Plásticos e saúde global: um problema atual, pouco abordado e fora de controle
A Semana do Oceano de Mônaco, que se realiza de 20 a 26/3/2023, divulgará descobertas e recomendações relacionadas aos plásticos na saúde humana e no meio ambiente, tema do artigo dos pesquisadores Luiz Augusto Galvão e Danielly Magalhães, para o blog do CEE-Fiocruz. “. Os plásticos são atualmente o produto com menor tempo de utilização e maior risco para o ambiente, devido à sua persistência e difícil degradação. A dimensão desses efeitos na saúde humana, ainda que pouco conhecida, pode estar à altura da crise climática”, escrevem os autores.
Leia abaixo o texto completo.
A poluição é a mais silenciosa das três crises planetárias. São muitas as substâncias a que estamos expostos todos os dias e que acumulamos em nossos corpos desde o ventre de nossa mãe. De muitas dessas substâncias já determinamos os efeitos, muitas foram banidas, para outras se estabeleceram limites de concentração de exposição e sobre outras, ainda, sabemos muito pouco. Nesse último caso, enquadramos a poluição por plásticos. Os plásticos são atualmente o produto com menor tempo de utilização e maior risco para o ambiente, devido à sua persistência e difícil degradação. A dimensão desses efeitos na saúde humana, ainda que pouco conhecida, pode estar à altura da crise climática. Além disso, similar à questão climática, a maior produção e utilização se dá em países desenvolvidos e afeta os países mais pobres, caracterizando-se como mais uma crise socioambiental gerada pela discriminação e o racismo sistêmico.
A poluição por plásticos é um problema transfronteiriço e intersetorial, que não pode ser resolvido apenas por meio de iniciativas nacionais ou regionais, daí a importância da criação de um acordo multilateral global. Em março de 2022, na ocasião da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unea 5.2), 193 membros aprovaram o ambicioso instrumento juridicamente vinculante para controle da poluição de plásticos. A proposta final deve ser apresentada em 2024 e visa acabar com os plásticos de uso único e alavancar o desenvolvimento de tecnologias para o uso circular de plásticos, investindo na reciclagem, bem como no gerenciamento, desde o uso até os oceanos. A Resolução propõe que o Pnuma estabeleça um Comitê Intergovernamental de Negociação (INC) com o mandato de preparar um novo acordo global para combater a poluição por plásticos, juridicamente vinculativo, que faça parte do direito internacional.
A OCDE publicou, em fevereiro de 2022, o relatório Global Plastics Outlook: economic drivers, environmental impacts and policy options, que aponta que a geração global de resíduos plásticos mais que dobrou de 2000 a 2019, de 156 milhões de toneladas para 353 milhões de toneladas anuais. Quase dois terços dos resíduos plásticos vêm de plásticos com vida útil inferior a cinco anos, sendo 40% provenientes de embalagens, 12% de bens de consumo e 11% de roupas e têxteis. Com relação à produção, o relatório destaca que 90% dos plásticos são provenientes da "produção e conversão de combustíveis fósseis – ou seja, o plano global também irá contribuir para o controle das mudanças climáticas. A produção de novos plásticos é mais viável economicamente do que a reciclagem, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados. Há a necessidade de baratear e investir em tecnologias de reciclagem. Dos resíduos restantes, 50% vão para aterros sanitários e 19% são incinerados e contribuíram com 3,4% das emissões globais de efeito estufa em 2019. Veja abaixo o ciclo de vida dos plásticos.
Figura 1 – Ciclo de vida dos Plásticos. Fonte:IUCN
Uma vez disposto no ambiente, o plástico se degrada de forma constante, aumentando continuamente a concentração de micro e nanoplásticos durante décadas. São reconhecidos dez tipos diferentes de tamanhos de partículas de plástico entre macro, meso, micro e nanoplásticos. A composiçao também é diversa, incluindo material, forma, superfície de reação e centenas de aditivos, como mostra a figura abaixo.
Figura 2 – Atributos dos plásticos a serem considerados na avaliação de exposição e risco. Fonte: WHO, 2022
Os efeitos diretos dos microplásticos na saúde humana ainda são desconhecidos. Alguns plásticos possuem em sua composição compostos que desregulam o sistema endócrino. Nanoplásticos já são encontrados em todas as partes, no solo, na água, no ar, nos alimentos e faz parte de muitos dos nossos utensílios domésticos e até mesmo das roupas. Já se encontra na água de consumo humano, inclusive em água engarrafada. Também foi encontrado recentemente no sangue e no leite materno. No entanto, a complexidade de tamanho de partícula e mistura dos plásticos dificulta a geração de evidência toxicológica e epidemiológica.
A OMS adverte que, embora os dados científicos sejam insuficientes para inferir efeitos na saúde, os plásticos não devem ser considerados seguros para a saúde humana e seu uso e produção devem ser reduzidos e reavaliados. Conclui, por exemplo, que, apesar da falta estudos comprobatórios, as propriedades físico-químicas das partículas de plástico inaladas, como tamanho, forma e densidade, influenciam sua potencial deposição nas regiões alveolares dos pulmões, onde sua biopersistência pode ter efeitos adversos, como asma e outros transtornos respiratórios. Pesquisas até o momento sugerem que os efeitos potenciais para a saúde da exposição a plásticos incluem irritação respiratória, dispneia, diminuição da capacidade pulmonar, tosse, obesidade, aumento da produção de catarro, doenças e problemas cardiovasculares, asma e câncer. Além disso, os plásticos têm impacto significativo na saúde planetária, contribuindo para a poluição do ar, da água e do solo, para a perda da biodiversidade e seus efeitos na segurança alimentar, além dos serviços ecossistêmicos das espécies ameaçadas.
Existem várias referências importantes sobre o tema dos plásticos e saúde, algumas delas são[1]:
Essas referências fornecem informações importantes sobre os impactos dos plásticos na saúde humana e no meio ambiente, bem como as medidas necessárias para reduzir a poluição plástica e proteger a saúde pública. Com a degradação constante dos plásticos no ambiente, estudos epidemiológicos mais robustos devem ser encorajados pelo setor saúde para conhecimento dos efeitos potenciais e possibilidades de prevenção de exposição.
Ainda que tenham existido vários esforços para estudar o problema, incluindo alguns mais recentes que encontraram associações específicas e com plausabilidade biológica de efeitos á saúde, várias perguntas de pesquisa relevantes deveriam ser exploradas, como:
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Quais são os produtos químicos tóxicos presentes nos plásticos que podem afetar a saúde humana?
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Qual é a extensão da exposição humana aos produtos químicos tóxicos presentes nos plásticos?
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Quais são os impactos na saúde humana associados à exposição a produtos químicos tóxicos presentes nos plásticos?
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Como reduzir a exposição humana aos produtos químicos tóxicos presentes nos plásticos?
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Quais são as melhores práticas para reduzir o impacto dos plásticos na saúde planetária?
Os resultados de estudos sobre esses impactos são importantes para proteger a saúde humana e preservar o meio ambiente. É fundamental entender como se dão esses impactos em longo prazo e quais medidas podem ser tomadas para minimizar esses riscos. Além disso, a pesquisa pode ajudar a informar políticas e regulamentações que incentivem a produção e utilização mais sustentáveis de plásticos.
Figura 3 - Os Sete tipos de plásticos, sua reciclagem, ciclo de vida e características físico-qúimicas e toxicológicas Fonte: Alan’s Factory Outlet
A saúde planetária também considera as questões sociais e, nesse sentido, sabemos que a poluição causada pelos plásticos é particularmente acentuada em comunidades pobres e marginalizadas que muitas vezes enfrentam altos níveis de exposição à poluição plástica, já que muitas indústrias que produzem e descartam grandes quantidades de plástico estão localizadas em áreas pobres e de minorias étnicas. Além disso, pessoas dessas comunidades são, muitas vezes, obrigadas a trabalhar em empregos mal remunerados e perigosos, que os expõem ainda mais à poluição plástica.
Para combater as iniquidades na poluição plástica e seus efeitos na saúde, é importante tomar medidas para reduzir produção e consumo, bem como promover práticas sustentáveis de gerenciamento de resíduos. Em paralelo, é importante lutar contra a desigualdade socioeconômica e o racismo ambiental, que contribuem para a concentração de poluição plástica em comunidades pobres e marginalizadas.
Ainda que pareça um tema distante da prática da saúde pública, devemos alertar que existem ações concretas que as autoridades de saúde podem levar à frente, principalmente na sensibilização da população sobre os riscos à saúde associados à exposição aos produtos químicos presentes nos plásticos e à contaminação ambiental. Podem também desenvolver políticas públicas para reduzir o consumo e o descarte de plásticos, incluindo o estabelecimento de leis e regulamentos que restrinjam o uso de descartáveis, incentivem a reciclagem e promovam a adoção de alternativas sustentáveis. Além disso, os ministérios da Saúde podem apoiar pesquisas sobre a relação entre exposição a plásticos e saúde humana, bem como investir em tecnologias para o monitoramento da poluição e mitigação de impactos.