A 79.ª sessão da Assembleia Geral da ONU (AGNU)^[1], a se realizar de 10 a 28 de setembro, em Nova York, será um marco crucial no esforço global para analisar as dificuldades e propor ações visando acelerar o progresso rumo ao alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030, assumidamente atrasado desde sua proposta em 2015.

Neste curto artigo, pretendemos introduzir o leitor no processo que já está em preparo nas Nações Unidas há algum tempo, sinalizando seus principais momentos, ademais, de apontar um conjunto de documentos que vem sendo analisados pelas delegações dos Estados-membros para aprovação durante a Assembleia Geral.

Destacamos particularmente a Cúpula do Futuro, com seus vários momentos, e a Reunião de Alto Nível sobre Resistência Antimicrobiana, da qual trazemos o acesso ao draft zero da Declaração Política que será adotada pela AGNU 2024. A agenda completa da AGNU 2024 encontra-se aqui, enquanto os 179 itens a serem abordados vêm mais detalhados na agenda comentada, a ser acessada aqui.

Cúpula do Futuro

A Cúpula do Futuro^[2],[3],[4], que ocorrerá durante a Assembleia Geral, em 22 e 23 de setembro, é a grande aposta no âmbito das Nações Unidas para o revigoramento do papel político da entidade. Vai focar na necessidade urgente de melhorar a cooperação internacional para enfrentar os tremendos desafios globais, como as alterações climáticas, a pobreza e a desigualdade, ao mesmo tempo que promete abordar os impactos dos conflitos atuais e das crises sanitárias globais. Pretende enfrentar os desafios e lacunas mais prementes na governança global, que têm, entre suas principais consequências, a notória incapacidade de resolver os conflitos militares em curso em diversas regiões do mundo, incluindo os mais proeminentes, a guerra na Ucrânia e o massacre das populações civis em Gaza. Visa também reafirmar os compromissos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Carta das Nações Unidas, ao mesmo tempo que buscará reforçar a cooperação e lançar as bases para um sistema multilateral revigorado, segundo propostas da Secretaria Geral da ONU.

A Cúpula inclui a negociação de um Pacto para o Futuro^[5], documento com 58 ações a serem pactuadas pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membro, que visa reforçar a cooperação global, adaptando-se simultaneamente aos desafios atuais para o benefício de todos e das gerações futuras, segundo seu enunciado. Inclui também uma Declaração sobre as Futuras Gerações^[6] e uma declaração sobre as tecnologias digitais no âmbito global^[7]. Em 20 e 21 de setembro, realizam-se os Dias de Ação da Cúpula do Futuro^[8],[9], com o intuito de gerar oportunidades adicionais para engajamento de todos os atores, inclusive a sociedade civil, visando o compromisso de todas as partes.

Ainda no âmbito da Cúpula serão realizados quatro Diálogos Interativos^[10]: 1) Transformando a governança global e turbinando a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável; 2) Reforçar o multilateralismo para a paz e a segurança internacionais; 3) Rumo a um futuro digital comum: reforçar a inovação e a cooperação inclusivas para enfrentar as lacunas digitais; 4) O futuro começa agora: aprimorando o sistema global para as gerações atuais e futuras.

UNGA 79: Debate geral

Entre 24 e 28 de setembro, e em 30 de setembro, os líderes mundiais reunir-se-ão para participar no Debate Geral anual de alto nível sob o tema “Não deixar ninguém para trás: agir em conjunto para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras”. Segundo o esperado, os Chefes de Estado e de Governo e ministros explorarão soluções para os desafios globais interligados de promover a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável.

Secretário-Geral António Guterres e Dennis Francis, Presidente da 78ª sessão da AGNU - Foto da ONU / Eskinder Debebe

Reuniões de alto nível durante a UNGA 2024

Segundo as Nações Unidas, a Reunião de Alto Nível sobre a Elevação do Nível do Mar^[11] reunirá líderes globais, especialistas e partes interessadas para enfrentar a ameaça urgente e crescente da subida do nível do mar. Este High-Level Meeting se realiza no dia 25 de setembro e centrar-se-á na construção de um entendimento comum, na mobilização de liderança política e na promoção da colaboração multissetorial e multilateral e da cooperação internacional com o objetivo de "enfrentar as ameaças colocadas pela subida do nível do mar". Os participantes trabalharão no sentido de desenvolver soluções abrangentes e compromissos viáveis para combater a subida do nível do mar, garantindo um futuro resiliente e sustentável, nomeadamente para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e para as zonas costeiras baixas.

Já a Reunião de Alto Nível sobre Resistência Antimicrobiana (RAM), segundo a ONU e a OMS, representa uma oportunidade para os países e as partes interessadas renovarem os esforços e acelerarem os progressos no combate à crescente ameaça da RAM. É a 2ª vez que a AGNU debate resistência antimicrobiana; a primeira vez foi em 2016^[12]. Esta reunião servirá de base para a execução de políticas e para garantir a responsabilização pelo fortalecimento dos sistemas de saúde contra a RAM. Aproveitando a dinâmica das declarações e compromissos anteriores, os participantes concentrar-se-ão no reforço da cooperação internacional, na promoção da utilização responsável de agentes antimicrobianos e no avanço do desenvolvimento de novos tratamentos para salvaguardar a saúde global.

As infecções resistentes aos medicamentos não conhecem fronteiras, o que significa que nenhum país pode responder isoladamente à RAM. Esta reunião é uma oportunidade importante para os líderes mundiais abordarem coletivamente a ameaça iminente que a RAM representa para a saúde global, a segurança alimentar e a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Organizada pelo Presidente da Assembleia Geral, um painel multilateral sobre a RAM[^13] teve lugar em 15 de maio de 2024, como parte do processo preparatório para esta Reunião de Alto Nível. A audição foi um momento chave para as partes interessadas de diferentes setores contribuírem, antes das negociações intergovernamentais sobre a Declaração Política que se pretende obter na UNGA^[14]. O painel foi apoiado pela OMS, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) e pela Organização Mundial da Saúde Animal (também conhecidas coletivamente como Organizações Quadripartidas) e por outros parceiros relevantes.

Finalmente, para 26 de setembro, o secretário-geral António Guterres convocou Reunião de Alto Nível: Dia Internacional para a Eliminação Total das Armas Nucleares^[15]. Muito oportuno, diante do delicado momento de conflitos militares com alto potencial nuclear em curso, caso da guerra na Ucrânia, que pode colocar em confronto a OTAN e a Rússia. Alcançar o desarmamento nuclear global é a maior prioridade de desarmamento das Nações Unidas. Foi o assunto da primeira resolução da Assembleia Geral em 1946, que estabeleceu a Comissão de Energia Atômica (dissolvida em 1952), com mandato para fazer propostas específicas para o controle da energia nuclear e a eliminação de armas atômicas, assim como de todas as outras armas importantes adaptáveis à destruição em massa.

Escultura representando São Jorge matando o dragão. O dragão é criado a partir de fragmentos demísseis nucleares soviéticos SS-20 e Pershing dos Estados Unidos. Foto: Foto da ONU/Milton Grant

As Nações Unidas têm estado na vanguarda de muitos esforços diplomáticos importantes para promover o desarmamento nuclear desde então. Em 1959, a Assembleia Geral endossou o objetivo do desarmamento geral e completo. Em 1978, a primeira Sessão Especial da Assembleia Geral dedicada ao desarmamento reconheceu ainda que o desarmamento nuclear deveria ser o objetivo prioritário no campo do desarmamento. Todos os secretários-gerais das Nações Unidas promoveram ativamente esse objetivo.

No entanto, ainda restam hoje cerca de 12.512 armas nucleares. Além disso, lamentavelmente os países que possuem essas armas têm planos de longo prazo e bem financiados para modernizar seus arsenais nucleares. Mais da metade da população mundial ainda vive em países que possuem essas armas ou são membros de alianças nucleares. Embora o número de armas nucleares implantadas tenha diminuído consideravelmente desde o auge da Guerra Fria, nenhuma arma nuclear foi fisicamente destruída. Além disso, não há atualmente negociações em curso sobre o desarmamento nuclear.

As Nações Unidas estabeleceram o dia 26 de setembro como o Dia Internacional para a Eliminação Total das Armas Nucleares. Este Dia oferece uma ocasião para a comunidade mundial reafirmar seu compromisso com o desarmamento nuclear global como uma prioridade.

Considerações finais

Como sempre, chama a atenção o gigantismo da Assembleia Geral das Nações Unidas, o que se repete nesta 179ª. Sessão. Uma importante diferença, entretanto, é que esta Assembleia realiza-se num dos momentos politicamente mais desafiadores deste século XXI, com os ODS da Agenda 2030 definitivamente atrasados, guerras letais alastrando-se mundo afora, uma tríplice crise ambiental (clima, perda da biodiversidade e poluição) de proporções gigantescas, muitas delas quase no ponto de não-retorno, e com a AGNU tomando para si a construção de um Pacto para o Futuro.

Se vai ser capaz de materializar um acordo geral quanto à Agenda 2030 na Cúpula do Futuro, e entendimentos em diversos pontos sensíveis e de alta dificuldade política, que ultrapasse a mera retórica de outros espaços políticos globais, só o tempo dirá. Esperamos que os líderes globais deste período histórico sejam dignos desta investidura que lhes é outorgada. 

*Pesquisadores do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz).