Emprego, salário e trabalho no primeiro semestre de 2019
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A trajetória recente da economia brasileira já não permitiria muito entusiasmo. Depois de uma estagnação em 2014, seguida de recessão em 2015-2016 (com recuos do PIB de -3,5% e -3,3%, respectivamente) e nova estagnação em 2017-2018, os dados do primeiro trimestre de 2019 apontariam para a possibilidade de retorno da recessão ao longo do ano, ou, na mais positiva das hipóteses, uma extensão da estagnação dos anos anteriores. Assim, a perspectiva inicial já vai longe de qualquer pretensão de algum crescimento mais robusto, quanto mais sustentado, a partir de uma política econômica que segue a visão fiscalista adotada desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, e que se aprofundou ao longo do governo Michel Temer, e parece radicalizar-se com o novo governo de Jair Bolsonaro.
Com essa trajetória, não haveria muito o que se esperar do ponto de vista do desempenho do emprego, e as taxas de desocupação no início deste ano seguiram se localizando em um patamar de cerca de 12% – patamar que praticamente dobra os números de pré-crise.
Os rendimentos do trabalho, segundo os mesmos dados da PNAD, seguem estagnados, tanto na média dos rendimentos, quanto na massa de rendimentos (que é um medidor importante, se o objetivo é tomar em consideração a possibilidade de uma recuperação da economia vista pelo lado do consumo).
Chamam a atenção ainda três elementos da análise do mercado de trabalho. Em primeiro lugar, o desalento, que continua em seus níveis historicamente mais altos. No segundo trimestre de 2019, esse número chega a cerca de 4,9 milhões de trabalhadores, ou cerca de 4,4% da força de trabalho. Esses são trabalhadores que, pelo desânimo ou pelos custos associados à busca de emprego (transporte, alimentação, tempo que poderia ser dedicado a cuidados da casa, das crianças etc.), não aparecem nos indicadores de desocupação, que registram apenas aqueles que ativamente procuraram emprego.
Esse número evidentemente reflete também o desânimo com o segundo elemento a ser tomado em consideração – o tempo da desocupação. Esses números subiram enormemente no período recente, apontando que cerca de 3,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, ou 26,4% do total de desempregados, encontram-se nessa condição há dois anos ou mais. Esse dado é aparentemente desanimador para os trabalhadores, e dessa forma uma parte deles acaba na situação de desalento, ou seja, para de procurar emprego em função das dificuldades. Outro ponto importante aqui é que, pela aceleração recente das mudanças tecnológicas, quanto mais tempo o trabalhador fica fora do mercado de trabalho, mais difícil provavelmente é seu retorno, o que implica uma necessidade de investimento em requalificação que até agora está absolutamente fora do radar da política de trabalho e emprego do atual governo (que está absolutamente focada na desregulação do mercado). Ou obriga o(a) trabalhador(a) a aceitar, no seu retorno ao mercado de trabalho, condições muito inferiores às que tinha quando saiu, o que acaba comprometendo ainda mais a qualidade desse mercado, que no caso brasileiro já é bastante ruim.
O terceiro elemento que deve ser destacado é a chamada informalidade, que parece ser o que tem segurado em alguma medida a ocupação no país. De um lado, a proporção dos empregados sem carteira assinada no setor privado foi superior a um quarto do pessoal ocupado no setor privado (25,7% no período). Esse número, além de alto, apresenta enorme disparidade regional, variando de quase 50%, em Maranhão, Piauí e Pará (respectivamente 49,7%, 48% e 47,3%), a menos de 20% nos estados do Sul do país (12,4% em Santa Catarina, 16,7% no Rio Grande do Sul, e 18,6% no Paraná). O mesmo acontece com os chamados trabalhadores por conta própria, que correspondiam a 25,9% da população ocupada, com variação de 35,6% no Pará a 19,6% no Distrito Federal. Embora sujeitos a uma análise mais qualificada, que não é a pretensão aqui, boa parte desses números mostra uma força de trabalho que busca alternativas para a sobrevivência – ou, em outras palavras, um setor expressivo da força de trabalho está se virando para sobreviver em meio à crise.
Vale observar, ainda, que essas situações – desalento, longo tempo de desocupação e trabalhos por conta própria e/ou sem carteira assinada – servem para agravar a crise econômica, pois trabalhadores(as) nessas condições têm o seu acesso ao crédito dificultado e, portanto, ainda mais restringida sua capacidade de consumo. Assim, à falta de crescimento da massa de salários, soma-se a dificuldade de acesso a crédito de parcela da população trabalhadora, reduzindo a capacidade de alguma reação da economia pelo lado do aumento do consumo, o que pode ser verificado nos dados já registrados e nos que vão se verificar nos próximos meses.
A essa situação já por si só complicada somam-se também os prováveis impactos da reforma previdenciária que, tal qual desenhada até aqui, manterá as pessoas por mais tempo no mercado de trabalho (aumento das dificuldades para obter a aposentadoria) e reduzirá futuramente os valores das aposentadorias, complicando ainda mais o quadro de anemia do mercado consumidor, quando somados ao quadro dos trabalhadores ativos no mercado de trabalho.
É bom observar os debates sobre a nova lei do salário mínimo no Congresso Nacional, previstos para o final deste ano. Na proposta apresentada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ao final do primeiro semestre, o atual governo rompe com a ideia de aumentos reais do salário mínimo, e aponta para os próximos três anos (ou seja, dentro do período do atual governo) reajustes limitados à recomposição pela taxa de inflação. Mas, no mesmo momento em que a LDO era apresentada com essa visão, os representantes técnicos do governo registravam que não estava sendo definida uma política salarial para o mínimo, o que só se daria no final do ano, em nova proposta. De todo modo, a proposta até aqui apresentada representa uma definição de princípio que não leva em conta a possibilidade de aumento real, nem na situação anêmica de crescimento da economia brasileira dos últimos anos.
* Adhemar S. Mineiro é economista, doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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