Saúde como investimento – não como custo – orienta relatório da OMS lançado em Genebra: a experiência brasileira em destaque
O Conselho de Economia da Saúde para Todos da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, em 23/5/2023, seu relatório final, com recomendações para reformular o olhar sobre a saúde e garantir que as economias nacionais e globais tomem os recursos voltados aos sistemas de saúde como investimento no futuro – não como custo de curto prazo. A experiência brasileira de aplicação do conceito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) foi uma das principais referências de políticas públicas estudadas e mencionadas no relatório.
Formado por dez mulheres – entre elas, a diretora da Fiocruz Minas, Zélia Profeta –, o Conselho foi instituído em novembro de 2020, pelo diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, com objetivo de formar um grupo de trabalho voltado a repensar como o valor em saúde e bem-estar é medido, produzido e distribuído no âmbito da Economia. O processo contou com a participação do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (Sectics) e coordenador científico do CEE-Fiocruz, Carlos Gadelha, líder da cooperação entre o Brasil e o Conselho.
O evento de apresentação do documento, realizado durante a 76ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, contou, na mesa de abertura, com o diretor-geral da OMS, a ministra da Saúde do Brasil, Nísia Trindade, e a economista Mariana Mazzucato, presidente do Conselho, bem como de quatro conselheiras.
Na cerimônia, foram apresentados dois painéis, o primeiro deles com as integrantes do Conselho, que destacaram recomendações-chave do relatório, e o segundo, com tomadores de decisão, que apresentaram os passos que vêm dando na direção dessas recomendações em seus países. Com o tema Rapid Fire Responses on taking Council’s recommendations forward globally, regionally and nationally (Respostas rápidas sobre como levar adiante as recomendações do Conselho globalmente, regionalmente e nacionalmente), esse painel reuniu o secretário Carlos Gadelha, a vice-diretora geral do Departamento de Comunidades e Capacidade Funcional do Ministério do Bem-Estar Social e Saúde da Finlândia, Taru Koivisto, o vice-diretor-geral adjunto do Ministério da Saúde, Steve Waldegrave, da Nova Zelândia, que abordaram seus processos em direção a uma saúde para todos, ao lado do diretor global de Saúde, Nutrição e Populações do Banco Mundial, Juan Pablo Uribe, e da professora da Afrigen Biologics, Petro Terblache, além de Mariana Mazzucatto.
Resumo das recomendações (Fonte: relatório final do Conselho de Economia da Saúde para Todos da OMS)
“Trabalharemos por esse relatório e suas recomendações. Iremos posicionar o relatório nas discussões nacionais e em fóruns internacionais, tomando a oportunidade de o Brasil presidir o G-20, em 2023. O Brasil continuará contribuindo com o Conselho, na direção da saúde para todos”, afirmou a ministra Nísia Trindade em seu discurso, citando o Grupo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), interministerial, criado em abril pelo governo Lula, com vistas a uma nova industrialização do país, com redução da dependência produtiva, voltada à garantia de acesso universal à saúde pelo desenvolvimento local, de forma sustentável. Essa experiência brasileira é destacada no relatório da OMS.
“A pandemia de Covid-19 expôs profundos desafios estruturais e realçou a necessidade urgente de um debate que busque reduzir as assimetrias globais e levar a economia a priorizar a saúde”, disse a ministra. “A saúde é, simultaneamente, mudança estrutural, inovação e crescimento econômico, capaz de refletir um compromisso econômico e político com a vida, com as pessoas e com o planeta”, considerou.
“Dois anos atrás, pedi a uma equipe de economistas e especialistas em saúde pública do mundo – todas mulheres – para criar uma mudança de paradigma. Agora, em vez de a saúde para todos ser vista a serviço do crescimento econômico, temos um roteiro para estruturar a atividade econômica de forma que nos permita atingir a meta de ver todas as pessoas com acesso aos serviços essenciais de saúde mais rapidamente e com melhores resultados”, destacou Tedros Adhanom.
“Examinamos as mudanças necessárias – inclusive na estrutura de patentes, parcerias público-privadas e orçamentos – para projetar uma economia que ofereça saúde para todos. Em nosso relatório final, pedimos uma nova política econômica voltada a moldar mercados de forma proativa e colaborativa, que priorizem a saúde humana e planetária”, relatou Mariana Mazzucato, destacando a importância da presença da ministra Nísia Trindade, tendo em vista o G20, em que pontos abordados no relatório serão discutidos entre os ministérios das Finanças e interpaíses – “e não é uma conversa fácil”, conforme pontuou.
O Brasil e o Complexo-Econômico Industrial da Saúde (CEIS)
Carlos Gadelha abordou o conceito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que surge no Brasil a partir do entendimento de que a estrutura social não poderia ser vista separadamente da estrutura econômica, uma visão que, “não por coincidência”, veio de uma instituição social – a Fiocruz. “E a saúde é parte da estrutura econômica. Se somos desiguais, a saúde se voltará à iniquidade, se a estrutura econômica é racista, teremos racismo na saúde”, defendeu.
Gadelha também destacou a experiência brasileira com a criação do grupo interministerial GECEIS, citado por Nísia, voltado a estabelecer uma política industrial e de inovação guiada pelo Ministério da Saúde. “Uma ministra da área da Saúde guiando as políticas industriais e de inovação”, realçou.
“Hoje, no Brasil, a saúde e a ciência estão de volta, unindo essas duas perspectivas”, afirmou, sob aplausos, citando os conceitos desenvolvidos por Mariana Mazzucato – “com uma grande coragem para quebrar os dogmas da economia neoclássica” –, de Estado empreendedor e da perspectiva econômica orientada por missões. “Precisamos reforçar o Estado como produtor de inovação – se não tivermos isso, não assumiremos o risco de inovar”.
Sobre o Conselho de Economia da Saúde para Todos da OMS
Criado em 13 de novembro de 2020 pelo diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, o Conselho de Economia da Saúde para Todos da OMS (WHO Council on the Economics of Health For All) tem como base três “verdades fundamentais”:
• saúde e a economia são interdependentes;
• saúde é, em si, um setor econômico chave e crítico para resiliência e estabilidade nas economias em todo o mundo;
• podemos canalizar e moldar investimentos públicos e privados em saúde para alcançar a cooperação global em direção a objetivos supranacionais.
O relatório final do Conselho é resultado do exame, pelos conselheiros, de quatro áreas-chave da política econômica:
• Medição: valorizando e medindo a saúde para todos.
• Capacidade: criando caminhos no setor público para alcançar a saúde para todos.
• Finanças: investir na saúde para todos.
• Inovação: inovando para a saúde e o benefício público.
O documento apresenta as principais recomendações e sugestões de direção a serem seguidas em âmbito global, para alcançar uma mudança de paradigma na relação entre bem-estar e economia:
- Valorizar e medir o que realmente importa – o “florescer” humano e planetário –, em vez de buscar o crescimento econômico e a maximização do PIB, independentemente das consequências.
- Revisão dos sistemas nacionais e internacionais de financiamento da saúde, para que os gastos com saúde sejam tratados como um investimento de longo prazo. Oferecer Saúde para Todos exigirá mais dinheiro e financiamento de maior qualidade.
- Inovação requer inteligência coletiva – nunca é fruto de apenas uma empresa ou órgão governamental. É necessário um novo ecossistema de inovação em saúde de ponta a ponta que priorize o bem comum.
- Como a pandemia do Covid-19 deixou claro, a qualidade e a capacidade do governo são importantes. Os governos eficazes são aqueles bem desenhados e com recursos adequados, financeiramente e em termos de pessoal e infraestrutura.
- Reinvestir na capacidade do governo é crucial para fornecer Saúde para Todos.
Acesse a íntegra do relatório final (em português) Saúde para todos: Transformando economias para entregar o que importa
Acesse a íntegra do relatório final (em inglês) Health for All: Transforming economies to deliver what matters