Autores analisam resultado do estudo sobre o sucesso do Bolsa Família

Autores analisam resultado do estudo sobre o sucesso do Bolsa Família

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Resultados positivos na saúde, resultados positivos para a economia, enfim, um grande investimento, definem em entrevista ao site do CEE-Fiocruz, referindo-se ao Programa Bolsa Família (PBF), três dos autores da pesquisa Efeitos do programa brasileiro de transferência condicionada de renda na saúde ao longo de 20 anos e projeções até 2030: um estudo retrospectivo de análise e modelagem, publicada na revista Lancet Public Health, em 29/5/2025.

Reunidos em um encontro virtual, os pesquisadores Daniella Cavalcanti (UFBA), Davide Rasella (Univ. Barcelona) e Rômulo Paes de Souza (CEE-Fiocruz; Fiocruz Minas) analisam o Bolsa Família e comentam os resultados da pesquisa, considerada a primeira avaliação abrangente de impacto do programa, sobre mortalidade por todas as causas em todas as idades, ao longo de seus vinte anos de existência. Estudos anteriores avaliaram os efeitos do PBF na mortalidade geral em períodos mais curtos e em subpopulações específicas.

Foram examinados dados de 3.671 municípios, definidos pela qualidade adequada de registro civil e das estatísticas, representando mais de 87% da população brasileira, verificando-se que o Bolsa Família, um dos maiores, mais antigos e mais consolidados programas de transferência de renda condicionada do mundo, evitou mais de 700 mil mortes e 8 milhões de internações hospitalares, com efeitos especialmente significativos entre crianças menores de cinco anos e idosos com mais de 70 anos, em duas décadas.

 

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“Embora o programa tenha como público-alvo crianças, jovens na idade escolar, gestantes e nutrizes, o benefício impacta positivamente toda a família. É um programa que consegue dar suporte às famílias, tanto pela transferência direta de renda quanto pelas condicionalidades”, observa Daniella Cavalcanti, à frente da pesquisa, referindo-se à contrapartida com que os beneficiários se comprometem quanto a frequência escolar, vacinação e cuidados pré-natais. “Se tem algo que nosso estudo demonstra é que o Bolsa Família salva vidas”, diz Daniella.

Estudioso não só do Bolsa Família como de outros programas de proteção social em nível mundial, Davide Rasella destaca a importância da pesquisa realizada para o restante dos países e para o entendimento da necessidade de se fortalecer a proteção social. “Uma nova agenda está se formando, o mundo está mudando, infelizmente na direção errada, em sua maioria, da destruição da proteção social, sobretudo nos países mais vulneráveis”, alerta, destacando o quanto o Bolsa Família é referência internacional. “A própria publicação desse artigo na Lancet Public Health, revista número 1 em saúde no mundo, mostra isso”.

No estudo, os autores registram, por sinal, a referência feita ao Bolsa Família pela Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, durante o G20, como exemplo para todo o mundo.

O Bolsa Família é também, conforme destacam os autores, um dos programas de transferência de renda que mais passaram por avaliações em nível global, o que acabou se tornando um caminho estratégico para a legitimação dessa política social. “Abrir todas as informações, permitindo que todos os interessados avaliassem, dando transparência ao programa, leva a que as pessoas possam se convencer, por estudos técnicos e científicos, de que é um bom investimento”, observa Rômulo Paes de Sousa, que esteve no nascedouro do Bolsa Família, responsável pelo desenho e implementação do sistema de monitoramento e avaliação do programa, no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Rômulo traça um pequeno histórico do programa, que surge em setembro de 2003 e vai passando por modificações, até consolidar-se “para valer”, em 2006. Como analisa, quando surgiu o Bolsa Família, a assistência social pública do país era muito desorganizada, cenário que foi se modificando à medida que o programa veio crescendo, levando à criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas). “Isso muda tudo em relação à vinculação dos beneficiários do Bolsa Família com os outros sistemas de políticas sociais”, diz, lembrando que no primeiro governo Lula havia quatro principais programas de transferência de renda no Brasil – Auxílio Gás, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação, “cada um com uma racionalidade própria e vinculados a ministérios distintos”.

Davide destaca o quanto o Bolsa Família é referência internacional. “Se não o maior programa de transferência de renda condicionada do mundo, um dos maiores. Seguramente, um dos mais antigos e mais consolidados, além de o mais avaliado em termos de impacto na saúde”, diz, lembrando que as avaliações apontam sempre para efeitos positivos, em várias condições.

Com o uso de instrumentos avançados de avaliação e projeção de impacto de políticas públicas, o estudo traça também cenários para 2030, prazo final par ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, apresentando cenários possíveis de evolução do Bolsa Família, no que diz respeito ao aumento do valor do benefício e do número de beneficiários, com vistas à redução da morbidade, mortalidade e hospitalizações no Brasil. “Um dos desdobramentos possíveis desse estudo seria uma colaboração com o Ministério para utilizar essas metodologias”, aponta Davide.

“Fizemos um exercício para verificar o que aconteceria se o benefício do Bolsa Família, que tem como foco a pobreza e extrema pobreza, oferecesse cobertura no mesmo limiar do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e cobrisse todos aqueles que atendessem essa característica. Isso aumentaria os custos, mas o resultado até 2030 seria muito positivo”, aponta Daniella. “Se formos falar de custo-efetividade, se reduzimos hospitalizações, também estamos reduzindo custos. Ampliar o programa é, sim, um investimento, traz também economia, ao lado da garantia de direitos fundamentais que estão na Constituição”, considera.

Uma das críticas que o Bolsa Família veio recebendo ao longo do tempo foi quanto à sua efetividade, que seria baixa e induziria a maior pobreza, como lembra Rômulo. “Dizia-se que era preciso investir em Educação e não desperdiçar recursos públicos”, recorda. “Há no mundo todo uma ideia curiosa de que a política pública direcionada à população pobre tende a ser um desperdício porque, no fundo, considera-se que as pessoas são pobres porque se esforçam pouco. O fundamento é esse”, critica.

“A erradicação da pobreza, infelizmente não vai acontecer, em nível mundial. Estaremos longe disso em 2030 e precisaremos apresentar novos objetivos para os quinze anos após, esperando que, dessa vez, sejam alcançados. Que esse estudo contribua para fortalecer as evidências de políticas que ajudam a fazer isso”, diz Davide.

Como analisa Rômulo, no início do século 21, o Brasil estava em uma encruzilhada em termos de proteção social, experimentando “um processo de estabilidade econômica e um crescimento que já se insinuava e a sensação da população mais pobre de que não participavam da festa”. Agora, pontua, temos outro tipo de dilema, com trabalhadores jovens cada vez mais escassos, processo de envelhecimento crescente, automação da atividade produtiva, o que reduz as oportunidades de emprego, famílias menores e dificuldade de cuidado com idosos que estão vivendo mais.

“Todas essas questões colocam desafios à proteção social e a como o Estado vai responder”, diz Rômulo. “É importante, então, que tenhamos capacidade de nos anteciparmos na construção de políticas pensando nos cenários que estão se instalando muito rapidamente, com a vantagem de que temos hoje um sistema consolidado, maduro, com muito mais informações do que tínhamos no passado, e mais metodologias avaliativas”.