Diego Xavier: ‘A Amazônia tem muita importância no controle das condições climáticas’
“Serão cada vez mais comuns os eventos extremos, com mais danos e infelizmente não estamos nos movimentando na velocidade e na urgência que exige esse problema”, alerta o pesquisador Diego Xavier, do Observatório de Clima e Saúde do Icict/Fiocruz, em entrevista ao CEE-Podcast, do Centro de Estudos Estratégicos Antonio Ivo de Carvalho, ao analisar a emergência ambiental que afetou diversas cidades da Amazônia nas últimas semanas. Diego explica que o que está acontecendo hoje em relação ao clima faz parte de um processo contínuo, e que, portanto, “não diz respeito ao que aconteceu neste ano, ou neste mês”, vem de um acúmulo de devastação que começa no desmatamento.
De acordo com o pesquisador, esse desflorestamento tem sido, ao longo do tempo, a principal causa de proliferação das queimadas, e isso está refletido na Amazônia. “Esse processo é dinâmico e, à medida que se dá o desmatamento, tem-se também a queima e conformação do solo para a ocupação. Assim, passamos a ter também o avanço do agronegócio”.
Embora a Amazônia esteja passando hoje por uma de suas maiores crises climáticas, levantamento de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou que houve uma baixa no desmatamento ao se compararem os anos de 2022 e 2023. “Mais de seis mil quilômetros quadrados de área de desmatamento, quando em maio de 2023, não chegamos a mil”, pontua Diego.
Para o pesquisador, essa é uma constatação clara de que se trata de um processo contínuo, que “não para no tempo”. Nesse sentido, o funcionamento desse sistema tem um fluxo que passa pelo que antes era floresta, torna-se ocupação, desmatamento, queima e depois abre espaço para o gado e a soja. “É justamente esse processo de ocupação que corrói a Amazônia. E toda essa cadeia de produção, de agressão, do ponto de vista do capital, impacta diretamente as mudanças climáticas”, completa.
Diego explica que esse processo de desmatar acumula material orgânico, e o modo mais fácil de descarte desse material é a queimada. “Há um processo que vai do desmatamento até o ponto em que esses atores formam a terra, a tornam produtiva do ponto de vista capitalista e geram produção de riqueza e capital”.
O desmatamento, destaca Diego, junta-se à seca extrema local e regional, acentuando o processo de queimadas, embora “políticas de governos anteriores também tenham facilitado esse processo regional de ocupação, desmatamento e queima da matéria orgânica que temos hoje na floresta”.
Para o pesquisador, os impactos dessas ações estão sendo sentidos, vide “todas as complicações” observadas no estado do Amazonas. “Desde 1902, não havia tido uma seca como a que ocorre nesse momento na região amazônica, assim como também não havíamos tido um nível de cheia tão alto como as que ocorreram em 2021, em relação à altura do nível do rio Negro, em Manaus”.
Ao pontuar recomendações de curto e médio prazo diante das emergências trazidas pelos impactos das queimadas, Diego destaca a importância de retomarmos a institucionalidade e a confiança nas instituições que, nos últimos anos, passaram por um processo de desestruturação. “Perdemos a capacidade de fiscalização e precisamos retomar isso”, defende o pesquisador, fazendo referência ao Instituto de Pesquisa Espaciais (Inpe) um dos alvos dessa desestruturação “com as tentativas de diminuição da sua importância frente à sociedade civil”, lembrou.
Para Diego, esses impactos não serão sentidos somente em nível regional, tendo em vista o papel da Amazônia no controle das condições climáticas globais. “Regionalmente os impactos são sentidos mais em populações vulneráveis, como estamos vendo agora. Porém, a tendência dos modelos climáticos indica frequência de eventos extremos globais, como seca e chuva extrema ao longo do tempo, em um sistema extremamente complexo que é o clima no mundo todo”, explica.
Pensar o futuro, hoje, é pensar em como iremos nos adaptar a danos que sempre se quis mitigar
Eventos extremos e sistemas de saúde
Há também, segundo Diego, uma preocupação quanto aos impactos desses eventos nos sistemas de saúde. Conforme destaca o pesquisador nosso sistema “funciona no limite” e uma sobrecarga no atendimento geraria desassistência e ausência de condições de atenção “minimamente digna” a quem é exclusivamente usuário do SUS. “Precisamos reestruturar os nossos sistemas de fiscalização; conscientizar a população sobre a importância da floresta de pé; e reestruturar os sistemas de produção”, aconselha. “Não existe uma saída simples, mas precisamos pensar formas diferentes de produzir, de criar riqueza, e de manter a estrutura da sociedade que temos”, completa.
Para Diego, caminhamos em direção à adaptação a danos que sempre se quis mitigar, mas que, com o cenário que temos, já não será possível. Pensar o futuro, hoje, é pensar em como iremos nos adaptar”, alerta Diego, temendo um horizonte perturbador. “Provavelmente estaremos daqui a uns vinte anos contabilizando danos”, salienta.
“Será cada vez mais frequente termos um clima mais agressivo, com manchetes anunciando cheias ou queimadas como sendo as maiores dos últimos tempos. Isso será constante, infelizmente! Porque não tomamos as decisões que deveriam ter sido consideradas há algum tempo”.
Tipos de queimada e seus impactos ambientais
Para Diego é importante esclarecer que há uma diferença fundamental entre as queimadas criminosas e as queimadas do tipo roçado – feitas geralmente para prover o sustento familiar. De acordo com ele, a queima de um roçado é controlada, diferentemente do processo premeditado e sistemático que estimula as queimadas criminosas. “Essas diferenças precisam ser claras, principalmente, quando pensamos o processo de uso da terra e das mudanças climáticas”.
Diego explica, ainda, que as queimadas do tipo roçado, muito utilizadas pelos indígenas, não afetam substancialmente o meio ambiente, como aquelas geradas propositalmente na busca do ganho de capital, em função da degradação ambiental e que têm “comprovadamente um impacto devastador”. O pesquisador lembra do dia do fogo, orquestrado em 2019, para que produtores rurais da região Norte do país iniciassem um movimento conjunto para incendiar áreas da Amazônia.
Para ele, entender a diferença entre os tipos de queimada é fundamental. “O índio, ao fazer um roçado, já sabe como funciona a queimada e a faz de forma controlada. O dia do fogo, por outro lado, foi uma tentativa organizada de se criar um processo que, no final, trouxe o mal para todo mundo e lucro para poucos”.