Evento pelos cinco anos sem Marielle ressalta seu legado e papel das favelas e periferias na reconstrução de um país mais justo e mais inclusivo

Evento pelos cinco anos sem Marielle ressalta seu legado e papel das favelas e periferias na reconstrução de um país mais justo e mais inclusivo

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“Marielle é a cara da cidadania insurgente, uma moça bonita da favela da Maré, que se tornou um ícone nacional e internacional mesmo antes do seu bárbaro assassinato”, sublinhou a pesquisadora do CEE-Fiocruz Sônia Fleury, na mesa de abertura do evento MARIELLE VIVE! Favelas na Reconstrução do país, que marcou nesta semana os cinco anos do assassinato da vereadora carioca e do motorista Anderson Gomes no Rio de Janeiro. Sônia é coordenadora geral do Dicionário de Favelas Marielle Franco, plataforma on-line criada, em 2019, para ser um espaço virtual de criação coletiva onde se reúnem e são divulgados conhecimentos sobre esses territórios. “Queremos simbolizar a Marielle e este evento como [a expressão] da cidadania insurgente, explicou Fleury. “A insurgência fez parte da luta da Marielle, faz parte do dicionário e acho que deve fazer parte do nosso porvir não ignorar o conflito, ao contrário, colocá-lo na mesa, porque é isso que vai fazer este país se transformar”, continuou.

O evento foi promovido pelo Dicionário de Favelas Marielle Franco e realizado na Biblioteca de Manguinhos do Instituto de Comunicação e Informação em Sáude (Icict/Fiocruz), no campus da Fiocruz, com transmissão simultânea no canal da Video Saúde Distribuidora no Youtube. Pesquisadores da Fiocruz, parlamentares e lideranças de favela estiveram presentes em torno de uma programação que incluiu apresentação de vídeos com depoimentos sobre Marielle e sua trajetória, mesas de debate, exposição fotográfica e performance cultural.

Na mesa de abertura, o legado de Marielle foi ressaltado como inspiração de luta por justiça e reparação. “É com essa proposta que estamos reunidos hoje aqui”, pontuou Fleury. “Buscamos principalmente estimular a transformação real da sociedade através da luta coletiva e de espaços de diálogo a favor de maior respeito e dignidade para todos”. Fleury explicou que, em um cenário de disputas pela garantia dos direitos de cidadania, as favelas e as periferias podem contribuir para reconstrução de um país mais justo e mais inclusivo.

Além de Sônia Fleury, participaram dessa mesa Rodrigo Murtinho, diretor do Icict; Cristiani Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, representando a presidência da instituição; Cláudia Rose Ribeiro, membro do Conselho Editorial do Dicionário de Favelas, integrante do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré e coordenadora do Museu da Maré; e Richarlls Martins, coordenador executivo do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro.

Ao divulgar a presença da ministra Aniele Franco na Fiocruz para a aula inaugural da Ensp no dia 16 de março, com o tema O legado das mulheres negras, Cristinani Machado lembrou-se com emoção da última vez em que a vereadora esteve na instituição. “Menos de uma semana antes de ser assassinada, ela prestigiou nossa aula inaugural no Museu da Vida”.

Machado sublinhou a importância do Dicionário de Favelas, que “além de homenagear a Marielle, traz a riqueza cultural, a força, a potência das favelas e das pessoas que vivem nelas”. Outro aspecto da plataforma destacado por Machado, foi o fato de chamar a atenção para todas as formas de violência que seus moradores sofrem e o quanto os direitos são cotidianamente desrespeitados nesses locais. “É uma honra para a Fiocruz abrigar esse projeto, realizado em parceria com os movimentos sociais, fundamental para a implementação de políticas públicas que sejam mais próximas às necessidades do nosso povo”.

Em seguida, a deputada estadual Renata Souza (Psol/RJ), a ex-deputada estadual Mônica Francisco (Psol/RJ), a vereadora Mônica Cunha (Psol/RJ), e Saulo Benicio, presidente do Psol Nilópolis (RJ), compuseram a mesa Da Favela ao Parlamento – Reconstruindo o Brasil.

Renata Souza sublinhou, também, a importância do Dicionário, enaltecendo seu papel na construção de novas narrativas e discursos sobre as favelas. “Lá atrás, quando discutimos (a construção) do dicionário, foi muito importante pensar nos verbetes e quais seriam os elementos e narrativas que teríamos para trazer a língua da favela, das periferias, a língua do povo preto, do povo pobre”, lembrou, explicando que esse foi um desafio que representou uma mudança radical de paradigma. “Nós, povo preto, que viemos da favela, da periferia, somos acusados o tempo todo de não sabermos falar, não sabermos nos expressar, e quando utilizamos uma linguagem que é do nosso cotidiano, somos encarados como menos cultos”, observou, referindo se à existência de um preconceito linguístico que, em sua avaliação, é “também racismo linguístico”.

Ao destacar que considera fundamental a contribuição do Dicionário na superação desse racismo linguístico, e na construção de narrativas, fez questão de dizer que Marielle foi mais uma vítima do feminicídio político, conceito que ela desenvolveu no pós-doutorado em Comunicação na UFF. “Precisamos dizer o que aconteceu com Marielle. Nós sabemos que no campo do direito, aquilo que não se nomeia, aquilo que não se caracteriza, não existe. E feminicídio político existe”, afirmou.  

Além de Marielle, Souza citou outras mulheres que “ousaram desafiar os poderes estabelecidos para transformação social” no Brasil, vítimas, também, do feminicídio político, como Dorothy Stang e a juíza Patrícia Aciolli. O conceito de feminicídio político, em sua avaliação, transborda um novo olhar sócio-político e pedagógico em relação à violência sofrida por essas mulheres.

Por último, Souza sublinhou a necessidade de olhar a favela e as periferias com suas potencias e seus protagonismos, suas lutas e movimentos sociais, como  necessárias e fundamentais para mudança de paradigma na nossa sociedade. “Precisamos olhar a potência das mulheres pretas construindo a partir de mutirões que hoje não deixam as favelas morrerem de fome, sucumbir sem saneamento básico, sem acesso à educação, à saúde de qualidade. São essas pessoas que constroem formas de ser e estar e que estão protagonizando a luta das favelas",