Acesso a água e saneamento: direito humano na contenção da pandemia
Diante da Covid-19, a lavagem das mãos tem sido fundamental como uma barreira primária contra a expansão do coronavírus e a favor da contenção da pandemia. Mas, apesar da importância dessa medida, nem todos têm água disponível, destaca o pesquisador da Fiocruz Minas Léo Heller, relator especial do Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário das Nações Unidas (ONU). Em live realizada pela Fiocruz, em 5/6/2020, por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, Leo Heller fez uma importante exposição acerca do estágio do acesso a água e saneamento, no país e no planeta.
Segundo o pesquisador, estima-se que cerca de 2,2 bilhões de pessoas não tenha acesso a água no mundo e 4,2 bilhões, a saneamento. “Isso é dramático e não se distribui de forma homogênea. São certamente pessoas pobres, indígenas, pessoas que moram em favelas ou que estão em situação de rua as mais atingidas. Isso traz riscos diferentes à aquisição da doença, do Covid-19”, observou.
Além de citar estudos que mostram a eficácia da lavagem das mãos na luta contra o coronavírus, o relator destacou a importância do monitoramento do vírus nos esgotos, para se verificar sua presença em fezes e em tubulações. “Existem estudos que identificam a transmissão do coronavírus por sistemas prediais de esgoto”, apontou. “No contexto da pandemia, um estudo sugere ser possível que haja uma via de transmissão fecal-oral com alguma relevância na transmissão da doença”, relatou, alertando, no entanto, que se trata de hipóteses e que são estudos ainda em andamento, sendo perigoso tomar um pensamento em construção para alterar estratégias já adotadas, de forma radical. “Não existem evidencias científicas suficientes que afirmem que a transmissão feco-oral da Covid-19 tenha alta relevância”.
De qualquer forma, pontuou Heller, esses estudos devem mobilizar sociedade e governos a priorizar a implementação deações voltadas a garantir acesso à água e esgoto segurosa todos. “As intervenções relacionadas ao fornecimento de água potável e saneamento devem ser adicionadas às estratégias atuais para o controle da pandemia. Além do papel chave da água para lavagem das mãos, deve haver uma disposição adequada de esgoto para que se interrompa essa contaminação”, avalia.
Léo Heller fez um resgate histórico de teorias que ajudaram a entender como se constituiu a relação entre saneamento e saúde ao longo do tempo, destacando que “água e esgoto estão relacionados à saúde, há pelo menos dois mil anos antes de Cristo”.
As intervenções relacionadas ao fornecimento de água potável e saneamento devem ser adicionadas às estratégias atuais para o controle da pandemia
John Snow, médico inglês, considerado pai da epidemiologia moderna, foi na visão de Heller, emblemático ao relacionar, em 1856, a situação da cólera em Londres e a água. “Snow consolida naquele momento a teoria contagionista da saúde e inaugura uma série de métodos para estabelecer nexos entre exposições e doenças”, apontou, apresentando diagrama, de uma publicação de 1958, mostrando como pode haver a contaminação de um hospedeiro sadio a partir das fezes, por diferentes rotas, e como um conjunto grande de doenças infecciosas e parasitárias poderiam ser transmitidas por essas vias.
Para Heller, esse tipo de diagrama ajuda a entender como as barreiras do saneamento podem ser introduzidas na interrupção desse ciclo de doenças. “Em resumo, os autores mostram como o saneamento pode ter maior ou menor relevância na contenção da transmissão das doenças”.
O pesquisador citou, ainda, outras teorias a esse respeito. Em 2003, destacou, artigo publicado pelo professor Sandy Cameron sugere que a lavagem das mãos com sabão seria uma nova maneira de prevenir as doenças respiratórias agudas e que essa poderia ser uma nova rota de prevenção de doenças. Posteriormente, em 2006, o mesmo professor, com um colega, faz uma revisão sistemática de artigos que tratam da efetividade da lavagem das mãos na prevenção das doenças respiratórias agudas. Mas, “apesar de os estudos apontarem essa medida como protetiva na prevenção das doenças respiratórias agudas, a evidência para efetividade da lavagem das mãos como uma medida contra a transmissão do Sars-cov-2 em instituições de saúde e em comunidades é sugestiva, mas não conclusiva. Entretanto, apesar dessa inconclusividade dos estudos, a área de saúde pública, nessa pandemia atual, assume de uma forma muito clara, que a lavagem das mãos é essencial para a prevenção do covid”, destaca.
Outros estudos mostram que o vírus permanece nas fezes por até 28 dias após o aparecimento do primeiro sintoma, enquanto ficam nas vias respiratórias por aproximadamente 16 dias. Heller explicou que, até o momento, não há estudos quando à persistência do coronavírus sem água. O que se sabe é que esse vírus é muito pouco resistente ao cloro, portanto, água clorada assegura a proteção. Evidências também mostram que o coronavirus pode estar em vários tipos de superfícies de algumas horas até nove dias, dependendo de fatores diversos,como temperatura e umidade, e também, do tipo de superfície. Isso indica necessidade de cautela ao manusear superfícies.
Para o pesquisador, “com base nesse conjunto de evidências, há necessidade de entender os vários aspectos dessas vias de transmissão e as várias rotas do vírus, além de se pensar maneiras de conter essa transmissão. Algumas medidas nesse sentido, observa, seriam relevantes como sistemas adequados de exposição do tratamento sanitário, contenção de vetores, hábitos de higiene, tratamento da água, e por fim, lavagem das mãos. “O acesso a água e esgotamento sanitário deve se dar com igualdade e sem discriminação de qualquer natureza. Portanto, precisamos Incluir o acesso indiscriminável a esses serviços. Isso é direito humano e uma questão de dignidade”, concluiu.