“Cidades lentas” são alternativa contra o modo de vida acelerado
Artigo publicado na Revistas da USP, em 30/08/2021, discute a necessidade de humanizar as cidades e os hábitos das populações nos centros urbanos por meio das “slow cities”, uma tentativa de resistência ao modo de vida acelerado.
Estamos sempre de olho no relógio, pois o tempo voa, e não podemos perder tempo. Mas, inconscientemente, sem perceber, estamos de olhos colados no celular, na fofoca no Facebook, “passando as horas” nos sites de relacionamento, mas, contraditoriamente, apregoamos que não temos tempo para: fazer uma visita para os avós, ligar para um amigo, ler um livro de poesia ou observar a natureza, por exemplo.
Os amores e os relacionamentos afetivos são superficiais, baseados na beleza de corpos moldados pela plástica, nivelando identidades, pois vivemos, de acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, no mundo da “modernidade líquida”. O sistema capitalista e o mundo globalizado transformaram e nivelaram as relações pessoais, as instituições e as cidades “pela mobilidade, pelos fluxos, pelo desenraizamento”, caracterizado pela “fluidez, velocidade e instabilidade”. Porém, existe uma luz no fim do túnel, visto estarem surgindo, em todo o planeta, movimentos sociais que questionam esses conceitos, “mostrando que existe alternativa para uma vida mais equilibrada e saudável”. Artigo publicado na Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo discute essas novas alternativas, como o slow movement e as slow cities.
O slow movement (movimento lento) propõe a reflexão sobre os modos de vida impostos pela “modernidade líquida”, um estilo de vida “fast food”, nas palavras dos autores. As slow cities (cidades lentas) são uma forma de materializar o slow movement, pondo em prática o repensar e o transformar os modos de vida nas cidades contemporâneas, com a indispensável humanização e resgate das identidades nesses espaços ou “territórios”. O artigo tem como objetivo contextualizar e compreender o surgimento das slow cities na contemporaneidade, à luz da modernidade líquida, partindo dos procedimentos que representam “os elementos de constituição e apropriação do território”.
A exploração abusiva e desrespeitosa do meio ambiente e do ser humano despertou “um movimento de proporção mundial” que estimula discussões, reflexões e ações que buscam transformar a relação do homem com o tempo e com o mundo em que vive: o slow movement, uma alternativa cujo objetivo é conscientizar as pessoas a participar e construir uma vida na qual a qualidade prevalece. Nesse contexto, a slow city é o resultado do slow movement, que, de acordo com os autores, introduz uma nova concepção de cidade, na medida em que a proposta é “repensar o estilo de vida nos centros urbanos, tendo, como meta, desacelerar e humanizar as cidades”, em uma relação proveitosa unindo o moderno e o tradicional.
Há um movimento mundial chamado Cittaslow, em que os participantes formam uma rede “atenta às características e às especificidades de cada território […] para compartilhar as melhores práticas de governos lentos”. As slow cities estão presentes em 30 países, 241 cidades, e em territórios do planeta. Assim, para ser considerada uma “cidade lenta”, é preciso respeitar o tempo das estações, não violar a natureza, preservar a saúde humana, respeitar as tradições culturais e religiosas, no empenho de “redescobrir o tradicional” e aproveitar recursos como a reciclagem, que se apoia em novas tecnologias no intuito de manter a sustentabilidade.
Para os autores, não se pode esquecer a importância da relação das slow cities e a questão do lugar onde o homem se reconhece, ou seja, seu território, sua “raiz na terra”, pois preservá-la é “uma tentativa de resistência aos modos de vida acelerado”, defendendo suas “identidades territoriais e de coletividade”, adotando um modo de vida desacelerado, assegurando a continuidade dos processos sociais/espaciais, que significa a interdependência entre movimento histórico e relações humanas. Hoje, desacelerar é viver, e as slow cities são possibilidades reais e atuantes para que o homem seja o protagonista de seu meio.
Eloisa Estrela de Oliveira – Graduada no Bacharelado Interdisciplinar de Ciências e Humanidades, Universidade Federal do ABC. E-mail risco@sc.usp.br