Epidemia pela Covid-19: em tempos heterodoxos, medidas heterodoxas
As consequências sociais da pandemia perdurarão por meses ou anos, tornando imperativa a união de todos, com o estabelecimento de políticas e iniciativas solidárias para os grupos de maior risco. Programas sólidos que reduzam ou eliminem a desigualdade e a falta de equidade, os maiores problemas de nossa sociedade, são o caminho para enfrentar os desafios na saúde, na economia e demais segmentos sociais, analisam os pesquisadores Paulo Buss, professor emérito da Fiocruz e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da instituição (Cris/Fiocruz), e Rubens Belfort Jr., professor da USP e presidente da Academia Nacional de Medicina. Os dois assinam editorial do volume 19 (2) dos Anais da Academia Nacional de Medicina, de 2020.
No texto, Epidemia pela Covid-19: em tempos heterodoxos, medidas heterodoxas, os autores manifestam a preocupação da academia com o impacto da epidemia no Brasil, sobretudo entre os mais pobres, lembrando dados do IBGE apontando que 13,5 milhões de brasileiros estão na faixa dos “extremamente pobres”, sobrevivendo com menos de R$ 145 mensais, e que 52,5 milhões são “pobres”, com menos de R$ 420 por mês.
Eles lembram que, de dirigentes de grandes empresas e bancos a políticos e lideranças comunitárias, há uma unanimidade em torno do entendimento de que a desigualdade socioeconômica tem sido o maior empecilho para um desenvolvimento nacional adequado. “Se não forem adotadas medidas perenes de proteção social, o país sofrerá um declínio catastrófico na qualidade de vida e bem estar, e muitas pessoas estarão ameaçadas de marginalização e exclusão que afetará a atual e futuras gerações”, escrevem.
Os autores destacam ainda a importância do estudo dos determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde, no que diz respeito à promoção da saúde e à prevenção de doenças, sendo necessário “propugnar por propostas extra-setoriais à saúde, heterodoxas e audaciosas, para os tempos nada ortodoxos que estamos vivendo”.
A análise de Buss e Belfort Jr. contempla a relevância do Sistema Único de Saúde, evidenciada pela pandemia de Covid-19, e das parcerias público-privadas reforçando o sistema. A imprensa, observam, completa o “tripé que se mantém indispensável, inclusive para identificar corrupção e sua correção”.
Os autores apontam, ainda, outros desafios conformados no contexto da pandemia, tais como o fechamento compulsório das escolas e a exclusão digital daqueles que não têm condições técnicas acompanhar as aulasremotas; a situação de insegurança alimentar na qual a pandemia encontrou o país, registrada pela primeira vez, desde 2004; e maior incidência de casos e mortes entre determinados grupos étnicos, demandando políticas e ações específicas para essas populações.
Eles citam duas importantes iniciativas globais para enfrentamento da pandemia, com recomendações e orientações aos países, estados e municipalidades: a comissão Lancet sobre Covid-19, para medidas de recuperação econômica e social pós-pandemia, e o The Global PreparednessMonitoringBoard, voltada ao enfrentamento de emergências sanitárias.