionais e interpessoais que podem impulsionar processos que pareciam enredados nos atoleiros burocráticos das organizações. No entanto, as duas últimas semanas deram vigoroso impulso político e técnico a temas extremamente importantes para a saúde, nas Nações Unidas e na Opas: cobertura e saúde universal; a Cúpula do Desenvolvimento Sustentável; a Cúpula do Clima; e um alerta bem fundamentado sobre a equidade e as desigualdades nas Américas. Suas conclusões e recomendações devem instigar o pensamento crítico de todos aqueles que militam na saúde pública e saúde coletiva do país e da região e defendem saúde e qualidade de vida como resultados essenciais e imprescindíveis do desenvolvimento.

* Pesquisadores do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS) da Fundação Oswaldo Cruz

 

 

[9] Bouba; câncer de colo do útero; cólera; combustíveis poluentes de biomassa para cozinhar; defecação a céu aberto; difteria; doença de Chagas adquirida e congênita; esquistossomose; equinococose/hidatidose; epidemia de febre amarela; fasciolíase; febre aftosa em bovídeos domésticos; filariose linfática; geo-helmintíases (ascaridíase, tricuríase e ancilostomíase); hanseníase; hepatites B e C e câncer/cirrose hepática relacionados; hepatite B, transmissão materno-infantil e na primeira infância; HIV/Aids e transmissão materno-infantil do HIV; doenças sexualmente transmissíveis: sífilis e gonorreia; leishmaniose cutânea e visceral; malária (P. falciparum e P. vivax); Oncocercose; peste; poliomielite; raiva, transmitida por cães; rubéola e rubéola congênita; sarampo; sífilis congênita; tétano neonatal; teníase/cisticercose (Taenia solium); tracoma e tuberculose.