Impactos da Inteligência Artificial na Saúde Coletiva
Estamos passando por uma revolução que pode ser tão transformadora quanto foi a Revolução Agrícola, quando o ser humano deixou de ser caçador-coletor, e a Revolução Industrial, que teve início no século 18, observa o filósofo italiano Luciano Floridi, em conversa promovida pelo movimento Estratégia Latino-Americana de Inteligência Artificial (ELA-IA), divulgada no site Outra Saúde, sobre os Impactos sociais da IA na Saúde Coletiva, Trabalho e Ética. Diretor do Centro de Ética Digital na Universidade de Yale e professor de Sociologia da Cultura e Comunicação na Universidade de Bologna, onde coordena o Centro de Ética Digital, Floridi se destaca no cenário contemporâneo da filosofia da informação por seu trabalho pioneiro em temas como a ética da informação, aponta o Outra Saúde. Ao final da conversa, realizada no dia 8/11 e disponível no Youtube, Floridi faz uma reflexão sobre como a filosofia e o design podem – e devem – trabalhar em conjunto para projetar uma sociedade mais justa e equitativa no contexto da Revolução Digital.
O movimento ELA-IA é formado por uma rede de profissionais de saúde, gestores, intelectuais, docentes e ativistas engajados na construção de uma agenda ético-política voltada à pesquisa, ensino, apoio e avaliação das novas tecnologias digitais. Entre os integrantes do ELA-IA, que tem o Outras Palavras como parceiro, participaram como entrevistadores de Luciano Floridi os pesquisadores Ilara Hammerli, doutora em Ciências, professora e pesquisadora titular da Fiocruz, Luiz Vianna Sobrinho, doutor em Bioética e Saúde Coletiva, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Fabiano Tonaco Borges, Leandro Modolo Hernan e Poblete Fabiana Cunha, também cofundadores da ELA-IA.
A seguir o texto publicado no Outra Saúde sobre a entrevista
Luciano Floridi sustenta que estamos passando por uma revolução que pode ser tão transformadora quanto foi a Revolução Agrícola, quando o ser humano deixou de ser caçador-coletor, e a Revolução Industrial, que teve início no século 18. Para o filósofo, essa transformação na Informação tem muitas raízes, mas ele considera que a virada de paradigma de fato aconteceu na década de 1950, quando a computação passou a ter um impacto real na sociedade. “A grande mudança se dá não tanto pelas ideias, que podem ter sido antecipadas muitas e muitas vezes na história humana, mas pela transformação delas em fenômenos que fazem a diferença no dia a dia de bilhões de pessoas”, afirma.
O filósofo ensina que estamos apenas no início desse processo. Segundo sua analogia, é como se tivéssemos acabado de aterrissar em um planeta desconhecido: há muito o que fazer, há muito o que evitar, mas temos pouca noção das potencialidades e riscos. E, mais importante, é preciso repensar profundamente a situação que nos encontrávamos antes – porque tudo vai mudar. Floridi defende: “um dos problemas que temos com a Revolução da Informação é que, nesta fase, algumas pessoas parecem acreditar que soluções antigas, porque funcionaram no passado, também podem funcionar agora. Isso não é verdade”.
Ao ser questionado como essa mudança profunda tecnológica pode impactar na saúde, e em sistemas como o SUS, Floridi argumentou que há duas maneiras principais. Em primeiro lugar, na eficiência. É possível fazer com que pessoas em territórios remotos possam ter acesso a consultas com especialistas que estão nas grandes cidades, utilizando a tecnologia da telessaúde, por exemplo. Em segundo lugar, uma das grandes vantagens da Inteligência Artificial é ser boa para coordenar: “Uma das coisas que a IA faz muito bem é conectar coisas. Por exemplo, ao se constatar de que houve uma crise sanitária em uma região, os recursos disponíveis em outras podem ser sincronizados adequadamente, de forma que a ajuda certa chegue na hora certa às pessoas certas”.
Floridi, no entanto, alerta que a sociedade como um todo demora para tomar providências com relação a essa mudança de paradigma trazida pela Revolução Digital. Estamos respondendo aos problemas, como a regulação da Inteligência Artificial, depois que eles já cresceram demais. Esse adiamento, assim como acontece com a crise climática, poderá fazer com que não seja possível consertar o que já se perdeu. “Como podemos passar dessa atitude para uma cultura da prevenção, da previsão, não de competição, mas da colaboração?”, indaga a si mesmo Floridi. Para ele, é preciso fazer uma mudança de sistema, para valorizar a colaboração. “Em outras palavras, imagine se a nossa sociedade gerasse riqueza fazendo algo de bom à saúde das pessoas, do meio ambiente, ao bem-estar daquilo que nos rodeia.”
Mas novos modelos de gestão de recursos e da sociedade precisam ser criados rapidamente, alerta o filósofo. Para ele, a questão principal é de como construir uma governança humana das tecnologias digitais, de forma que possam ser reduzidas o sofrimento humano, o impacto ambiental, a injustiça social e a desigualdade. “Isso exige uma profunda transformação na forma como vivemos juntos e como interagimos uns com os outros e com o meio ambiente.” Ele se diz totalmente otimista, e vê ser possível a saída. Mas alerta: “Até agora não vi pessoas discutindo isso com a profundidade necessária”.