Iniciativas Sustentáveis e Soluções Baseadas na Natureza que Beneficiam a Saúde e o Bem-Estar
Danielly de Paiva Magalhães e Luiz Augusto Galvão*
Neste informe, vamos trazer exemplos práticos de ações que contribuem para mitigação da tripla crise planetária ao mesmo tempo em que promovem a conservação da natureza e beneficiam a saúde humana, focando nas Soluções Baseadas na Natureza (Nature based Solutions, sigla em inglês NbS). A natureza é um sistema vivo que suporta o funcionamento do planeta e a vida. NbS envolvem trabalhar com a natureza para enfrentar os desafios sociais, como a pobreza, proporcionando benefícios tanto para o bem-estar humano quanto para a biodiversidade. São ações pautadas na natureza e desenhadas e implementadas com total engajamento e anuência das comunidades locais e dos Povos Indígenas.
Especificamente, são ações que envolvem a proteção, restauração ou manejo de ecossistemas naturais e seminaturais; a gestão sustentável de sistemas aquáticos e terras de trabalho, como terras agrícolas ou florestas; ou a criação de novos ecossistemas dentro e ao redor das cidades, conectando parques, lagos, estuários etc. A criação de telhados e paredes verdes e o plantio de árvores nas cidades podem moderar os impactos das ondas de calor, capturar águas pluviais e diminuir a poluição. Tais medidas também têm resultados positivos para a saúde mental e física. NbS também facilitam e catalisam o envolvimento de partes interessadas intersetoriais para unir forças para a implementação de um ambicioso Plano Global de Biodiversidade (GBF) Pós-2020 e avançar para alcançar a Visão da CBD 2050 de Viver em harmonia com a natureza. NbS também oferecem um caminho para sinergias entre vários acordos ambientais multilaterais, inclusive para diversidade biológica (CBD), mudança climática (UNFCCC), redução de risco de desastres (Sendai Framework), desertificação (UNCCD) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) mais amplos – e para integrar a conservação da natureza nos processos de tomada de decisão setoriais.
NbS podem fornecer cerca de 30% da mitigação econômica necessários até 2030 para estabilizar o aquecimento global abaixo de 2°C, além de fornecerem uma poderosa defesa contra os impactos e perigos de longo prazo das mudanças climáticas, que é a maior ameaça à biodiversidade e à saúde humana. Encontrar maneiras de trabalhar com ecossistemas, em vez de confiar exclusivamente em soluções convencionais de engenharia, pode ajudar as comunidades a se adaptarem aos impactos causados pelas mudanças climáticas. Usar a natureza para cidades verdes também pode resultar em economias significativas de energia e benefícios para a saúde.
Muitos países já estão tomando medidas para incluir as NbS em suas estratégias nacionais para controle climático, sendo importante garantir que essas ações sejam desenvolvidas e implementadas com base nos melhores critérios e práticas disponíveis e que sejam interdisciplinares. Aqui vamos apresentar alguns exemplos em saúde
Fonte: brCarbon
Negociações globais e regionais em soluções baseadas na natureza
Em janeiro de 2022, na ocasião do Fórum de Ministros de Meio Ambiente da América Latina e Caribe, as autoridades ambientais discutiram resoluções para serem apresentadas na quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5.2) em Nairóbi, em 28 fevereiro de 2022. Uma resolução sobre NbS foi proposta pelo Peru e Ruanda, juntamente com Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Peru, Uruguai e outros. As NbS foram um dos principais tópicos da UNEA-5.2, adotando-se a proposta resolução focada em soluções baseadas na natureza com o objetivo de proteger, conservar, restaurar, bem como usar e gerenciar ecossistemas de forma sustentável. O acordo exigia que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) apoiasse a implementação de tais soluções, ajudando a impulsionar sua adoção em todo o mundo.
Na semana do Clima da América Latina e Caribe de 2022, as NbS também foram apontadas como principal solução para avançar nas questões climáticas e para segurança alimentar e foi pedido mais esforços em sua implementação. Soluções baseadas na natureza e efeitos na saúde A terceira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Sundsvall, na Suécia, em 1991, teve como temática os Ambientes Favoráveis à Saúde.
Nas cidades, o ambiente construído e natural são importantes determinantes da saúde, particularmente entre os grupos desfavorecidos pela pobreza relativa, desemprego, baixo status, gênero, etnia e deficiência (OMS, 2012). As evidências do impacto do espaço verde e azul fornecidas pelas soluções baseadas na natureza desempenham um papel importante influenciando os resultados da saúde física, como saúde geral, obesidade, peso ao nascer, desenvolvimento comportamental infantil, mas também a prevalência de transtornos mentais em toda a sociedade (Dzhambov, et al. 2018; Dempsey et al., 2018; Vaeztavakoli, et al., 2019). Pesquisas sugerem que o contato com a natureza pode auxiliar na redução da prevalência de doenças cardiovasculares, musculoesqueléticas, respiratórias e outras, especialmente entre grupos com maior acesso a espaços verdes e baixo nível socioeconômico (Sandifer et al., 2015).
Outro estudo, avaliando 50 referências, mostrou que a proximidade das pessoas com ambientes naturais está associada a menor estresse, recuperação mais rápida de eventos psicológicos, melhoria da qualidade do ar, redução do superaquecimento urbano e aumento do nível de atividade física. Portanto, soluções baseadas na natureza podem contribuir para uma redução considerável da depressão da vida urbana e fornecer formas alternativas de superar os impactos negativos na saúde (Kolokotsa et al., 2020).
Estratégias Regionais para cidades saudáveis e benefícios para a saúde
Uma cidade sustentável – também conhecida como cidade verde ou ecocidade – é um enclave urbano cujo projeto, construção e operação priorizam a preservação do mundo natural ao lado da saúde e bem-estar econômico, social e físico dos habitantes da cidade. No contexto da saúde é chamada de Cidade saudáveis.
Em 2018, na ocasião da XII Conferência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, os Chefes de Estado e de Governo presentes, reconhecendo a inegável convergência estratégica com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, encorajaram a criação da uma Rede de Municípios e Cidades Saudáveis dos Países de Língua Portuguesa, que potencie a promoção da saúde e a qualidade de vida nos países do espaço CPLP. Em 2021, foram realizados três importantes eventos internacionais com a participação de Brasil, de Cabo Verde e de Portugal que permitiram a partilha de experiências e a criação de uma rede de Cidades e Municípios Saudáveis de Língua Portuguesa.
Na América Latina e Caribe, A Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) promove a Estratégia para Municípios, Cidades e Comunidades Saudáveis (MCS) que tem como missão fortalecer a execução de ações de promoção e proteção da saúde na área local. Coloca a promoção da saúde no topo da agenda política, envolve o poder público e a comunidade, incentiva o diálogo e partilha conhecimentos e experiências e estimula a colaboração entre municípios, cidades e comunidades. A estratégia conta com ferramentas como o Boletim da Rede de MCS das Américas, um banco de experiências, uma lista eletrônica que visa promover o intercâmbio de boas práticas de MCS e uma biblioteca virtual para captar a documentação existente em cada país. As informações podem ser encontradas na página do programa Estratégia para Municípios, Cidades e Comunidades Saudáveis da PAHO.
Na Europa, A NATURVATION, de NATure-based URban innoVATION, é um projeto financiado pela Comissão Europeia envolvendo 14 instituições em toda a Europa, nas áreas de desenvolvimento urbano, geografia, estudos de inovação e economia. Liderado por Harriet Bulkeley, da Universidade de Durham, que procurou compreender como as NbS podem ser aplicadas nas cidades e seus benefícios, examinou como a inovação pode ser fomentada neste domínio e contribuiu para a realização do potencial das NbS para responder aos desafios de sustentabilidade trabalhando com comunidades e partes interessadas. O projeto completo pode ser encontrado aqui. Uma série de relatórios também podem ser encontrados aqui.
No continente Africano também há vários exemplos do uso de NbS para cidades verdes. Desde 2016, em Ruanda, há uma nova abordagem de plano em NbS para Cidades Verdes. Visando mais de 620 hectares na capital do país em Kigali, a Iniciativa Cidades Verdes é uma das muitas iniciativas das Nações Unidas para construir cidades verdes no continente africano.
O Programa de Gestão Costeira da África Ocidental (WACA) é uma iniciativa conjunta do Banco Mundial e da IUCN, que abrange 11 países costeiros. O programa WACA foi desenvolvido em parceria com os povos da África Ocidental que vivem na costa e dela dependem para sua subsistência, nutrição, segurança alimentar e prosperidade. O programa apoia o esforço dos países para melhorar a gestão de seus recursos costeiros compartilhados e reduzir os riscos naturais e causados pelo homem que afetam as comunidades costeiras. A WACA impulsiona a transferência de conhecimento, promove o diálogo político entre os países e mobiliza financiamento público e privado para combater a erosão costeira, inundações, poluição e adaptação às mudanças climáticas. Outros programas neste sentido na região africana podem ser encontrados aqui.
Hospitais Verdes e Saudáveis
A contribuição dos fatores ambientais para a carga de doenças será ampliada e reforçada pelos crescentes impactos das mudanças climáticas relacionados com a saúde. Esses impactos incluem: mudanças nos padrões de doenças, insegurança hídrica e alimentar, vulnerabilidade habitacional e dos assentamentos humanos, eventos climáticos extremos, doenças relacionadas com o aumento de temperatura e migrações populacionais. A magnitude dessas crises levou a revista The Lancet a afirmar, em 2009, que “a mudança climática é a maior ameaça global à saúde do século XXI” e que “implicará em maior risco para a vida e o bem-estar de bilhões de pessoas”.
A saúde, apesar de tratar das enfermidades decorrentes da degradação ambiental, também se constitui como agente poluidor e pensando nesses impactos foi criado o projeto Hospitais verdes e Saudáveis, baseado no preceito de “antes de tudo, não causar dano”, incorporando uma perspectiva mais global de saúde e de sustentabilidade. Os hospitais verdes e saudáveis aplicam metodologias para substituir substâncias químicas perigosas por alternativas mais seguras, reduzir a pegada de carbono dos hospitais e eliminando a exposição da população aos resíduos da área de saúde, e outras ações divididas em dez objetivos interligados (abaixo) integram este referencial. Além disso, aumenta a resiliência dos estabelecimentos de saúde, prepare-os para os impactos das condições climáticas extremas e a mudança do estigma em relação às doenças. Também se concentra na educação de funcionários e público, promovendo políticas para preparar a saúde pública para as mudanças climáticas. Cada um contém uma série de ações que podem ser implementadas tanto por hospitais quanto por sistemas de saúde. Ferramentas e recursos de suporte à implementação dessas ações estão disponíveis no site www.hospitaisverdes.net e em seu manual. Os hospitais podem começar com dois ou três objetivos, definindo os passos específicos para realizá-los e planejando as estratégias para as etapas subsequentes.
1.LIDERANÇA: Priorizar a saúde ambiental
2.PRODUTOS QUÍMICOS: Substituir produtos químicos nocivos por alternativas mais seguras
3.RESÍDUOS: Reduza, trate e descarte com segurança os resíduos de saúde
4.ENERGIA: Implementar eficiência energética e geração de energia limpa e renovável
5.ÁGUA: Reduzir o consumo de água hospitalar e fornecer água potável
6.TRANSPORTE: Melhorar as estratégias de transporte para pacientes e funcionários
7.ALIMENTAÇÃO: Compre e sirva alimentos saudáveis e cultivados de forma sustentável
8.FARMACÊUTICOS: Gerenciar e descartar produtos farmacêuticos com segurança
9.EDIFÍCIOS: Apoie o projeto e a construção de hospitais verdes e saudáveis
10. COMPRA: Compre produtos e materiais mais seguros e sustentáveis
A Rede Global de Hospitais Verdes e Saudáveis conta com mais de 1.500 membros em 75 países envolvendo mais de 43.000 hospitais e centros de saúde. Todo ano há uma premiação dos hospitais com o selo Health Care Climate Challenge. Os hospitais e centros de saúde que participam podem ser encontrados aqui.
Soluções baseadas na natureza para melhorar a qualidade de ar de ambientes fechados
A baixa qualidade do ar de ambientes internos é um problema cada vez mais importante devido à urbanização. Ambientes internos com baixa circulação podem ter 2 a 5 vezes mais poluentes do que áreas externas. Como as pessoas passam a maior parte do tempo em ambientes fechados (cerca de 90%), a má qualidade do ar interno causa sérios problemas de saúde humana, resultando em perdas econômicas significativas. Baseado no princípio de NbS, 67 são propostos por exemplo, o uso de filtro de ar que utilizam microalgas como organismo micro filtrante. Nesses sistemas, os organismos fotossintéticos podem capturar CO2 e outros poluentes gerados em ambientes internos, e transformá-los em biomassa para seu crescimento. A biomassa de alga pode ser ainda encaminhada para geração de energia por biomassa e para geração de aquecimento. O estudo de Mata et al. (2021) apresenta vários layouts possíveis para a implementação de sistemas de limpeza do ar interior à base de microalgas, tendo em conta os sistemas atualmente disponíveis à escala comercial. Uma análise crítica dos sistemas de purificação interna de microalgas é apresentada, destacando suas vantagens e desvantagens, e sugerindo possíveis melhorias e futuras linhas de pesquisa e desenvolvimento na área.
Figura ilustrando a composição do ar interno. Fonte Mata et al. (2021)
Outra novidade muito interessante que já vem sendo usada em cidades (nas ruas de Berlim, por exemplo, figura abaixo) e também em ambientes internos são as paredes de líquen, que ajudam a filtrar o ar em até 80% e demandam quase nenhum cuidado de manutenção, apenas a manutenção de certa umidade do ar.
Em 2009 a Opas lançou um documento sobre o Uso da Ventilação Natural para o controle de infecções provendo orientação para construções hospitalares que utilizassem melhor as correntes de vento. Existe hoje uma série de propostas de construção que melhor aproveitam a luz solar para economia de energia, captação de água da chuva, tratamento de efluentes usando biomassa etc. Embora alguns desses mecanismos não sejam considerados como NbS porque não trazem benefícios diretos para a biodiversidade, mas eles diminuem por consequência o uso de energia e os impactos ambientais.
*Artigo publicado na edição dos Cadernos Cris, de 2 a 15/8/2022. Danielly P. Magalhães é pós-doutora em Saúde Pública, doutora em Química Ambiental e mestre em Saúde Pública. Luiz Augusto Galvão é pesquisador do Cris/Fiocruz.