Brasil precisa garantir pesquisas para cumprir a meta de saneamento da Agenda 2030
O relator Especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, Leo Heller, alertou em audiência pública promovida, dia 23 de novembro, pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, sobre a necessidade de o Brasil fortalecer a política de pesquisa e desenvolvimento em saneamento básico para alcançar a meta proposta pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030, que consistem em assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos até 2030. Heller disse que é necessário garantir estabilidade ao financiamento, planejamento e capacitação de profissionais para o sucesso destas pesquisas para enfrentar o enorme desafio que o Brasil tem pela frente. “No que diz respeito ao acesso ao esgotamento sanitário, significa incluir, no caso brasileiro, 60% da população em apenas 13 anos”, disse Heller.
O relator citou dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que revelam que cerca de 60% da população não têm acesso a serviços de esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos adequados. “A distribuição do saneamento não é aleatória. Quem não tem saneamento é o pobre, o negro, o indígena, são os moradores das periferias dos grandes centros urbanos, é o trabalhador rural. Trata-se de uma parcela que também é discriminada em outras áreas, como no acesso à educação e aos serviços de saúde”, afirmou o pesquisador, ressaltando que esse quadro de exclusão configura uma violação aos direitos humanos e precisa ser levado em conta nas pesquisas em saneamento, que não devem se dissociar dos desafios estruturais que o país enfrenta. “Acesso à agua e ao esgotamento sanitário adequado é um direito humano definido por uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas. O Brasil, inclusive, foi um dos líderes na defesa dessa resolução”, lembrou Heller.
Embora afirme não acreditar na existência de uma única solução possível para o problema do acesso desigual ao saneamento, o pesquisador apontou que a valorização das experiências prévias positivas e a recuperação dos modelos bem-sucedidos podem estar entre as alternativas para o Brasil. Ele destacou experiências, como a do Programa de Pesquisas em Saneamento Básico (Prosab). “O Prosab estabeleceu uma metodologia de pesquisa em rede, conectando usuários que pensam cada uma das áreas do saneamento. A preocupação foi não só elaborar pesquisa experimental, mas traduzir os resultados das pesquisas em bens e serviços que transformem a realidade do setor”, explicou.
Uma das maneiras de buscar superar esse cenário, segundo Heller, é garantir estabilidade no setor, no que diz respeito a políticas públicas, modelos de gestão e financiamento. “É também recuperar o que o Prosab trouxe em termos de medidas estruturantes, que estão no âmbito da gestão, capacitação, controle de perdas, melhoria da qualidade, preparo dos prestadores do serviço. O programa trouxe uma mensagem muito clara, que foi garantir a inclusão de quem não tem acesso aos serviços de saneamento adequado atualmente”, afirmou o pesquisador.
A ampliação do acesso ao saneamento, segundo Heller, não será garantida apenas com verbas para obras. Ele insistiu na necessidade de se garantir estabilidade não apenas no financiamento das obras, mas, também, dos programas de pesquisa. “É necessário fugir das descontinuidades, investir na formação permanente dos pesquisadores em saneamento e em ciência e tecnologia. As descontinuidades desmobilizam as equipes. Perde-se um patrimônio, que depende de uma formação que ocorre de maneira lenta. A estabilidade do investimento nas pesquisas deve ser mantida independente da troca de governos, afinal, os governos passam e a população fica.” (Luiza Medeiros/CEE-Fiocruz).