Saúde, Educação e Democracia: da utopia à distopia
Vivemos uma conjuntura de distopia, um “cenário catastrófico”, em que o Estado vem transformando desigualdade em iniquidade, avalia o professor Naomar de Almeida Filho, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, em entrevista ao blog do CEE-Fiocruz. O professor falou ao blog após sua exposição no debate Desigualdade, Democracia e Políticas Sociais, realizado em comemoração aos 65 anos da Ensp, e explica que essa distopia expressa-se em uma falência do conjunto de forças progressistas em atuar para que saúde e educação sejam respeitadas como valores da cidadania, como duas frentes de atuação importantíssimas para se avançar no Estado de bem estar social. O que se tem, no entanto, é um avanço rumo ao Estado de mal-estar, concentrador de renda e poder, observa. Para Naomar, precisamos lutar contra a distopia, recuperar o espirito de utopia (motivação) e fazer um “movimento de projeção e construção” rumo a soluções que recomponham “as dinâmicas sociais e comunitárias”, destaca.
Naomar explica que o estado brasileiro faz parte de toda uma rede mundial de estados que tiveram um projeto democrático, mas que recentemente, nessa conjuntura mundial tem passado por uma série de ameaças, introduzindo um caráter distópico. “Em um certo momento se consolidou o estado de bem-estar social em alguns países e no Brasil. Mas recentemente este estado de bem-estar entrou em crise, cuja conjuntura pode ser definida como uma distopia”.
O conceito de distopia está representado em ambientes de perseguição, opressão, ódio, divisão e violência. Configurando situações autoritárias que alguns autores chamam de fascismo social.
Para o professor, esse conceito de distopia está representado em ambientes de perseguição, opressão, ódio, divisão e violência. Configurando situações autoritárias que alguns autores chamam de fascismo social. "Nessa distopia muito do que temos é uma certa falência do conjunto de forças progressistas em atuar para fazer com que a saúde e educação sejam realmente respeitados como valores da cidadania", diz.
“Existe uma dialética em qualquer um desses movimentos, em que a esquerda brasileira fez um investimento muito forte na ocupação e conquista do Estado, na manutenção desse domínio, desses instrumentos e talvez sem explorar o sentido construtivo, o espaço da democracia que é o espaço mais comunitário da vida cotidiana”, avalia.
O professor explica que democracia não é somente o exercício do voto ou a participação em certos episódios e momentos da vida social. “É importante pensar democracia como uma cultura de convivência com solidariedade, com participação e principalmente, com protagonismo”, defende.
Naomar alerta que no Brasil se consolidou um estado de mal-estar social, concentrador de renda e de poder, que tem reproduzido uma elite cujo compromisso está voltado para o mercado da lucratividade, fruto de uma globalização subordinada que o nosso país experimenta. “Em vez de ser um instrumento de redistribuição de riquezas e de equilíbrio de poder, o Estado brasileiro tem sido um grande transformador de desigualdades em iniquidades, no qual, as desigualdades são diferenças e podem se tornar indignas e injustas, portanto iníquas”, afirma.
No Brasil, se consolidou um estado de mal-estar social, concentrador de renda e de poder, que tem reproduzido uma elite cujo compromisso está voltado para o mercado da lucratividade, fruto de uma globalização subordinada que o nosso país experimenta.
“Temos no Brasil quase que um dualismo entre Estado e mercado, onde o público é automaticamente equivalente ao estatal e tudo que não é estatal pertence ao mercado. Na prática não temos terceiro setor legalmente constituído e juridicamente reconhecido, e, portanto, não temos um espaço para pensar a comunidade, pensar a sociedade no sentido de um conjunto complexo, organizado e de iniciativas, ações e práticas que resultam do interesse dos sujeitos. Precisamos, reconquistar esse espaço, porque ele não ficou vazio, e foi de alguma forma controlado, dominado, hegemonizado pelas forças obscurantistas que nesse momento tão confirmando uma distopia no Brasil. Essas são questões muito sérias e profundas e requer de nós tempo para refletir e construir soluções que sejam de avanço e de superação”.