Saúde recebe prioridade na 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro

Saúde recebe prioridade na 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro

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No artigo abaixo, os pesquisadores Paulo Buss e Claudia Hoirisch resgatam e comentam os debates e encaminhamentos resultantes da 17ª Cúpúla do Brics, bem como a Declaração do Rio de Janeiro, divulgada pelos líderes participantes, que conferiu protagonismo à Saúde. Conforme escrevem, a Cúpula dos Brics alcançou resultados muito positivos em todas as frentes. Torna-se necessário, no entanto, alertam, acompanhar a implementação das propostas aprovadas.

Cúpula de Líderes do BRICS. Foto: Rafa (flickr)

A 17ª Cúpula do Brics, realizada nos dias 6 e 7 de julho de 2025, culminou com a Declaração do Rio de Janeiro, que, pela primeira vez, conferiu importante protagonismo e prioridade para a saúde.

A nota conceitual inicial da presidência brasileira do BRICS neste 2025 já assinalava a intenção de contribuir para o avanço do diálogo e da concertação no bloco em temas políticos e de segurança, econômico-financeiros, e relativos à sociedade civil. Apontava também para a busca de reformas no sistema de governança global, visando a maior participação dos países emergentes e em desenvolvimento e de maior legitimidade e eficiência das organizações internacionais existentes.

Guiada pelo lema Fortalecendo a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável, a presidência brasileira do Brics definiu duas prioridades: (i) Cooperação do Sul Global; e (ii) Parcerias Brics para o Desenvolvimento Social, Econômico e Ambiental. Essas prioridades foram materializadas em seis áreas centrais:

1. Cooperação em saúde global: incentivar projetos concretos de cooperação entre as nações do Brics para promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo em vários setores, particularmente na Saúde, para garantir acesso a medicamentos e vacinas; e lançar a Parceria Brics para a Eliminação das Doenças Socialmente Determinadas e Doenças Tropicais Negligenciadas;

2. Comércio, investimentos e finanças: considerar a governança e a reforma dos mercados financeiros, as moedas locais, e os instrumentos e plataformas de pagamento como meio de aumentar e diversificar os fluxos comerciais, financeiros e de investimentos; fazer avançar a Parceria para a Nova Revolução Industrial e adotar a Estratégia 2030 para a Parceria Econômica do Brics;

3. Mudança do clima: adotar uma Agenda de Liderança Climática do Brics, incluindo uma Declaração-Quadro dos Líderes sobre Financiamento Climático, visando orientar mudança estrutural no setor financeiro;

4. Governança da inteligência artificial: promover uma governança internacional inclusiva e responsável da inteligência artificial, a fim de destravar o potencial dessa tecnologia para o desenvolvimento social, econômico e ambiental;

5. Arquitetura multilateral de paz e segurança: promover uma reforma abrangente da arquitetura multilateral de paz e segurança, a fim de garantir atuação eficaz no enfrentamento de conflitos, evitar catástrofes humanitárias e impedir a eclosão de novas crises; reconstruir a confiança e o entendimento mútuos, retomar a diplomacia e promover soluções pacíficas para conflitos e disputas;

6. Desenvolvimento institucional: melhorar a estrutura e a coesão do Brics.

A Declaração dos Líderes abordou as seis áreas. É um documento de 126 parágrafos, contendo 17.616 palavras. Está subdividida em sete seções: Uma introdução de quatro parágrafos (1 a 4); Fortalecendo o Multilateralismo e Reformando a Governança Global (par. 5 a 16); Promovendo a Paz, a Segurança e a Estabilidade Internacionais (par. 17 a 41); Aprofundando a Cooperação Internacional em Economia, Comércio e Finanças (par. 42 a 80); Combatendo a Mudança do Clima e Promovendo o Desenvolvimento Sustentável, Justo e Inclusivo (par. 81 a 101); Parcerias para a Promoção do Desenvolvimento Humano, Social e Cultural (par. 102 a 122); e quatro parágrafos finais (123 a 126).

Além da Declaração principal, os líderes elaboraram três documentos centrais: A Declaração-Marco dos Líderes do BRICS sobre Finanças Climáticas[1]; a Declaração dos Líderes do Brics sobre Governança Global da Inteligência Artificial[2]; e a Parceria do Brics para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas[3].

Para permitir um diálogo entre os líderes, a Cúpula do Brics teve três sessões plenárias: 1) Paz e Segurança e Reforma da Governança Global; 2) Fortalecimento do Multilateralismo, Assuntos Econômico-Financeiros e Inteligência Artificial; e 3) Meio Ambiente, COP30 e Saúde Global. Cada líder pode expressar suas visões e posições em torno a estes temas e comentar os conteúdos da Declaração, oportunidade que mostrou algumas das sutis ou mais escancaradas diferenças de visão entre as diversas delegações presentes. As posições do Brasil nos temas tratados estão contidas na íntegra nos três discursos do presidente Lula feitos nas referidas sessões[4].

Estiveram presentes delegações dos 11 países-membros (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã) e dos dez países parceiros (Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã). Como países convidados, compareceram Angola, Chile, Colômbia/Celac, Quênia, México, Palestina, Turquia e Uruguai. Também presentes organizações internacionais e bancos de desenvolvimento, como a União Africana, Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e Novo Banco de Desenvolvimento. As Nações Unidas se fizeram presentes, com destaques para o secretário-geral António Guterres, o DG da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, a DG da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a SG da UNCTAD. Registre-se, portanto, a expressiva participação do Sul Global, que corrobora a expectativa do Brasil de reunir expressiva frente de países e organizações com objetivos convergentes.

Quando encerrávamos a produção deste artigo, Trump detonou uma bomba política e econômica contra o Brasil. Em carta de 9 de julho, dirigida ao presidente Lula, alegou razões políticas (suposta perseguição a Bolsonaro, ações do Supremo Tribunal Federal contra empresas americanas) e econômicas, para informar que, a partir de 1º de agosto, sobretaxaria em 50% todos os produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos. A resposta do Planalto foi imediata, curta mas altaneira, na forma de Nota para a imprensa. O encarregado de negócios da Embaixada dos EUA, em Brasília, foi chamado para prestar explicações e, à noite, chamado novamente, quando as autoridades diplomáticas brasileiras devolveram a carta de Trump, um gesto diplomático clássico de protesto.

A maioria dos políticos (exceto a direita bolsonarista), movimentos sociais, empresários, e analistas políticos e econômicos que já se manifestaram expressam bem a capacidade de união nacional contra esse ataque externo, em defesa da democracia e da soberania brasileira. Ademais, levanta-se um mar de críticas à família Bolsonaro que procura se beneficiar desse apoio extemporâneo ao chefe do clã, mas que, na realidade, acaba por afetar a produção, as exportações e os empregos no Brasil. Muitos analistas atribuem à firmeza de posições geopolíticas e econômicas propostas pelo Brasil e alcançadas no âmbito de Brics o leitmotiv para a medida anunciada pela Casa Branca.

 

Saúde no BRICS

Saúde é mencionada com exclusividade nos parágrafos 15 e em mais três (106 a 108) da Declaração da Cúpula. No parágrafo 15, os líderes do Brics, “reconhecendo a natureza interconectada dos desafios globais da saúde e suas implicações transfronteiriças, reafirmam o compromisso com o fortalecimento da governança global da saúde, aprimorando a cooperação e a solidariedade internacionais. Ressaltam o papel da Organização Mundial da Saúde (OMS) como autoridade orientadora e coordenadora do trabalho internacional em saúde no âmbito do Sistema ONU, particularmente em tempos de crise e emergência, e enfatizam a necessidade de fortalecer seu mandato, suas capacidades e seus mecanismos de financiamento”. Ademais, comprometem-se a “apoiar ativamente os esforços para fortalecer a arquitetura global da saúde, promovendo a igualdade, a inclusão, a transparência e a capacidade de resposta”, garantindo que nenhum país seja deixado para trás no alcance dos ODS relacionados à saúde. Reconhecem a adoção do Acordo sobre Pandemias da OMS pela 78ª Assembleia Mundial da Saúde.

Nos demais parágrafos (106 a 108), referem-se ao progresso alcançado durante a XV Reunião de Ministros da Saúde do Brics (Brasília, 17/06/2025), apoiando os compromissos assumidos pelas pastas da Saúde do bloco para fortalecer a cooperação em saúde: Centro de P&D de Vacinas do Brics, incluindo o Estoque Eletrônico de P&D; as operações da Rede de Pesquisa em Tuberculose do Brics; uso ético e eficaz da inteligência artificial e a governança robusta de dados nos sistemas de saúde; promoção de sistemas de saúde resilientes, equitativos e inclusivos, visando alcançar a cobertura universal de saúde e garantir o acesso justo e oportuno a bens e serviços essenciais de saúde, incluindo medicamentos, vacinas e diagnósticos; fortalecimento das capacidades de prevenção de doenças transmissíveis e não transmissíveis e outros problemas de saúde; sistemas de medicina tradicional; saúde digital; Rede Brics de Pesquisa em Sistemas de Saúde Pública; cooperação na área de medicina nuclear e radiofarmácia; convergência regulatória voluntária, por meio da iniciativa das Autoridades Reguladoras de Produtos Médicos do BRICS.

O Brics lançou a Parceria para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas, para o avanço da equidade em saúde e o fortalecimento da arquitetura global da saúde, priorizando respostas integradas e multissetoriais, como a intenção de combater as causas profundas das disparidades em saúde, como a pobreza e a exclusão social, aprimorando a cooperação, mobilizando recursos e fomentando a inovação para garantir um futuro mais saudável para todos. Os países destacaram que as ações para eliminar essas doenças devem envolver várias áreas, como saneamento, educação, moradia, trabalho e renda.

A parceria terá como objetivos reforçar sistemas de saúde, com acesso equitativo a vacinas, prevenção, diagnóstico, tratamento e educação em saúde; fortalecer ações intersetoriais sobre determinantes sociais, econômicos e ambientais; ampliar a cooperação em pesquisa, inovação, capacitação e transferência de tecnologia; mobilizar recursos financeiros nacionais e internacionais, com apoio de bancos e do setor privado e alinhar as posições dos países em organizações internacionais e fóruns multilaterais.

Os líderes reconheceram também o papel fundamental da atenção primária à saúde como base fundamental para a Cobertura Universal de Saúde e para a resiliência do sistema de saúde, bem como para a prevenção e resposta a emergências de saúde pública, e aguardam com expectativa a realização bem-sucedida da 4ª Reunião de Alto Nível da Assembleia Geral da ONU sobre Prevenção e Controle de Doenças Crônicas e a Promoção da Saúde Mental e do Bem-Estar.

A OMS participou em duas das três sessões plenárias da Cúpula, nas quais o diretor-geral proferiu discursos nos quais agradece o apoio do Brics à OMS e preconiza medidas que os países do bloco devem tomar para viabilizar sistemas de saúde resilientes, eficazes e sustentáveis, além de implementar cooperação em saúde entre si e com o Sul Global, já que têm soluções autóctones apropriadas para enfrentar a situação sócio-ambiental-sanitária vigente.

 

Outros elementos da Declaração de Líderes

A Declaração dos Líderes salienta a importância de reformas estruturais na governança internacional, com foco em órgãos como o Conselho de Segurança da ONU e as instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial).

O grupo defende mais representatividade para economias emergentes, com revisão de cotas do FMI e Banco Mundial e aumento da presença de países da África, Ásia, América Latina e Caribe nas instâncias decisórias.

No documento, saudaram o Mecanismo de Cooperação Interbancária do Brics (ICM, em inglês), no que diz respeito a facilitar e expandir práticas financeiras inovadoras e abordagens para projetos, incluindo a busca por mecanismos de financiamento em moedas locais, e saudaram o diálogo contínuo entre o ICM e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) ou Banco do Brics.

Para garantir a segurança alimentar, decidiram aprofundar a cooperação no comércio ao criar uma Bolsa de Grãos do Brics que é uma resposta aos riscos da volatilidade alimentar global, com foco na segurança de abastecimento e estabilidade de preços.

A declaração traz vinte e um tópicos relacionados às mudanças climáticas, e, entre os pontos defendidos, está a visão de que o financiamento climático é responsabilidade das nações mais desenvolvidas do planeta. Um dos pontos destacados é a necessidade urgente de reformar a governança do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), com representação mais equilibrada e equitativa dos países em desenvolvimento. Em relação à defesa das florestas, o Brics encoraja países doadores a anunciarem contribuições ambiciosas para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que será lançado na COP30. 

No campo tecnológico, os países assinaram a Declaração dos Líderes sobre Governança Global da Inteligência Artificial, voltada à regulação responsável da IA com foco em inclusão e desenvolvimento sustentável.

Sobre temas geopolíticos, o documento aborda múltiplas crises internacionais.  Em relação ao Oriente Médio, o Brics pede o cessar-fogo imediato em Gaza, a libertação de todos os reféns e detidos em violação ao direito internacional e mencionou episódios recentes no Irã, Rússia, Síria, Sudão, Haiti e Líbano, defendendo soluções diplomáticas e respeito ao direito internacional humanitário.  Entretanto, não citou a guerra entre russos e ucranianos, lembrando que a Rússia é membro-fundador do Brics.

Ademais, os líderes condenaram a imposição de medidas coercitivas unilaterais contrárias ao direito internacional, por entender que sanções econômicas unilaterais e sanções secundárias têm implicações negativas de longo alcance para os direitos humanos, incluindo os direitos ao desenvolvimento, à saúde e à segurança alimentar da população em geral dos estados atingidos, afetando de maneira desproporcional os pobres e as pessoas em situações vulneráveis, aprofundando a exclusão digital e exacerbando os desafios ambientais. Apelaram pela eliminação de tais medidas ilegais, que minam o direito internacional e os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas, reafirmando que os estados-membros do Brics não impõem nem apoiam sanções não autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

 

Financiamento climático

Os Líderes do Brics assumiram posições assertivas quanto ao financiamento climático justo, com uma Declaração específica[5], que pressiona por reformas no sistema financeiro internacional, como pelo apoio à meta da Presidência da COP30 para alcançar 1,3 trilhão de dólares de financiamento para o clima. Foi uma jogada casada entre as duas principais reuniões globais lideradas pelo Brasil neste ano, a PPT de Brics e da COP30. Em Declaração-Marco inédita, eles se comprometem a liderar uma mobilização global para engajar o Sistema Monetário e Financeiro Internacional por medidas mais justas e eficazes de ampliação do financiamento climático.

O diretor-geral da OMS ressaltou em discurso[6] a inclusão de um dia dedicado à saúde na agenda da COP 30 e o anunciado lançamento do Plano de Ação de Saúde de Belém. Ademais, pediu que “a declaração da COP deste ano inclua compromissos fortes e específicos para abordar tanto os impactos das mudanças climáticas na saúde, quanto suas causas profundas”. Lembrou das ferramentas comprovadas de que se dispõe para adaptação aos impactos na saúde, a exemplo de: sistemas de alerta precoce para calor extremo; energia solar nas instalações de saúde; fortalecimento dos componentes de água, saneamento e higiene nos planos nacionais de saúde e meio ambiente; expansão do acesso à energia doméstica mais limpa; e aprimoramento das políticas fiscais sobre subsídios a combustíveis fósseis. Pediu esforços junto aos bancos multilaterais de desenvolvimento para aumentar o financiamento dessas ferramentas. Lembrou que a OMS também lidera a Aliança para Ação Transformadora em Clima e Saúde (ATACH), que reúne mais de 90 países e muitos parceiros para apoiar intervenções climáticas que promovam a saúde.

 

Inteligência artificial

No que diz respeito à Inteligência Artificial, o Brics entende que o multilateralismo deve pautar o uso de IA pelos países, mas defende um esforço para estabelecer uma governança global, centrada nas Nações Unidas. O entendimento é que essa centralização permitiria mitigar riscos e garantiria um acesso mais inclusivo para a tecnologia. O que facilitaria, segundo o grupo, o intercâmbio de políticas e diálogos sobre IA, além de estimular a inovação e o crescimento econômico.

A questão do uso ético da IA também passa pelo combate à manipulação de informações, produção e divulgação de conteúdos falsos. Para lidar com o problema, o grupo sugere maior centralidade nas estratégias de educação midiática e esforços de comunicação local, que permitam desenvolvimento de ferramentas para sinalizar rapidamente a desinformação e a informação falsa, a promoção da alfabetização digital e das competências críticas dos indivíduos.

 

A Fiocruz colabora com o BRICS

Como instituição estratégica do Estado brasileiro, a Fundação Oswaldo Cruz coordena três iniciativas prioritárias, duas das quais destacadas na Declaração da Cúpula de Líderes: a Rede de Pesquisa em Saúde Pública e Sistemas de Saúde do BRICS e o Centro de P&D de Vacinas do BRICS.

A Conferência dos Institutos Nacionais de Saúde do Brics, a ser realizada em setembro, no Rio de janeiro, também é coordenada pela Fiocruz e, devido a sua relevância, foi mencionada na Reunião dos Ministros da Saúde do bloco. Suas recomendações ajudarão a avançar o conhecimento sobre questões de saúde pública, a apoiar os processos de tomada de decisão e a coordenar as ações dos Institutos com as prioridades do Brics nos respectivos países, assim como na cooperação em saúde no Sul Global.

Os representantes da Rede de Pesquisa em Saúde Pública e Sistemas de Saúde do Brics estão trabalhando na descrição de experiências e políticas prioritárias em seus sistemas de saúde. A proposta é que se estabeleça uma cesta de boas políticas e práticas em sistemas e serviços de saúde que sirva de base para a cooperação técnica entre dois ou mais países[7]. O objetivo principal da Rede de Pesquisa é fortalecer os sistemas de saúde dos países que compõem o BRICS e a cooperação Sul-Sul em saúde pública, e abrange três frentes: a cooperação técnica, a formação e a pesquisa em áreas prioritárias para o fortalecimento dos sistemas de saúde.

 Os membros da rede vão preparar projetos conjuntos de pesquisa e/ou formação em saúde pública, com base nos temas de interesse comum mapeados na primeira reunião da Rede (15/4/2025): atenção primária em saúde; sistemas de informação em saúde e saúde digital; desenvolvimento e fornecimento de vacinas, medicamentos, testes de diagnóstico e suprimentos de saúde estratégicos; estudos epidemiológicos, vigilância e preparação; envelhecimento e doenças não transmissíveis e; mudanças climáticas. Ademais, está em preparo um livro sobre os sistemas de saúde de Brics.

O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas do Brics, por sua vez, tem a missão de ampliar a capacidade regional e global de inovação, produção e acesso equitativo a vacinas. No processo de trabalho desta rede de centros, foi instituído um Repositório Eletrônico de P&D de Vacinas (e-R&D-Stock), ideia lançada pela Rússia em 2024. Atualmente o GT do e-R&D-Stock está discutindo a definição de aspectos estruturantes, incluindo sua governança e uma descrição técnica sobre a proposta da plataforma[8]. As reuniões do GT estão previstas para ocorrer mensalmente reunindo representantes dos países do bloco em torno de uma pauta estratégica para a inovação em saúde global.

No que diz respeito ao desenvolvimento da Parceria para Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas (DSD), a ideia é que os países se unam para eliminar doenças ligadas à pobreza, como tuberculose, hanseníase, febre amarela, dengue. 

A parceria definirá, em cada etapa, as doenças prioritárias, conforme as legislações e capacidades de cada país. Estão previstas conferências globais e regionais sobre o tema, com participação de institutos nacionais de saúde (INS), universidades e ministérios da saúde.

Uma vez identificadas as enfermidades prioritárias, a Parceria deverá buscar o reforço de iniciativas já existentes no âmbito do Brics, em particular a Rede de Pesquisa em Saúde Pública e Sistemas de Saúde do Brics e o Centro de P&D de Vacinas do Brics (e, quanto à tuberculose, a Rede de Pesquisa sobre TB do Brics), que oferecem plataformas robustas para pesquisa colaborativa, vigilância, capacitação e inovação.

Cabe lembrar no âmbito das Doenças Socialmente Determinadas, que mais de 50% da carga global de tuberculose está nos países do Brics. A Rede de Pesquisa sobre Tuberculose almeja participar de ensaios clínicos de novas vacinas em desenvolvimento, uma delas, brasileira, que está em fase de pesquisa em modelos animais em Biomanguinhos/Fiocruz. Espera-se conseguir uma vacina nacional até 2030, com tecnologia nova baseada em RNA. O financiamento para esse tipo de pesquisa é uma preocupação e espera-se que, sob a liderança do Brasil, novas fontes de financiamento sejam identificadas para manter as iniciativas de pesquisa em andamento.

A consolidação da Rede de Pesquisa sobre Tuberculose, com apoio do Novo Banco de Desenvolvimento e da Organização Mundial da Saúde, bem como a cooperação regulatória em produtos médicos, são exemplos concretos do quanto o Brics já avançou como grupo.

Com todas essas iniciativas em curso, percebe-se que o Brics possui um enorme potencial de cooperação em saúde, cabendo, portanto, apoiar a recomendação do Conselho de Think Tanks do BRICS para a criação de um Conselho Permanente dos Ministros da Saúde do BRICS, junto com os mecanismos necessários para garantir seu pleno funcionamento. O Conselho permitirá um engajamento contínuo e permanente entre os países do bloco e poderá abrir caminhos para parcerias concretas[9].

 

Considerações finais

A Cúpula dos Brics alcançou resultados muito positivos em todas as frentes, embora ainda seja necessário acompanhar a implementação das propostas aprovadas. Seria vantajoso ter avançado em sua institucionalização, com a criação de um Conselho de Ministros da Saúde permanente, apoiado numa secretaria técnica, o que poderia facilitar a implementação das medidas acordadas e facilitar enormemente uma resposta coordenada a uma nova pandemia e outras emergências sanitárias, assim como articular posições comuns em fóruns internacionais.

Percebe-se também que os resultados da Cúpula de Brics incomodaram substantivamente o governo Trump, que foi um dos motivos para a punição ao Brasil, materializada na aplicação da tarifa de 50% sobre as exportações do país para os EUA.

Embora a diplomacia brasileira se volte agora prioritariamente para a COP30, é imprescindível que os atores políticos e técnicos envolvidos nos excelentes resultados da Cúpula do Brics mantenham seus esforços para implementar suas propostas.

* Pesquisadores do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (CRIS/Fiocruz)

 

[1] Ver: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-marco-dos-lideres-do-brics-sobre-financas-climaticas

[2] Ver: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-dos-lideres-do-brics-sobre-governanca-global-da-inteligencia-artificial

[3] https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/parceria-do-brics-para-a-eliminacao-de-doencas-socialmente-determinadas

[4] Ver: 1) Discurso do presidente Lula na sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global do BRICS — Planalto; 2) https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2025/07/brics-discurso-do-presidente-lula-na-2a-sessao-fortalecimento-do-multilateralismo-assuntos-economico-financeiros-e-inteligencia-artificial; e 3)  https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2025/07/discurso-do-presidente-lula-na-sessao-3-meio-ambiente-cop-30-e-saude-global

[5] Ver: https://brics.br/en/documents/presidency-documents/2507_brics_leaders-framework_declaration-on-climate-finance.pdf/@@download/file

[6] Ver: https://www.who.int/news-room/speeches/item/who-director-general-s-remarks-at-the-xvii-brics-leaders--summit--session-on-environment--cop-30--and-global-health---7-july-2025

[7] https://agencia.fiocruz.br/ms-e-fiocruz-realizam-2a-reuniao-da-rede-de-pesquisa-em-saude-publica-e-sistemas-de-saude-do-brics#:~:text=Nesta%20quinta%2Dfeira%20(29%2F,Network)%20sob%20a%20presid%C3%AAncia%20brasileira.

[8] https://www.facebook.com/BioFiocruz/posts/coopera%C3%A7%C3%A3o-internacional-em-pd-de-vacinas-no-%C3%A2mbito-do-bricsno-dia-6-de-junho-fo/1182785007225650/

[9] https://agencia.fiocruz.br/fiocruz-coordena-iniciativas-prioritarias-no-...

Cúpula de Líderes do BRICS. Foto: Rafa (Flickr).