A partir da perspectiva do Complexo Econômico-Industrial da Saúde livro apresenta propostas de políticas públicas e lança Manifesto para novo projeto de desenvolvimento

A partir da perspectiva do Complexo Econômico-Industrial da Saúde livro apresenta propostas de políticas públicas e lança Manifesto para novo projeto de desenvolvimento

Já leu

O CEE-Fiocruz lança livro digital com propostas para o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) como uma política estratégica de Estado capaz de fomentar o desenvolvimento do país e promover a sustentabilidade tecnológica e econômica do SUS. O lançamento foi no dia 7 de dezembro no Auditório de Bio-Manguinhos, campus da Fiocruz, Rio de Janeiro, com uma mesa redonda, mediada pelo coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Carlos Gadelha, e com a presença  de Mário Moreira, vice-presidente da Fiocruz; Maurício Zuma, diretor de Bio-Manguinhos; Jorge Mendonça,  diretor de Farmanguinhos; e dos professores José Cassiolato, do Instituto de Economia da UFRJ, e Denis Maracci Gimenez, do Instituto de Economia da Unicamp, ambos coordenadores adjuntos do projeto de pesquisa que deu origem ao livro e coautores com mais 41 pesquisadores. Durante o evento foi distribuído manifesto por um novo projeto de desenvolvimento induzido pela Saúde. 

A obra Saúde é desenvolvimento: o Complexo Econômico-Industrial da Saúde como opção estratégica nacional, produzida pela Fiocruz em parceria com mais de dez instituições, entre elas a Unicamp, UFRJ e UFF, reúne 15 artigos que apontam a importância da base econômica e produtiva para sustentar o Estado de Bem-Estar e o acesso universal, e reduzir a vulnerabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). O prefácio é assinado por Nísia Trindade Lima e a coordenação geral do projeto é de Carlos Gadelha.

Ao abrir o evento, Gadelha destacou que o local onde estava sendo realizado era a unidade da Fiocruz que produz vacina para a Covid-19 no Brasil. “Não é possível fazer nenhuma avaliação para a política pública voltada ao Complexo, com todo o aprendizado e erros cometidos das parcerias, das encomendas tecnológicas, sem colocarmos na conta do impacto 200 mil vidas salvas no país pelas vacinas”.

Em seguida, Gadelha saudou os autores do livro e a plateia diversificada. Entre os presentes, estavam representantes do setor produtivo, como a Firjan; laboratórios públicos, como o Butantan; laboratórios privados, como a Abifina e FarmaBrasil, além de pesquisadores da instituição, entre eles Dr. Akira Homma, “um dos grandes ícones mundiais na questão da produção de vacinas”; Paulo Gadelha, ex-presidente da Fiocruz, que coordena a Agenda 2030 da instituição; as pesquisadoras Lígia Giovanella e Maria Helena Mendonça do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, e Lígia Bahia, professora e pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ. Outra presença de destaque foi a do economista Mauro Osório, diretor da Assessoria Fiscal da Alerj, que lançou nessa segunda-feira (12/12) a Nota técnica Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). A publicação traz um diagnóstico atual desse sistema produtivo no Estado do Rioe apresenta oportunidades de investimento nas indústrias farmacêutica e hospitalar, que podem contribuir para o desenvolvimento econômico fluminense.

A ideia do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), “fruto do encontro da economia política com pensamento sanitário”, explicou Gadelha, começou a ser desenvolvida por ele em parceria com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, quando este esteve à frente da pasta. Hoje o tema está na pauta do governo de transição tanto no âmbito da Saúde como no da Reindustrialização, como uma proposta de política pública indutora de geração de emprego e renda que possa alavancar o desenvolvimento econômico e social do país, sem descuidar do meio ambiente. “A pandemia mostrou que a gente precisa avançar nessa agenda”, diz Gadelha.

Mauricio Zuma começou sua apresentação destacando a importância do Complexo Econômico Industrial da Saúde não só para o Brasil, mas para outras regiões do mundo, e citou o Dr. Akira Homma, como um importante protagonista na consolidação da indústria da vacina dentro e fora da instituição.

De acordo com Zuma, durante a pandemia de Covid-19, foi justamente o conhecimento acumulado e a expertise em biofármacos que propiciou a Bio-Manguinhos rapidez para introduzir e assimilar a tecnologia da vacina de Covid-19. “Conseguimos aumentar a escala de produção de modo acelerado, chegando a 500 mil testes por semana, e apoiamos, em várias outras frentes, a parte de diagnóstico, ajudando, também, a processar os testes na logística de coleta e de distribuição de amostras, além, da transferência de tecnologia e da encomenda tecnológica para a vacina”, lembrou.

Para o pesquisador, o conhecimento e capacitação construídos até aqui, na instituição, estão diretamente imbricados nos conceitos abordados pelo CEIS, como geração de empregos e adensamento de cadeias produtivas.

Zuma destacou, ainda, que é preciso apoiar o crescimento da indústria não apenas no Brasil, mas também por toda a América Latina. “Temos total confiança que poderemos contribuir ainda mais para a melhoria do SUS, e para o desenvolvimento econômico do Brasil e da América Latina. Precisamos reafirmar que saúde é desenvolvimento”, concluiu o pesquisador, salientando que para alcançar esses objetivos, será preciso um “empreendimento conjunto, contando, inclusive, com o instituto Butantan”.

Em sua exposição, Jorge Mendonça destacou alguns dos principais pontos do livro, fazendo a relação entre inovação, Agenda 2030, e a industrialização relacionada com o SUS.

Para Mendonça, o Ministério da Saúde é hoje um grande indutor do processo de reindustrialização, e da “formação, produção local e competitiva, sustentável, econômica e ambiental de inovação e retenção de valores do país”.

De acordo com o pesquisador, é preciso ainda ter foco no aprendizado acumulado até aqui para alavancar “o grande projeto de desenvolvimento e de fortalecimento do SUS e das nossas indústrias nos mais variados campos”.

O lançamento do livro Saúde é Desenvolvimento é, em sua opinião, um marco para novas reflexões e incorporação de estratégias de produção local, a fim de, também, “desenvolver o conceito de empreendedorismo de maneira mais forte dentro da Fiocruz”.

Mendonça lembrou, ainda, que nos últimos anos, Farmanguinhos conseguiu incorporar a sustentabilidade nas produções, fortalecendo também a indústria farmoquímica nacional, “muitas das quais contratamos todos os anos para fornecimento de toneladas de Ifas - Ingredientes Farmacêuticos Ativos - produzidos no Brasil”.

O pesquisador lembrou que, mesmo diante de um contexto histórico, marcado pela falta de investimentos, nos quase três anos de pandemia, houve “sustentabilidade para conseguir manter as operações de pé”. Em sua avaliação, mesmo diante de todas as carências em termos de fomento e capacidade de inovação, devido às restrições, em especial, nos últimos anos, a indústria “se mostrou forte e confiável para contribuir cada vez mais com o crescimento econômico e industrial do país”, finalizou.   

É preciso “pensar num projeto de desenvolvimento centrado na vida e na possibilidade de transformação que as atividades produtivas ligadas ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde”, destacou o professor José Cassiolato em sua exposição.

Cassiolato iniciou sua fala afirmando a relevância da Fiocruz como uma instituição global que representa o que o Brasil tem de melhor, seja “do ponto de vista científico, tecnológico, de inovação, ou em termos de capital humano”, pontuou.

Ele acredita que pensar em tecnologias para o desenvolvimento de produtos como foi com a vacina de Covid-19, durante a pandemia, não configura apenas uma transferência de tecnologias, mas de conhecimento.

O professor lembrou que a ideia do livro Saúde é Desenvolvimento nasceu em um período pré-pandemia, há mais de dois anos, reunindo diferentes instituições como Fiocruz, UFF, UFRJ e Unicamp, na “compreensão de uma economia política, da indústria e da inovação no nosso país voltada à saúde”.

Citando o sociólogo Boaventura de Souza Santos, Cassiolato abordou três cenários para o futuro em que o primeiro seria o negacionismo. Para Cassiolato, o negacionismo vem sendo enfrentado e nesse aspecto é preciso “reconhecer a capacidade de resiliência da Fiocruz, de sobreviver nesses anos de pandemia”.

O professor chamou a atenção também para a importância do reconhecimento do cenário atual de pobreza e de crise que se aprofunda, que, segundo ele, corre o risco de se agravar. “Esse é o cenário mais perigoso e do qual talvez não tenhamos nos dado conta, porque incorpora elementos de sustentabilidade na sua agenda, mas de uma forma absolutamente deletéria”, explicou.  O terceiro cenário por sua vez, seria o destacado no livro Saúde é Desenvolvimento, “a necessidade fundamental de um novo projeto de transformação e de desenvolvimento”.

Para concluir, o professor convidou a todos a pensar “que o centro dos processos de transformação é a questão da vida. É olharmos para o futuro sob todos os aspectos, do ponto de vista social e ambiental, entretanto, pensados de forma conjunta”, disse.  Além disso, ressaltou a importância de se considerar o ponto de vista sanitário, “porque perpassa tudo que estamos discutindo aqui”, completou.

Denis Maracci destacou que o projeto de pesquisa ao qual o livro está integrado aponta para uma via de desenvolvimento nacional que possibilita o cuidado com as pessoas e com o ambiente. “Desde o início nós definimos várias frentes de estudo integradas que vão da macroeconomia à base produtiva, das transformações financeiras à gênese de um novo mundo do trabalho no Complexo Econômico- Industrial da Saúde”, diz o professor, que pesquisa o trabalho na saúde.

Os estudos sobre o novo mundo do trabalho na saúde, desenvolvidos nos últimos três anos no âmbito desse projeto interinstitucional, segundo Maracci, representaram uma novidade no Instituto de Economia da Unicamp.  “Abriram fronteira. Hoje temos dissertações de mestrado, projetos de doutorado em andamento e algumas teses já concluídas”.

O professor sublinhou a importância do trabalho na área de saúde para o país, tanto pelo que o SUS representa, como pelo volume de empregos gerados de boa qualidade, muito acima do padrão do mercado de trabalho brasileiro. “Estamos diante de uma fronteira de geração dos empregos do futuro. A saúde integra o avanço material com o bem-estar social”, disse, e isso envolve “democracia, redução das desigualdades e tudo aquilo que nós desejamos para um país melhor”.  

Com as radicais mudanças produtivas, tecnológicas e financeiras, os estudos sobre geração de emprego no futuro apontam, segundo o pesquisador, para duas frentes fundamentais: o cuidado com as pessoas e o cuidado com o ambiente.

“Esse projeto permitiu abrirmos um espaço de reflexão para proposição de políticas públicas naquilo que há de mais moderno que nós podemos fazer: avançar o Complexo Econômico- Industrial da Saúde nas diversas dimensões”, disse, agradecendo em nome da Unicamp, pela oportunidade de se inserir nesse projeto de pesquisa, coordenado pela Fiocruz.

Gadelha mencionou uma outra pesquisa nessa temática sobre o trabalho na saúde, coordenada pela pesquisadora da Fiocruz Maria Helena Machadoque aborda os trabalhadores invisíveis que atuam na atenção básica.

Mario Moreira abriu sua fala rendendo homenagem aos dois representantes das unidades de produção da Fiocruz, Bio-Manguinhos e Farmanguinhos, que levaram a Fiocruz a ser a primeira farmacêutica atuando no Brasil no ano de 2021 em termos de faturamento, mesmo considerando as indústrias multinacionais que operam no país. “Vejam a nossa capacidade de resiliência e recuperação”, destacou, lembrando que a Fiocruz já enfrentou crises de sustentabilidade das suas plantas industriais.

 Em seguida, salientou, também, a diversidade do auditório. “Temos aqui governo, agência de fomento, indústria, e a base científica que representa a própria base institucional do pensamento que sustenta o Complexo Econômico-Industrial da Saúde”.

A experiência dos acordos de transferência de tecnologia na Fiocruz, sobretudo a partir da década de 90, em sua avaliação, contribuíram para a concepção da ideia do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, envolvendo os setores público e privado, com a utilização do poder de compra do estado. “Foi assim que a Fiocruz foi reconstruindo sua face industrial, que ganhou força com a introdução do conceito do CEIS nas políticas públicas”, disse Moreira, referindo-se mais especificamente às chamadas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) que foram concebidas para ampliar o acesso a produtos para a saúde considerados estratégicos para o SUS.

Moreira sublinhou que o Complexo Econômico-Industrial da Saúde é uma base conceitual que contribui para a Fiocruz ordenar suas diversas atividades em um só arranjo institucional: produção científica, tecnologia, ensino, pós-graduação e atividades industriais utilizando tecnologias de ponta. Além disso, explicou que o CEIS é uma das referências importantes para nortear a inovação e o desenvolvimento econômico-industrial a favor do acesso. “Aqui não tratamos a tecnologia como um fetiche, como um aparato técnico, mas sim sociotécnico, que tem que ser apropriado em prol da redução das assimetrias sociais e na elevação da qualidade de vida do nosso povo tão sofrido”.

O lançamento do livro, enfatizou Moreira, acontece em um momento de reconstrução do próprio estado brasileiro, das instituições e políticas públicas, assim como da própria vida democrática. “Espero que (esse processo) nos traga tranquilidade para colocarmos o país em um eixo de desenvolvimento econômico e sobretudo social, com geração de emprego e distribuição de renda.  

Em sua avaliação, a pandemia evidenciou o quanto o Brasil é dependente na sustentação do Sistema Único de Saúde, o maior sistema público de saúde do mundo. “O SUS é o único que atende uma população superior a cem milhões de habitantes”, lembra Moreira, frisando que, no Brasil, o sistema atende duzentos e trinta milhões, dos quais setenta e cinco por cento, pelo menos, depende exclusivamente dele”.

Ele pontua, entretanto, a necessidade de se pensar em formas de viabilizar a sustentabilidade do SUS para atender a população no enfrentamento de doenças raras e tratamento de câncer, ao lado do enfrentamento de graves situações sanitárias, provocadas por doenças emergentes e reemergentes, que colocam forte pressão sobre o orçamento do Ministério da Saúde. Diante desse quadro, instituições como Fiocruz e Butantan, mas também do setor privado brasileiro, têm, em sua avaliação, papel fundamental para se reduzir a vulnerabilidade do SUS. 

A pandemia trouxe a ciência e a saúde para o centro da agenda global, destacou Moreira. “O ledo engano de que, se vacinando, o país estaria livre da Covid-19, foi posto à prova e comprovado como um equívoco. O que aconteceu foi que 25% da população mundial comprou 75% das vacinas disponíveis.  Com isso alguns países se vacinaram e o vírus continuou a circular pelo mundo, produzindo diferentes variantes, que hoje estão circulando por aí desafiando a capacidade das vacinas de imunização”.

Em sua avaliação, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde é a base conceitual para a formulação de uma política industrial que pode ser muito virtuosa. “Para que paremos de exportar renda, empregos e para que possamos sustentar o nosso Sistema Único de Saúde”, concluiu.

Gadelha reforçou esse pensamento, acrescentando que é preciso colocar o SUS no centro da estratégia dessa política industrial.   Em seguida, falou do manifesto, presente no livro, mas, também, distribuído impresso para todos os presentes, que tem como mote a economia a serviço da vida.

“Colocamos a defesa da vida como um novo modelo de desenvolvimento, o fortalecimento do CEIS para garantir o acesso universal à saúde”, explicou, sublinhando a importância dessa mesma base econômica material para a sustentação de qualquer política pública social e ambiental.  “Não vamos ter política ambientalmente sustentável se as únicas possibilidades econômicas para o país forem o desmatamento e a extração de minério”.

O documento defende um novo projeto de país orientado pelo bem-estar, pela equidade e pela sustentabilidade ambiental de forma a nortear uma nova estratégia de reconstrução da economia nacional, que supere a falsa polarização entre a economia e a vida das pessoas e do planeta.

Para isso, Gadelha ressalta que será preciso uma nova cooperação internacional, comprometida com a redução de assimetrias, que envolva o compartilhamento de tecnologias, de produção e de capacidade, tanto para dar assistência e cuidado como para fazer um rigoroso processo de inclusão social e produtiva pela saúde.

O livro traz proposições concretas de políticas públicas, pensadas para alavancar a produção e a inovação tendo como norte o acesso universal à saúde e a sustentabilidade do SUS. “Nossa missão como país é diferente das missões das nações desenvolvidas. Nós precisamos atender à sociedade e, ao mesmo tempo, reconstruir o tecido produtivo que seja capaz de gerar emprego qualificado, fomentando um padrão produtivo que seja sustentável para uma economia nacional forte, dinâmica, inovadora e comprometida com a vida e o planeta.”

Acesse o manifesto na íntegra aqui