Os desafios da vacinação contra Covid-19 na Atenção Primária no SUS – por Lígia Giovanella

Os desafios da vacinação contra Covid-19 na Atenção Primária no SUS – por Lígia Giovanella

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O acesso rápido à vacinação contra Covid-19, uma das mais importantes medidas para o controle da pandemia, é um desafio global, mas, no Brasil, tornou-se ainda mais difícil. Isso, em decorrência do negacionismo do governo federal e sua estratégia político-institucional deliberada, com empenho na ação da União em favor da ampla disseminação do vírus no território nacional, deixando a população morrer até alcançar a imunidade de rebanho, com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo, com constantes entraves às respostas locais (Asano et al, 2021).

Os desafios globais são muitos em face às grandes disparidades entre o Norte e o Sul no acesso às vacinas Covid-19, à escassez no mercado mundial de matérias-primas, as grandes encomendas dos países ricos que excedem, em muito, suas necessidades populacionais, concentram as indústrias farmacêuticas, proíbem a exportação de vacinas produzidas em seus países e não transferem tecnologia (Corrêa F, Ribeiro 2021). Essas dificuldades são preocupantes, não apenas desde uma perspectiva ética e de justiça social, mas também porque a falta de acesso oportuno às vacinas prolonga ainda mais a pandemia e aumenta o risco de surgimento de novas cepas do vírus contra as quais as vacinas aprovadas podem não ser eficazes (Wouters et al., 2021).

 

 

Além desses problemas globais, o governo brasileiro, em meados de 2020, se recusou a negociar/comprar vacinas produzidas pelo Instituto Butantan de São Paulo e a empresa chinesa Sinovac, e negou as ofertas de compra das empresas Pfizer e Jansen. Inicialmente, anunciou que não participaria do Covax Facility, a aliança global coordenada pela OMS para distribuir imunizantes a países de baixa e média renda (WHO, 2020) e, posteriormente, não aceitou todas as vacinas a que teria direito na Aliança. Ainda mais grave, o governo brasileiro votou contra a proposta da Índia e da África do Sul na OMC de suspender as patentes de vacinas, medicamentos e suprimentos hospitalares para combater a Covid-19 durante a pandemia. Essa proposta permitiria ampliar muito a produção mundial de vacinas, facilitando o acesso. O Brasil é o único país que se opõe à iniciativa, entre as nações de baixa e média renda.

A compra da vacina contra Covid-19 pelo setor privado fere os princípios constitucionais do direito universal e igualitário à saúde

Atualmente, abril de 2021, temos no Brasil vacinas em produção no país, Coronavac Butantan e Oxford/Astrazeneca/Fiocruz, com proposição de transferência de tecnologia, mas ainda dependentes de insumos farmacêuticos da China, com atrasos frequentes.

Além dessa baixa disponibilidade de vacinas contra Covid-19, o plano nacional de imunização demorou a ser elaborado, está incompleto e não há definição clara dos grupos prioritários com inclusão constante de novos grupos por pressão da clientela política do governo federal.

Soma-se a esses descalabros, por proposição do presidente da câmara federal e pressão de empresários governistas de extrema direita com consentimento do Ministério da Saúde, projeto já aprovado na Câmara dos Deputados que permite a compra de vacinas contra Covid-19 por empresas privadas com a finalidade estrita de imunizar seus empregados e familiares. E gravíssimo: o projeto permite e compra pelo setor privado de vacinas sem avaliação e autorização da Anvisa. A compra da vacina contra Covid-19 pelo setor privado fere os princípios constitucionais do direito universal e igualitário à saúde. Objetiva privilegiar mais uma vez os mais privilegiados, em detrimento da maioria da população, aprofundando ainda mais as desigualdades no acesso à saúde.

Mais de 37 mil unidades básicas de saúde oferecem vacinação de rotina, possuem geladeiras exclusivas para vacinas, têm pessoal com experiência em imunização e estão participando da vacinação contra Covid-19

Vacina é no SUS: na APS!
A capacidade da APS de imunização rápida da população seria enorme, não fosse o negacionismo do governo nacional que obstaculiza o acesso às vacinas. Mais de 37 mil unidades básicas de saúde oferecem vacinação de rotina, possuem geladeiras exclusivas para vacinas, têm pessoal com experiência em imunização e estão participando da vacinação contra Covid-19. Com esta infraestrutura capilarizada em todo o país, o SUS teria capacidade de imunizar até 2 milhões de pessoas por dia! No entanto, o processo de vacinação tem sido muito lento devido à baixa disponibilidade e distribuição de vacinas no país. Ainda assim, até 20 de abril foram aplicadas mais de 33 milhões de doses de vacina anti-Covid-19.

A vacinação pelas equipes de APS requer organização da UBS para vacinação; treinamento específico já que são utilizadas diferentes vacinas, com diferentes formas de aplicação e período para a segunda dose; registro adequado na caderneta de vacinação; cadastro de vacinados em sistemas de informação; e estratégias de vigilância e monitoramento de possíveis efeitos adversos.

Para debater e informar sobre esses temas, a Rede de Pesquisa em APS da Abrasco está organizando o seminário Os desafios da Vacinação contra Covid-19 na Atenção Primária à Saúde no SUS.

* Pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz)
 

Seminário ‘Os desafios da Vacinação contra Covid-19 na Atenção Primária à Saúde no SUS
27 de abril das 9h às 12h
Transmissão pelo Youtube da TV Abrasco

https://youtu.be/uoUUgZ5kpMA

9h ABERTURA: Vacinação é na APS no SUS
Luiz A. Facchini – Coordenador da Rede APS, Gulnar Azevedo – Presidente da Abrasco, Fernando Zasso Pigatto – Presidente do Conselho Nacional de Saúde, Carlos Lula presidente do Conass, representante Conasems

9h20: Os desafios da Vacinação Contra a Covid-19 na Atenção Primária à Saúde no SUS
Carla Domingues – ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização Planejamento e logística nacional para vacinação contra Covid-19 na APS
Magda Almeida – Secretária- executiva de Vigilância e Regulação SES Ceará Planejamento e logística estadual para a vacinação contra Covid-19 nas UBS
Fabiana Ribeiro – Gerente de Atenção Primária da SMS de Belo Horizonte Planejamento, organização e logística municipal para a vacinação contra Covid-19 nas UBS
Mercedes Neto – Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública, UERJ.Atuação da Enfermagem no planejamento e gestão na  imunização na UBS
Ilda Angélica Correia – Presidente da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (CONACS) Atuação dos ACS na imunização contra Covid-19

11h/12h – Debate e fechamento com a coordenadora da Rede APS, Lígia Giovanella

 

Referências
Asano CL, Ventura DF L, Ait FMA et al. Direitos na pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. Boletim Direito na Pandemia n 10. CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos; São Paulo, 20.01.2021. Disponible en: https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2021/01/Boletim_Direitos-na-Pandemia_ed_10.pdf. Acesso em: 12 abr 2021.

Corrêa Filho HR,  Ribeiro AA. Vacinas contra a Covid-19: a doença e as vacinas como armas na opressão colonial. Editorial Saúde em Debate  2021; 45(128): 5-18 DOI: 10.1590/0103-1104202112800

WHO. Fair allocation mechanism for COVID-19 vaccines through the COVAX Facility. OMS. 9 set 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications/m/item/fair-allocation-mechanism-for-covid-19-vaccines-through-the-covax-facility Acesso em: 1 mar 2021.

Wouters O, Shalden K, Salcher-Konrad M et al. Challenges in ensuring global access to COVID-19 vaccines: production, affordability, allocation, and deployment. The Lancet 2021:397;10278, P1023-1034. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00306-8/fulltext Acesso em: 15 mar 2021.

 

O conteúdo desta publicação é de exclusiva responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.