Clima e saúde: o alerta que vem da América Latina
Novo relatório científico publicado pela revista Lancet mostra como as mudanças climáticas se tornaram um problema central de saúde pública e governança na América Latina — e por que agir agora é essencial. O Relatório Lancet Countdown América Latina 2025 é fruto de estudo elaborado por 25 instituições acadêmicas e agências da ONU, utilizando 41 indicadores em 17 países, e faz parte do esforço global do Lancet Countdown – colaboração global multidisciplinar que monitora o impacto das mudanças climáticas na saúde humana. O objetivo do documento, que tem como um dos autores o coordenador do CEE-Fiocruz Rômulo Paes de Sousa, ao lado de pesquisadores brasileiros e internacionais, é fornecer aos formuladores de políticas informações baseadas em evidências para orientar a tomada de decisões e promover ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
O relatório mostra que o ano de 2024 foi o mais quente já registrado no planeta. A temperatura média global atingiu 1,55°C acima dos níveis pré-industriais, ultrapassando o limite de 1,5°C por quase dois anos seguidos. Na América Latina, esse aquecimento trouxe uma combinação perigosa de ondas de calor, secas, incêndios e enchentes, com impactos diretos sobre a saúde e os meios de subsistência de milhões de pessoas.
O calor extremo já custa vidas e bilhões de dólares
De acordo com os dados colhidos, desde o ano 2000, a temperatura média da região subiu continuamente. Em 2024, chegou a 24,3 °C, com aumentos mais acentuados em países como Bolívia (+2 °C), Venezuela (+1,7 °C) e Brasil (+1,2 °C).
Os resultados do estudo mostram que a exposição de bebês a ondas de calor aumentou 450% desde o período de 1981-2000, enquanto os idosos enfrentaram um aumento de 1000% nas exposições.
O calor extremo já custa vidas e bilhões de dólares, aponta o estudo. As mortes relacionadas ao calor dobraram (+103%), resultando em 13 mil óbitos anuais e prejuízos econômicos de US$ 855 milhões por ano. As perdas de trabalho por calor em 2024 chegaram a US$ 52 bilhões, afetando principalmente os setores agrícola e da construção civil.
Além disso, as secas e incêndios florestais se intensificaram. O território latino-americano afetado por seca meteorológica aumentou 275% desde os anos 1980, e a área impactada por secas prolongadas quintuplicou. Em 2024, os prejuízos causados por eventos extremos somaram US$ 19,2 bilhões.
O relatório reforça que a adaptação à crise climática é uma necessidade urgente. Menos da metade dos países da região (41%) completou avaliações de vulnerabilidade e apenas nove possuem planos nacionais de adaptação em saúde. Mesmo assim, os investimentos são desiguais: em 2024, 68% dos recursos internacionais para projetos de adaptação em saúde foram destinados apenas ao Brasil. A falta de coordenação e dados de longo prazo limitam o planejamento e enfraquece a capacidade de resposta a emergências como enchentes, secas e epidemias.
O estudo destaca que sistemas de alerta precoce baseados em dados climáticos podem salvar vidas: países que os implementaram reduziram em 92,5% as mortes por enchentes e tempestades. Porém, o preparo geral para emergências caiu desde 2022, especialmente em países vulneráveis a doenças como dengue.
Outro desafio é o baixo investimento em capacitação e pesquisa: só 17% dos estudantes de saúde pública recebem formação sobre clima e saúde, e a América Latina responde por apenas 5,5% da produção científica global nessa área.
O relatório aponta, também, que a região ainda é fortemente dependente de combustíveis fósseis. Os subsídios líquidos a esses combustíveis são estimados em US$ 38,6 bilhões — cinquenta vezes mais que a arrecadação com precificação de carbono.
Enquanto as fontes renováveis (solar e eólica) cresceram para 11,8% da geração elétrica, a participação do carvão dobrou desde 2014. O transporte rodoviário continua 96,7% dependente de petróleo.
Essa dependência tem custo humano: a poluição do ar por partículas finas (PM2,5) causa 360 mil mortes prematuras relacionadas a combustíveis fósseis e 140 mil ligadas à queima de biomassa, equivalendo a US$ 160 bilhões em perdas econômicas — cerca de 2,8% do PIB de 11 países.
Um futuro possível
Apesar do cenário preocupante, o relatório aponta possibilidades de mudanças com a adoção, por exemplo, de transição energética justa, baseada em fontes limpas e transporte sustentável; de práticas como agricultura regenerativa e conservação florestal, que protegem a biodiversidade e saúde humana, e de infraestrutura verde nas cidades, para reduzir temperaturas e melhorar a qualidade de vida.
O documento mostra que ainda há tempo para agir e a ciência, a tecnologia e a inovação são nossas melhores aliadas para fortalecer a resiliência das comunidades e construir um futuro mais saudável e sustentável. Com a COP30 marcada para 2025 em Belém (PA), a América Latina tem uma oportunidade única de liderar uma resposta global que coloque a saúde no centro das políticas climáticas.


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