Violência urbana e Atenção Primária: o papel do Agente Comunitário de Saúde

Violência urbana e Atenção Primária: o papel do Agente Comunitário de Saúde

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Garantir o direito à saúde, tal como dita a Constituição, representa um especial desafio no que diz respeito ao acesso a ações e serviços em áreas conflagradas. Nesse sentido, o papel dos agentes comunitários de saúde (ACSs) é fundamental. Por isso mesmo, aspectos referentes às condições de trabalho e à saúde desses profissionais devem ser observados de perto. Esse foi o objetivo da pesquisa que buscou identificar as principais dificuldades enfrentadas pelos ACS para viabilizar o acesso à saúde das comunidades assistidas, além das formas pelas quais esses trabalhadores lidam com tais fatores, bem como sua opinião sobre temas relacionados às tarefas a eles prescritas na Política de Atenção Básica.

A pesquisa, realizada por pesquisadores do CEE-Fiocruz, com a colaboração de colegas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de Waterloo, no Canadá, abrangeu cerca de 760 entrevistas telefônicas com agentes comunitários de saúde que atuam em unidades básicas de saúde com a Estratégia Saúde da Família, no município do Rio de Janeiro, permitindo avaliar em que medida os problemas recorrentes nas comunidades assistidas afetam a execução da atenção primária no município.

Aspectos relevantes, como reposição de materiais, infraestrutura do território, limpeza urbana, violência, sistemas de dados, uniformes e ausência de equipamentos de proteção individual foram apontados pelos entrevistados como fatores que influenciam na realização das visitas domiciliares.

A exposição à violência urbana de forma cotidiana, provoca adoecimento e estresse aos agentes, que desencadeiam distúrbios de ansiedade, e às vezes, transtornos mais sérios como síndrome do pânico e depressão, que não só os impedem de exercer suas atividades, como comprometem sua qualidade de vida

Um ponto importante destacado por esses trabalhadores foi a falta de equipamentos de proteção individual (EPI), como luvas, máscaras e botas, que, segundo os depoimentos, acabam por expô-los a agentes nocivos, causadores, principalmente, de tuberculose, em virtude do grande número de moradores que apresentam a doença. Os entrevistados mencionam, ainda, o contato com vetores de doenças, como ratos e mosquitos, frequentes em virtude do acúmulo de lixo e água encontrados nesses territórios.   

Foi também apontado pelos agentes as condições adversas encontradas em algumas localidades, para a realização das visitas domiciliares, que devem ter periodicidade diária, como parte da meta mensal a ser por eles atingida. Eles assinalam, por exemplo, a falta de infraestrutura e limpeza urbanas, como calçamento e rede de esgoto, que expõem os profissionais a pequenos incidentes, assim como as doenças decorrentes dos alagamentos que essas ruas sofrem nos períodos de chuvas, resultando em acúmulo de lixo e esgoto a céu aberto por onde precisam transitar.

A violência mereceu destaque entre os entrevistados, que ficam expostos a episódios de confronto armado, envolvendo polícia e tráfico de drogas, obrigando-os a desenvolver rotinas específicas, como informarem-se com colegas sobre ocorrências de ações policiais na região, ou criarem grupos de WhatsApp para troca de informações a esse respeito, como forma de se defenderem e preservarem a própria vida.

A exposição à violência urbana de forma cotidiana, relataram os agentes, provoca adoecimento e estresse, que desencadeiam distúrbios de ansiedade, e às vezes, transtornos mais sérios como síndrome do pânico e depressão, que não só os impedem de exercer suas atividades, como comprometem sua qualidade de vida.  

A busca por melhores condições de trabalho para os agentes comunitários de saúde é um caminho importante para aprimorar a execução da Política Nacional de Atenção Básica, tendo em vista que as visitas domiciliares são o principal momento de criação de vínculo com a comunidade A visita domiciliar possibilita aos ACSs conhecer o contexto em que estão inseridas as famílias a serem acompanhadas, suas condições socioeconômicas, suas relações e históricos de doenças familiares, informações fundamentais para o acompanhamento e tratamento dos moradores e para a elaboração de uma estratégia de atuação no território.

Ao mesmo tempo em que mostrou que os ACSs estão submetidos a situações capazes de comprometer a própria saúde, a pesquisa apontou também que esses profissionais mostram-se conscientes desse cenário e capazes de colaborar na discussão de soluções que possam minimizar ou resolver esses problemas. Entretanto, cabe destacar que uma das queixas apontadas pelos agentes no estudo foi que suas opiniões têm pouca relevância na discussão e na busca dessas soluções.

Entendemos que a necessidade de ações coordenadas e integradas entre diferentes entes governamentais, em pleno século XXI, ainda se apresentam como um desafio para a gestão e execução das políticas públicas no Brasil.  

 

* Pesquisadores do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

 

A íntegra da Pesquisa está publicada no artigo (em inglês) Effects of Urban Violence on Primary Healthcare: The Challenges of Community Health Workers in Performing House Calls in Dangerous Areas (Efeitos da violência urbana na Atenção Primária à Saúde: os desafios dos Agentes Comunitários de Saúde em áreas conflagradas), no Journal of Community Health).

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