Reinaldo Guimarães: ‘A preparação contra novos eventos epidêmicos e pandêmicos exige enfrentar os dilemas do Antropoceno’
Os impactos da pandemia de Covid-19 irão muito além de seu tempo, seja na saúde, na educação ou no relacionamento social das populações, observa, em vídeo gravado para o blog do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz), o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da UFRJ, Reinaldo Guimarães. Ele analisa o legado científico, social e sanitário da pandemia, em um ano e meio de crise sanitária.
Como destaca Guimarães, lembrando análise da Organização das Nações Unidas, a Covid-19 provocou a maior crise sistêmica no mundo, desde 1945. “Os impactos da pandemia foram gigantescos no mundo todo, e, embora as coisas já estejam voltando a funcionar, a pandemia está em processo e ainda não acabou”, avalia, lembrando que a ideia de que as doenças transmissíveis deixaram de ser um grande problema de saúde pública, sobretudo nos países ricos, é “uma ilusão” e “foi derrubada” com a pandemia. Do ponto de vista sanitário, ele observa que as doenças transmissíveis são ainda “uma ameaça concreta e global”, tanto quanto as crônicas.
Os preparativos para novas epidemias e pandemias dependem fundamentalmente do fortalecimento da nossa Atenção Básica e da nossa vigilância em saúde
De acordo com o pesquisador, a pandemia de Covid-19 realçou a importância da integração de saberes e a ideia de complexidade. “A complexidade não foi posta pela pandemia; é uma característica da contemporaneidade, e a Covid-19 nos fez aprofundar isso”.
Outro destaque de Guimarães diz respeito ao que ele chamou de subestimação da Atenção Primária e da vigilância em saúde. Para ele, essa foi a maior lacuna do Sistema Único de Saúde, durante o enfrentamento da pandemia da Covid-19. “Os preparativos para novas epidemias e pandemias dependem fundamentalmente do fortalecimento da nossa Atenção Básica e da nossa vigilância em saúde”, observa.
Em relação ao SUS, Guimarães lembrou que, desde sua criação, em 1990, o sistema jamais teve “um período de graça”, diferentemente de outros sistemas universais que o inspiraram, como o National Health System (NHS), do Reino Unido, que tiveram um longo período de estruturação. “Nosso SUS, desde a criação, foi podado em seu financiamento”, destacou. “Toda história do SUS é de adversidade do ponto de vista de sua importância”.
Esse cenário, no entanto, analisa o pesquisador, modificou-se com a pandemia, que levou a um reconhecimento do SUS, que deve ser tomado como “ferramenta essencial” no campo da política pública. “A pandemia resgatou o SUS.
Toda história do SUS é de adversidade do ponto de vista de sua importância
Outro aspecto positivo da crise sanitária é a “percepção pública da ciência”, conforme destaca. “A pandemia exigiu que a ciência fosse em direção a população, de maneira que nunca aconteceu”, constata.
Nesse sentido, no entanto, a fragilidade do Complexo Econômico e Industrial da Saúde brasileiro também se evidenciou. “Tivemos problemas com abastecimento de máscaras, respiradores e coisas elementares e essenciais”, pontua. Houve um desequilíbrio entre oferta e demanda diante da magnitude desse fenômeno global que colocou problemas enormes para instituições como Bio-Manguinhos, na Fiocruz, e Butantan”, pontuou.
Para Guimarães, o “caminho virtuoso” de Butantan e Bio-Manguinhos de receber insumos para vacinas vindos de fora e desenvolver o resto do processo no Brasil mostra-se insuficiente hoje. “É preciso uma migração do processo tecnológico e produtivo em direção a etapas mais precoces de desenvolvimento e produção. Para isso, temos que rearticular nossa pesquisa científica nos institutos e universidades com nosso complexo industrial”, aconselha. “As ideias básicas de ciência não estão na indústria em seu início, mas nos institutos de pesquisa e universidades brasileiras”.
A preparação para o enfrentamento de novos eventos epidêmicos e pandêmicos exige o enfrentamento dos dilemas do Antropoceno
Para concluir, Guimarães alerta para importância da reflexão e enfrentamento dos dilemas ambientais, que ficaram ainda mais evidentes nesta pandemia. “Os desafios e dilemas do Antropoceno não nasceram com a pandemia, mas praticamente todas essas ameaças têm ligação com a degradação ambiental e os desafios do antropoceno”, avalia o pesquisador, concluindo que “a preparação para novos eventos epidêmicos e pandêmicos exigirá o enfrentamento desses dilemas”.