Proteção duradoura das vacinas contra Covid-19, mesmo com novas variantes – por Julio Croda

Proteção duradoura das vacinas contra Covid-19, mesmo com novas variantes – por Julio Croda

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As vacinas mudaram o cenário da pandemia, e um dado que talvez traduza bem isso foi publicado recentemente no Financial Times – uma das principais organizações de notícias do mundo , mostrando a acentuada redução da letalidade associada à Covid-19, que hoje, no Brasil, está em torno de 0.2% a 0.3%, por conta da vacinação. Isso, apesar de todas as nossas iniquidades, que incluem desigualdade no acesso aos serviços de saúde e na distribuição e acesso as vacinas, e de termos sido muito ineficazes nas medidas preventivas coletivas.

O gráfico apresentado no Financial Times mostra claramente que a maior redução na letalidade se deu justamente quando iniciamos a vacinação nos grupos mais vulnerávei se nos grupos com maior risco de hospitalização e óbito. Essa foi a grande mudança promovida na sociedade, uma medida de saúde pública extremamente efetiva na prevenção.

É importante salientar que, no início da pandemia, nossas vacinas haviam sido desenvolvidas para a variante original (Alpha) e, de acordo com os dados iniciais, entre março e abril de 2021, as vacinas seriam efetivas, inclusive, para prevenção de formas leves e formas assintomáticas da doença. Naquele momento da pandemia, acreditava-se que a vacina poderia ser importante, a partir do instante em que gerasse imunidade coletiva, no controle da doença e na redução da transmissão.

Entretanto, com o surgimento de novas variantes, chegamos a outro entendimento. A partir das variantes Gama, Delta e, principalmente, da Ômicron, observou-se uma redução importante da efetividade das vacinas para prevenção das formas leves e assintomáticas, e, portanto, uma dificuldade de se atingir, pela estratégia inicial – vacinação em massa e a imunidade coletiva –, o controle da transmissão,. 

Tedros Adhanom reforça que, para mudarmos nosso status em relação a pandemia e endemia, é necessário que tenhamos 70% da população mundial imunizada com duas doses e distribuição igualitária, com homogeneidade, entre os diferentes países

Esse entendimento se deu no momento em que foram registrados os recordes de casos associados à Ômicron, mesmo com mais de 50% da população mundial imunizada – mas ainda havendo distribuição desigual de vacinas, principalmente, nos países africanos. 

Ainda que, atualmente, estejamos com 62,5% da população mundial com pelo menos uma dose de vacina, o próprio Tedros Adhanom (diretor-geral da Organização Mundial da Saúde – OMS) reforça que, para mudarmos nosso status em relação a pandemia e endemia, é necessário que tenhamos 70% da população mundial imunizada com duas doses e distribuição igualitária, com homogeneidade, entre os diferentes países.

Diante disso, nosso foco, neste momento, do ponto de vista mundial, deve ser a oferta de mais vacinas para a África. Isso porque, com as novas variantes, as vacinas perdem a efetividade e há uma queda mais pronunciada da proteção, pelo declínio de anticorpos neutralizantes que são responsáveis pela proteção contra a doença assintomática e leve. Portanto, controlar a transmissão torna-se cada vez mais difícil, ficando mais claro que nosso principal objetivo é mitigar os efeitos associados à pandemia, o que envolve reduzir hospitalização e óbito e não necessariamente controlar a transmissão.

Nosso principal objetivo é mitigar os efeitos associados à pandemia, o que envolve reduzir hospitalização e óbito e não necessariamente controlar a transmissão

É importante entendermos que nenhum país tem capacidade de atualizar vacinas ou ofertar doses de reforço, vacinando toda a população, numa periodicidade tão curta de três a seis meses, a partir do surgimento de novas variantes. Essa estratégia não será possível para os países desenvolvidos e, principalmente, para aqueles em desenvolvimento. Portanto, ter como foco uma estratégia de vacinação baseada na prevenção de casos leves e casos assintomáticos, no cenário atual, é cada vez menos provável. Assim sendo, nosso foco será evitar hospitalizações e óbitos e, nesse caminho, é importante termos em mente quais são os grupos mais vulneráveis.

É importante entendermos que nenhum país tem capacidade de atualizar vacinas ou ofertar doses de reforço, vacinando toda a população, numa periodicidade tão curta de três a seis meses, a partir do surgimento de novas variantes

Os dados da Ômicron deixam claro, neste momento, que já temos respostas de anticorpo neutralizante, resposta celular e registros iniciais de efetividade em vida real. É possível observar que a resposta celular é fundamental, e é a que está correlacionada com prevenção de hospitalização e óbito. Essa resposta celular é mais duradoura e foi tema de discussão recente na OMS. 

Estudos mostram também que essa resposta celular está preservada por seis ou oito meses após a vacinação, inclusive, com duas doses. Pesquisas publicadas na revista Nature Medicine (em 22/2/202), sobre a vacina da Moderna, que utiliza tecnologia de RNA mensageiro, mostram que para três doses de vacina contra Ômicron ou Delta há estudos de vida real de 99%, ou seja, mesmo com novas variantes, as vacinas conseguem manter a sua capacidade de proteção para hospitalização e óbitos, e essa capacidade pode ser duradoura com um nível de proteção acima de 70%.

No contexto global, vamos observar nos próximos meses e anos uma diminuição da letalidade, mas isso não significa que a doença seja menos letal. Da mesma forma, a diminuição das medidas restritivas, tanto coletivas, como individuais, como vem acontecendo em países da Europa, não necessariamente indica que estaremos livres de impactos relacionados à Covid-19. Teremos, ainda, muitos óbitos, durante períodos sazonais, epidêmicos, embora com impacto menor sobre o serviço de saúde, justamente pelo avanço da cobertura vacinal, tanto de segunda dose como de dose de reforço. Provavelmente, alguns estados e municípios irão sofrer mais, por conta das baixas coberturas, e outros, menos.

A flexibilização deve ser regionalizada, contextualizada a partir de indicadores epidemiológicos, de número de casos, de hospitalização e óbito e também de coberturas vacinais

Ainda em relação a flexibilização das medidas restritivas, no Brasil, a decisão de flexibilização deve ocorrer após essa onda de Ômicron e deve ser regionalizada, contextualizada a partir de indicadores epidemiológicos, de número de casos, de hospitalização e óbito e também de coberturas vacinais. E, para isso, é importante, portanto, planejar o futuro, senão o gestor não vai ouvir a academia e, se academia não entender que é necessário dialogar com o gestor, ele poderá entender que esses indicadores permitem total flexibilização e não implementará políticas relacionadas à vigilância mais efetiva para intervenção em tempo oportuno. O gestor também poderá não implementar vigilância genômica, e não estruturar indicadores que permitam retroagir medidas preventivas sejam elas coletivas ou individuais, como o uso de máscara, por exemplo.

É melhor sermos transparentes, buscarmos trabalhar com os gestores esses indicadores de forma clara, para que a transição se dê sem grande impacto e sem grandes consequências, caso, nos períodos sazonais, ocorra aumento de casos associado ao aumento de hospitalização e óbitos. A forma como lidaremos com esses períodos sazonais é o nosso grande desafio de vigilância.

Por fim, é importante salientar que precisaremos também de medicações específicas, antivirais, monoclonais. Já sabemos que os grupos de risco são os imunossuprimidos e os idosos extremos, que têm mais risco de progressão para as formas severas da doença, mesmo totalmente vacinados. Essa população tem que ter acesso as medicações, e não é possível que, até o momento, o Brasil não tenha um protocolo de tratamento ambulatorial, nem de tratamento hospitalar, porque o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, que foi exonerado recentemente, não acatou uma decisão pactuada entre as sociedades científicas e aprovada na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

Estamos nos furtando a discutir protocolos clínicos que, de alguma forma, incorporem essas novas medicações para grupos com maior risco de progressão para hospitalização e óbito. Apesar do custo elevado, se identificarmos corretamente esses grupos, com certeza, essas medicações serão custo-efetivos, e o SUS poderá sim, incorporá-las.

*Médico infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e presidente da SBMT (Sociedade Brasileira de Medicina Tropical) . Artigo produzido a partir da exposição realizada Sessão do Núcleo de Estudos Avançados do IOC/Fiocruz. Covid-19 e SUS: vacinas, futuro e geopolítica, em 23/02/2022. 

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