Pesquisa sobre ayahuasca e psicodelia é destaque na revista 'HCS-Manguinhos'
As controvérsias entre os usos indígenas e ocidentais da ayahuasca e sua relação com o renascimento psicodélico, dos anos 1960 e 1970, são pauta de um dos novos artigos reunidos no volume 30 da revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, publicada pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Assinado pelo doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Vinícius Maurício de Lima e pela professora e pesquisadora do mesmo programa Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho, o artigo faz parte da nova leva de textos publicados no site da revista no portal SciELO e debate as expedições pioneiras à Amazônia no século XIX, os diferentes usos da ayahuasca e o interesse farmacêutico no tema.
“Estudos pioneiros com a ayahuasca datam do início do século XX e mencionam relatos de expedições à Amazônia desde 1850”, escrevem os autores. “Infere-se que a história ilumina o debate político atual sobre os usos, classificações e significados indígenas; o interesse farmacêutico na ayahuasca; e a discussão sobre drogas”, defendem.
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De acordo com o artigo, embora o termo psicodélico tenha sido criado pelo psiquiatra inglês Humphry Osmond, em cartas que trocava com o escritor também inglês Aldous Huxley, nos anos 1950, e tenha se difundido durante os anos 1960 e 1970 na ciência e pelo movimento de contracultura, foi nos anos 1930 e 1940 que se iniciaram os estudos sobre os potenciais terapêuticos da ayahuasca – na época mais conhecida como yagê e caapi. “Para desenvolver seus estudos, pesquisadores buscavam então informações nos relatos de exploradores e de viajantes que haviam realizado expedições à Amazônia na segunda metade do século XIX”, relatam.
Para os autores, o aspecto histórico “põe luz sobre o debate político atual a respeito da ayahuasca”, no que se refere a questões como “o enfrentamento de um quadro epistemológico que moraliza e criminaliza os usos indígenas e coloniza as classificações”; a problematização do renascimento psicodélico, em especial, sobre os potenciais terapêuticos das substâncias psicoativas como possível tratamento para problemas de saúde pública e o cuidado para não haver “a busca do controle de corpos e mentes”; o interesse da indústria farmacêutica na beberagem e em suas propriedades terapêuticas e a necessidade de regulação desses usos; e um debate sobre as drogas que discuta o proibicionismo e seus efeitos na sociedade.
“Embora atualmente a ayahuasca se mostre mais legitimada no debate público, conhecer seu passado pode mostrar que, ainda que as substâncias psicoativas sejam vistas como um possível agente de uma revolução em áreas como a psiquiatria, há que enfrentar na esfera política incompreensões que não são de agora”, consideram.
Sobre a ayahuasca
A ayahuasca é uma beberagem utilizada há milênios por indígenas das terras altas e das terras baixas da Amazônia (atuais territórios de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Estima-se que, atualmente, mais de cem nações indígenas façam seu uso ritual (Assis, Rodrigues, 2017; Tukano, 14 fev. 2019). A partir da segunda metade do século XX, vem sendo popularizada no Brasil e no exterior com o advento e a expansão das religiões ayahuasqueiras brasileiras e dos grupos neoayahuasqueiros, que se distinguem daquelas por ser universalistas ou por procurar se desvincular de preceitos religiosos.
Na esteira das políticas antidrogas dos anos 1960 e 1970, aconteceu, ao longo de décadas, uma perseguição de agentes do Estado, de outras instituições religiosas e de veículos de imprensa às instituições e pessoas que faziam uso religioso da beberagem (Antunes, 2012). Também houve um hiato nas pesquisas sobre os potenciais terapêuticos da ayahuasca e de seus compostos químicos, bem como de outras substâncias psicoativas. Somente nos anos 1990 alguns estudos retomaram a discussão. É, porém, a regulamentação dos usos religiosos e dos usos científicos da ayahuasca em países como os EUA e o Brasil, nas décadas de 2000 e de 2010, que reconhece os usos indígenas e os usos religiosos da beberagem e marca o renascimento da ciência psicodélica, em áreas como a psiquiatria e a neurociência. (Trecho extraído do artigo da HCS-Manguinhos)
Novo formato da revista
Em 2023, a HCS-Manguinhos estreou novo formato de veiculação, conhecido como sistema de publicação em fluxo contínuo. Em vez de ter as quatro tradicionais edições anuais, o periódico passa a ter uma única edição anual, atualizada ao longo dos meses com novos conteúdos.
As vantagens da publicação em fluxo contínuo e o compromisso da revista com os princípios da ciência aberta são enfatizados por Marcos Cueto, na Carta do Editor.
Acesse os artigos da revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos | v.30, e2023002, 2023
* Com informações da Agência Fiocruz de Notícias, em 26/7/2023.