Grazielle David: ‘É possível fortalecer a economia ampliando investimento em políticas sociais’
Reforma tributária com justiça fiscal com investimento em inovação, saúde e educação garante direitos e também retorno econômico. A afirmação é da especialista em orçamento público, Grazielle Custódio David, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em comentário ao blog do CEE-Fiocruz. “É possível fortalecer a economia ampliando os investimentos em políticas públicas sociais”, diz Grazielle.
Segundo ela, não há como pensar em retomada do crescimento econômico do país, sem que se faça uma avaliação da política fiscal e sua relação com as políticas sociais e a garantia de direitos. As análises que associam economia e política social, observa, aumentaram, justamente, porque o impacto negativo das políticas de austeridade é real. “O profissional de saúde, o usuário do Sistema Único de Saúde, esses já estão sentindo os efeitos da austeridade que aparecem não só no dia a dia, mas em indicadores importantes como mortalidade infantil, mortalidade materna”, destaca. “É inviável manter uma política pública como o SUS sem recurso financeiro adequado, com cortes orçamentários cada vez maiores”.
Leia o comentário completo abaixo.
“Quando falamos em política fiscal no Brasil, temos que pensar que essa política tem dois lados, o das receitas e o das despesas. São dois lados do orçamento público que podem ampliar ou reduzir desigualdades, ampliar ou reduzir a promoção de políticas públicas que garantem direitos – como é o caso do Sistema Único de Saúde (SUS).
É comum a pergunta: se a austeridade e o corte de recursos orçamentários impedem que uma política pública de saúde como o SUS exista com qualidade, se há corte no orçamento das despesas discricionárias – aquelas que o governo pode ou não executar –, como vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, qual é a alternativa? A resposta que tem aparecido é a de que precisamos de uma reforma tributária.
Nosso sistema tributário é extremamente regressivo, perverso e sobrecarrega os mais pobres. Baseia-se em tributos indiretos que não levam em consideração a capacidade de contribuição individual. Pobre ou rico paga o tributo sobre o produto do mesmo jeito. Isso não é justo. E são muitos os tributos sobre o consumo. Temos a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), entre outros.
Países com maior justiça fiscal consequentemente têm menor desigualdade. A composição de sua carga tributária não se dá sobre o consumo, mas sobre renda e patrimônio – o inverso do que acontece hoje no Brasil. Então, temos que fazer reforma tributária que promova justiça fiscal.
Existe uma disputa entre os que defendem a reforma tributária que financie políticas públicas e promoção de direitos e os que defendem uma mera simplificação tributária. O problema é que quando se opta por essa mera simplificação tributária, não se amplia a tributação sobre a renda, ou seja, tributa-se sobre o consumo, sem levar em consideração a capacidade contributiva. Isso, faz com que se arrecade muito menos e torna inviável garantir políticas sociais. Quem defende a simplificação tributária necessariamente defende austeridade, defende cortes orçamentários nessas políticas e defende a alteração da Constituição, que é justamente a garantidora de direitos.
É possível equilibrar o orçamento público só cortando despesas. Ou é possível equilibrar o orçamento público fazendo investimentos em políticas que trazem retorno social. Dependendo do modelo escolhido, temos um país austero, com baixa tributação, sem garantia de direitos, sem mercado interno, com pessoas empobrecidas, desempregadas, doentes, morrendo
A austeridade não se refere a apenas um corte orçamentário momentâneo para corrigir um déficit, mas a um modo de organização da sociedade, em que é preciso decidir se queremos caminhar para a solidariedade, para o compromisso com os indivíduos, ou se queremos uma sociedade em que o Estado não tem responsabilidade para com as pessoas e em que não existem os objetivos fundamentais que constam do artigo terceiro da Constituição, como redução de desigualdades, promoção do bem de todos, sem discriminação.
É possível equilibrar o orçamento público só cortando despesas. Ou é possível equilibrar o orçamento público fazendo investimentos em políticas que trazem retorno social. Dependendo do modelo escolhido, temos um país austero, com baixa tributação, sem garantia de direitos, sem mercado interno, com pessoas empobrecidas, desempregadas, doentes, morrendo. O país torna-se um mero exportador – que é a lógica que observamos hoje. Mas podemos ter um país que garante direitos, promove inclusão social, reduz desigualdades e cria um mercado interno. Um país que não depende da condição de exportador, em que as pessoas conseguem consumir, melhorar o padrão de vida, estar empregadas.
Nesse sentido, investir em ciência, tecnologia e inovação é essencial, porque produzir conhecimento gera riqueza para o país. Na saúde, existe um grande potencial nacional de inovação, com a biodiversidade de que dispomos, na área de medicamentos, na área de equipamentos. No entanto, estamos vendo hoje os cortes nas bolsas científicas e nossos doutores com capacidade de inovação indo embora para outros países. Política social precisa ser entendida não como gasto, mas como investimento. Quando investimos em políticas públicas de saúde e educação, garantimos direitos, garantimos acesso a serviços, e isso, consequentemente, gera crescimento econômico e equilíbrio, tanto na política econômica, quanto na política fiscal.
As análises sobre o cenário austero na economia aumentaram. O impacto é real, principalmente na ponta. Os efeitos da austeridade começam aparecer no dia a dia e em indicadores importantes como os de mortalidade infantil e mortalidade materna. É inviável manter uma política pública como o SUS sem recurso financeiro adequado, com cortes orçamentários cada vez maiores. O teto dos gastos (Emenda Constitucional 95, de 2016) funciona pela lógica da despesa paga. O que vale é o dinheiro que chega ao estado, ao município, para garantir serviço público de saúde, e esse valor é muito inferior àquele que vem sendo avaliado como valor mínimo aplicado. O valor empenhado é sempre maior do que o valor pago, só que essa diferença aparece como restos a pagar, uma espécie de cheque voador sem data para ser descontado: não se sabe quando se vai pagar e se há fundo para isso. Ou seja, tem um monte de cheque voador por aí, que não sabemos quando serão pagos. Consequentemente, os serviços prometidos dentro desse valor diferencial não serão cumpridos. Em 2017, foram 14 bilhões colocados em resto a pagar pelo Ministério da Saúde, sem previsão de pagamento – um dos valores mais altos dos últimos anos. E essa, é uma tendência para os próximos anos também.
A alternativa a esse cenário está na Reforma tributária com justiça fiscal, com investimento em inovação, saúde e educação, com grande capacidade de retorno econômico. É possível fortalecer a economia de um país, ampliando os investimentos nas políticas públicas sociais. (Comentário a Daiane Batista/CEE-Fiocruz).